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  • Aprenda a fazer assindética

    Convivendo com pessoas na internet, principalmente pelo Twitter e pelo Discord — onde considero que são mais propensos à comunicação textual do que o audiovisual — percebi um fenômeno muitíssimo interessante e complexo de se resolver. A grande maioria não tem a mínima ideia de pra que servem as pontuações. Isso me deixa extremamente triste, na verdade, pois, por mais que eu tive uma educação privilegiada em relação à maioria, sinto que muitos são mal compreendidos por causa de sua escrita, mesmo possuindo ideias realmente boas. Mais do que dar espaço para as pessoas falarem por si com a sociedade, devemos dar às pessoas ferramentas certas para elas opinarem. É como se entregassem carros para dirigirem sem ensiná-las nem mesmo a trocar a marcha. É terrível. E essa minha indignação vai introduzir uma das maiores e mais complexas estruturas linguísticas que pouco se sabe sobre seu funcionamento, acarretando em milhares e milhares de equívocos na hora de se escrever um texto. E claro que neste blog vamos falar da escrita em novels. A Tal da Assindética Para quem está começando a jornada na escrita criativa, essa palavra pode ser enigmática ou assustadora. Porém, para quem já estuda conosco na Novel Brasil… é ainda pior. Convenhamos que nem os tutores nem os artigos passados por eles explicam a fundo acerca desse tema. Geralmente ocorre uma explicação básica do tipo: "Orações que são coordenadas sem conjunções." A conclusão é que qualquer um pensaria que qualquer frase com duas ou mais orações que não são ligados por conjunções seriam orações coordenadas assindéticas. Errado! Terrivelmente errado! O que acontece é que, mesmo as pessoas conhecendo ou não essa definição, textos e mais textos eu encontro com “supostas assindéticas”. Eu disse “supostas” porque na verdade eram apenas frases diferentes ligadas por vírgulas . Esse fenômeno ocorre tanto com escritores de novels quanto em textos de redes sociais, tantas pessoas praticando um equívoco chamado de frases siamesas . A parte mais engraçada nisso é que o que algumas pessoas praticam por desconhecimento, outras praticam munidas das desculpas mais esfarrapadas. Mesmo aqueles que já estudaram um pouco sobre gramática, sobretudo sintaxe, usam a desculpa da “assindética” como escudo para as frases siamesas. Então, antes de entender um pouquinho mais sobre orações coordenadas assindéticas, vamos estudar sobre esse fenômeno das siamesas. Frases Siamesas Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, isso foi surpreendente. Ele veio do meu mundo finito, me deixa olhar apenas alguns séculos! Mas é claro que eu tinha que trazer exemplos do nosso querido Eduardo Goétia, autor de Mestre da Masmorra , de onde extraí os dois excertos acima. Mas, Kamo, por que esses 2 textos estariam errados? Simples: são frases siamesas. Calma, calma, me deixe explicar! Vamos às definições: As frases siamesas caracterizam-se por apresentar idéias ligadas incorretamente, ou seja, frases distintas, que possuem enunciado completo, são apresentadas como se fosse uma só, por não haver elemento de ligação entre elas, como sinais de pontuação ou conectivos. Este nome é devido à analogia de irmãs ou irmãos siameses (crianças que nascem unidas por uma parte do corpo). Isso te lembra alguma coisa? Vou te ajudar. Vou mostrar algumas das definições de assindética: “Em que há assíndeto; sem a conjunção coordenativa expressa.” — Dicionário Michaelis “Diz-se do período sem conectivos entre palavras, termos ou orações." “Justaposição; em que há assíndeto, ausência de conjunção coordenativa entre palavras, termos ou orações.” — dicio.com.br “diz-se da coordenação em que os membros não estão ligados por conjunção ou locução coordenativa” — infopedia “em que ocorre assíndeto; sem conectivo (diz-se de período); justaposto, paratático” — Dicionário Houaiss Chega, não é mesmo? Em todas diz sobre a ausência de conectivos ou conjunções. Porém, a definição das frases siamesas diz justamente sobre a falta que faz tais conectivos. Então, cargas d’água, qual definição está correta? A de que tais frases são orações coordenadas assindéticas ou de que tais frases são realmente siamesas? Na verdade uma completa a outra, pois as duas definições são incompletas. A definição de frases siamesas não explica o que significa “enunciados completos”. Já a definição de assindética não explica que há condições disso ocorrer sem ser considerado apenas um erro sintático, pois apenas a ausência das conjunções por si só, por definição, é assindética. Mas há assindetismo correto e assindetismo incorreto . O assindetismo correto é a formação de uma oração coordenada assindética. O assindetismo incorreto é a formação de uma frase siamesa. Toda essa confusão na verdade é gerada pela definição vaga do que é uma… Frase construção que encerra um sentido completo, podendo ser formada por uma ou mais palavras, com ou sem verbo, ou por uma ou mais orações; pode ser afirmativa, negativa, interrogativa, exclamativa ou imperativa. — Dicionário Houaiss (2001) Você pode já ter se deparado com uma definição dessas. Às vezes como “um enunciado de sentido completo, a unidade mínima de comunicação” (Cunha e Cintra 2001) ou como “unidade sintática/gramatical com um sentido completo”, mas sempre acompanhado desse tal de “sentido completo”, ou até mesmo “todo enunciado suficiente por si mesmo para estabelecer comunicação”. Mas eu pergunto: o que é ser completo ou ser auto-suficiente? Certamente é aquilo que não lhe falta coisas, está completa, portanto, sem lacunas. Buscando mais um pouco sobre o significado disso, alguns dizem que “uma frase tem sentido completo quando não precisa de mais complementos”. Então estamos falando de complementos verbais e nominais? Sim e não. É outra resposta incompleta que encontrei e que não faz sentido para este artigo. Houve inclusive uma triste definição sobre isso de que o maior problema sobre as frases siamesas é a incapacidade de determinar o que seja exatamente uma frase completa — em Curso Básico de Redação (1977), escrito por Cláudio Moreno e Paulo Coimbra Guedes. Eu estava lendo esses dias um artigo escrito em 2007 por Isabel Maria Paese Pressanto e Samira Dall Agnol, ambas da Universidade de Caxias do Sul, o qual baseio este artigo, e vi que elas propuseram unir os pontos de vista sintático e semântico para a solução do problema, mas eu, um mero mortal, fiquei com mais dúvidas ainda do que respostas concretas e práticas, devido à clara complexidade do assunto. Sim, caro leitor deste artigo, nós fomos abandonados pelos estudiosos da linguística. Mas não estou aqui para abandonar você. Eu não. Com um olhar mais atento, percebi que a resposta sempre esteve lá. Na verdade, ninguém nos abandonou. Tão tímido e minúsculo vocábulo, que me esclareceu tudo, estava lá: “ um ”. Cunha e Cintra e também a Houaiss nos trolaram esse tempo todo. Aquele “um” de “um sentido completo” ou de “um enunciado de sentido completo”, não era um mero artigo indefinido, era também um numeral . Isso também pode ser observado no fato de que “sentido completo” está no singular, não no plural. A palavra “completo” também tem um duplo significado que muitas pessoas não observam: não é só que não há falta de algo, mas que também está em sua capacidade máxima . Então o termo “um sentido completo” te dá várias pistas do que isso significa por causa de vários significados ambíguos que as próprias palavras que a compõem possuem. A conclusão é de que: “Uma frase é um enunciado que possui apenas um sentido afirmativo, negativo, interrogativo, exclamativo ou imperativo que não precisa de mais complementos.” Munidos dessa definição, vou explicar em detalhes técnicos como podemos construir frases “completas”. Como construir frases Vamos começar agora a definir tecnicamente o processo de construção de uma frase, segundo a definição da seção anterior. Por tecnicamente, quero dizer em termos sintáticos e também semânticos. A construção básica de uma frase pode ser compreendida melhor com frases verbais, aquelas que são formadas por orações. Orações são, basicamente, enunciados que contêm um verbo ou uma locução verbal. Vamos nos atentar aqui sobre a semântica utilizada na seção anterior relativo à palavra “um”. Então: 1 verbo OU 1 locução verbal = 1 oração A oração mais elementar, portanto, seria uma oração composta apenas pelo verbo, possivelmente um verbo intransitivo com sujeito oculto. A estrutura elementar de uma oração por si só, no entanto, não explica a essência de nossa disposição, já que como pode uma frase não ser completa se apenas uma palavra, o verbo, é capaz de completá-la? Então, a partir daqui, nós vamos dividir nosso raciocínio sobre 2 pontos da nossa definição: a primeira, de “não precisar de mais complementos”, e a segunda, de “possuir apenas um sentido”. Complementação frasal O que muito acontece quando aprendemos coisas na escrita são as palavras que possuem múltiplos significados. Isso inclusive é pauta em semântica sobre homônimos e polissemia. Nesse caso em específico, quem já estudou um pouquinho sobre sintaxe, já deve ter se deparado com os termos “complemento verbal” e “complemento nominal”. Como pode perceber, a complementação frasal é um termo mais amplo, considerando a própria definição de frase. Comumente só encontramos vagas descrições de frase, como exposto por todo este artigo anteriormente, e a matéria de sintaxe já pula seus ensinamentos para as orações coordenadas e orações subordinadas. É aí que entra a complementação frasal, para dar aqui quais são os termos da frase. Isso mesmo. Não são termos da oração, mas sim termos da frase. Orações coordenadas e orações subordinadas todo mundo já conhece — ao menos espero que conheça —, mas todo mundo se esquece da oração principal. Também temos as orações justapostas e correlatas, que são pouco estudadas também. Pegando um empréstimo das definições dos termos de uma oração, uma frase verbal essencialmente necessita de uma oração principal. A complementação frasal, portanto, ocorre principalmente quando há ausência de oração principal na frase proposta, sem esquecer, claro da complementação verbal e nominal, que são subordinadas a essa regra também. Sabemos, então, que se trata de frases fragmentadas quando encontramos textos assim: “Quando eu me encontrar com você.” (Oração subordinada adverbial temporal) “Porque não levei o prato à pia.” (Oração coordenada explicativa) “Ou eu faço as malas agora mesmo.” (Oração coordenada alternativa) Frases fragmentadas seriam o equivalente oposto de frases siamesas, quando, ao invés de ter um corpo textual a mais grudado, temos uma parte do corpo faltando, isto é, a oração principal. Orações coordenadas e subordinadas são como braços e pernas do corpo. Estando somente elas dispostas no texto, ficaria apenas uma cena grotesca de terror. Um sussurro estarrecedor, mas nada mais se ouvia, enquanto emaranham-se os pés na poça de carne e sangue. A frase acima carece de uma oração principal, formada somente por fragmentos. Geralmente esse problema acontece quando o escritor imagina que o leitor seguirá a mesma linha de raciocínio que ele estava tendo no momento em que escreveu. A verdade é que quem lê interpreta o que está escrito e não o provável pensamento do autor . Então: Foi surpreendido por um sussurro estarrecedor, mas nada mais se ouvia, enquanto emaranham-se os pés na poça de carne e sangue. Outra fragmentação é colocar a oração principal em frase separada das coordenadas ou subordinadas. Ele se agarrou à parede na única pedra que quase caía. Como se fosse a última esperança. Esse erro é bem besta, na verdade, e espero que você não esteja cometendo. A oração subordinada adverbial comparativa “Como se fosse a última esperança” está separada da oração principal da frase anterior. Mas, como diz o bom ditado popular, sempre há exceções às regras. Há possibilidade de formar uma frase somente com a oração coordenada ou subordinada. Isso pode ser feito com o processo anafórico , estudado na estilística da gramática. A anáfora, como é conhecida, é a repetição de uma palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais frases sucessivas. O processo anafórico é derivado desse conceito e visa analisar as repetições de palavras ou grupos de palavras presentes no texto. Faz parte do processo anafórico, por exemplo, a substituição de nomes de personagens por pronomes ou substantivos referenciais. Você já deve ter chamado um personagem de “ele” ou “o calvo”, não? O processo anafórico também analisa referências e concordâncias entre as frases. Pelo processo anafórico, o caso mais comum de exceção à regra da complementação frasal são as frases interrogativas e as respostas , pois uma frase complementa a outra e são enunciadas por pelo menos 2 interlocutores diferentes. O primeiro e o segundo exemplo desta seção exemplifica isso, na verdade. — Quando você vai me pagar? — Quando eu me encontrar com você. — Por que você levou uma bronca? — Porque não levei o prato à pia. O processo anafórico, nesses casos, permite que se suprima a informação já dita na pergunta, não necessitando que a pessoa que responda tenha que repetir, senão ficaria assim as respostas: “Eu vou te pagar quando eu me encontrar com você.” “Eu levei uma bronca porque não levei o prato à pia.” Quanto ao terceiro exemplo, ali ocorre uma anexação tardia de oração coordenada já finalizada. O fenômeno acontece quando um 2º interlocutor quer acrescentar uma oração coordenada ou subordinada à fala de outro. — Você pode ficar aqui por alguns dias. — Ou eu faço as malas agora mesmo. Pode acontecer com subordinadas também: — Você estragou a nossa viagem! — Que você insistiu em me trazer mesmo eu não querendo. A maioria das frases fragmentadas legítimas ocorrem geralmente nos diálogos mesmo, pela própria dinâmica corroborada pelo processo anafórico praticado pelas pessoas no dia a dia. Outra exceção que ocorre muito é o uso da conjunção aditiva “E” e da conjunção adversativa “Mas” iniciando tanto frases como também parágrafos. O uso estilístico da conjunção mas no princípio das frases é legítimo, gramaticalmente e estilisticamente correcto. [...] O mas utilizado no princípio da frase tem um uso enfático muito apreciado por certos autores de renome como os que refere. — em Ciberdúvidas da Língua Portuguesa Optar por iniciar uma frase com a conjunção e – ou, noutra perspetiva, separar com um ponto final duas frases ligadas por uma conjunção – tem que ver com valores estilísticos, prosódicos e semânticos, servindo, sobretudo, para realçar relações de contraste, de causa-consequência ou de adição entre os dois elementos. — em Ciberdúvidas da Língua Portuguesa Além das explicações dadas acima, caracterizando como um recurso estilístico válido, vale ressaltar o realce diferenciado que tais conjunções realizam. Por vezes a adição ou a adversidade é mais ampla do que é com a oração. Veja a diferença: “Eu acordei tarde, mas cheguei a tempo no trabalho.” “Eu acordei tarde, perdi um ônibus, o trem quebrou e fui assaltado no caminho. Tudo estava contra mim e já tinha perdido a esperança. Mas cheguei a tempo no trabalho.” Perceba que o “Mas” do segundo exemplo está contradizendo acerca de toda a situação exposta, não somente da frase ou oração anterior. Pela estilística, podem tais conjunções terem valores puramente expletivos também, ou seja, apenas enfatizam, mas não complementam no sentido: E também vermelho, em lugares, que é cor de barro ou sangue sangrado. Mas isso depende do que no chão se plantou e cultiva, etc. — José Saramago em Levantado do chão Tendo em mente as exceções colocadas, frases fragmentadas devem ser evitadas para se ter um enunciado com sentido completo em uma frase. Fica observado que nas exceções deve haver um contexto ao qual a fragmentada se coordena ou se subordina para que seja válida, ou por processo anafórico, ou por processo estilístico. Agora vamos ver o outro lado da moeda. Configuração de sentido único No processo de complementação frasal, vimos que a falta da oração principal traz prejuízos à completeza da frase. Como mencionei anteriormente, a completeza não é somente a observação da falta de algo, mas também da capacidade máxima que uma frase pode ter. Direto ao ponto, a capacidade máxima de uma frase é definida pela quantidade da oração principal: 1. A sintaxe permite que uma frase contenha infinitas orações coordenadas e infinitas orações subordinadas, mas comporta apenas uma oração principal , que antigamente já foi chamada de oração coordenante e oração subordinante. A oração principal se caracteriza por não possuir uma conjunção precedendo, sendo a oração central na qual as outras orações presentes na frase se coordenam ou se subordinam. Vejamos o exemplo a seguir: Quando me alistei no exército, vi minha mãe em choros, mas não sabia o porquê. Podemos destacar 3 verbos dessa frase: alistei, vi e sabia. O verbo “alistei” está em uma oração precedida pela conjunção subordinativa adverbial temporal “quando”. O verbo “sabia” está em uma oração precedida pela conjunção coordenativa adversativa “mas”. Portanto, é fácil saber que a oração principal dessa frase é a do verbo “vi”, “vi minha mãe em choros”. Identificar a oração principal na frase é um dos passos mais importantes de uma análise sintática, que infelizmente muitos fazem pouco caso e se concentram nos estudos das coordenadas e subordinadas. No exemplo acima, posso ainda acrescentar que o adjunto “Quando me alistei no exército” é termo da oração principal, devendo ser destacado em conjunto, mas, em se tratando de adjunto adverbial, não faz muita diferença para esta análise. Vamos dificultar um pouco mais: O homem viu a face do medo, sentiu o calafrio surgir, bebeu da pior sensação e sobreviveu àquele horror. Daqui destacamos os verbos: viu, sentiu, bebeu e sobreviveu. Perceba que agora somente o verbo “sobreviveu” está em uma oração com conjunção precedendo, “e”. A conclusão simples que teríamos é a de que as outras 3 orações seriam classificadas como orações principais. Isso pode claramente ferir o que propomos anteriormente, mas esta construção de frase é legítima na sintaxe e na estilística. Ocorre aqui duas orações coordenadas assindéticas prototípicas , em que se evita o polissíndeto nessa frase. Eu sei, eu sei, as palavras assustam. Mas veja o lado bom: finalmente voltamos com a assindética. Primeiro, deixe-me explicar sobre o “polissíndeto”. A sintaxe permite que mais de uma da mesma conjunção seja utilizada sucessivamente em uma frase. Pegando o exemplo anterior, podemos fazer isto: O homem viu a face do medo e sentiu o calafrio surgir e bebeu da pior sensação e sobreviveu àquele horror. Isso é o que chamamos de polissíndeto, quando há repetições da mesma conjunção nas orações da frase. Em geral se sugere evitar esse tipo de construção, mas a estilística permite, tanto quanto a sintaxe. No intuito de se evitar o polissíndeto, sugere-se elipsar (ocultar/suprimir) as primeiras conjunções de uma série da mesma conjunção, deixando apenas a última mantida. Essa manutenção da última conjunção é requerida na maioria dos casos para explicitar se as conjunções elipsadas são aditivas ou alternativas (se é “E” ou “OU”). Sendo este processo muito comum na linguagem falada, bem como na linguagem escrita, é reconhecida como protótipo de uma oração coordenada assindética, ou seja, uma assindética que é facilmente reconhecida como válida. Portanto, o exemplo apresentado possui apenas uma oração principal , “O homem viu a face do medo”, sendo as outras coordenadas por assíndeto ou coordenada por conjunção aditiva, e está, então, correta. As orações coordenadas assindéticas prototípicas são a alternativa mais comum na estilística a fim de se evitar o polissíndeto e utilizado no dia a dia. Com isso também podemos formar frases inteiramente assindéticas quando as conjunções entre as orações forem todas a mesma. Vim, vi, venci (Veni, vidi, vici) Sopra o vento, o Sol vem, crestam-se as rosas… — Goulart de Andrade Os anos vieram, / o menino crescia, / as esperanças maternas de d. Carmo iam morrendo — Machado de Assis A prototipagem dessas assindéticas ocorre naturalmente quando há 3 ou mais orações ligadas pela mesma conjunção que se percebe oculta. Quando há apenas duas orações, é sugerido que se coloque uma conjunção: Deram o braço e desceram a rua — Machado de Assis O efeito de não se colocar uma conjunção em uma frase com 2 orações, tipicamente com características de uma oração principal, é o que chamamos de frases siamesas: “[Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico,] [isso foi surpreendente.]” “[Ele veio do meu mundo finito,] [me deixa olhar apenas alguns séculos!]” Sintaticamente não há necessidade alguma de se unir orações independentes — orações que poderiam ser orações principais de uma frase — apenas pela ligação de seu contexto. Ah, mas as frases têm relação uma com a outra. Dá pra unir. As frases acima, porém, forçam essa união de forma errada, possuindo cada um termos completos, essenciais e integrantes, e não são fragmentados, sem características de serem coordenadas ou subordinadas. São, na verdade, duas frases disputando o lugar de ser uma oração principal. Tais frases gêmeas (não frases iguais, mas que nasceram juntas) são exemplos típicos de frases siamesas. Outro exemplo típico são de frases intercaladas por adjuntos adverbiais: Eu fui dormir, quando chegou a noite, eu me levantei. Ocorre acima uma ambiguidade sintática, quando um termo da oração pode se referir a 2 outros termos , nesse caso a duas orações diferentes. Vou chamar as orações de “ oração casada ” e “ oração amante ”, por analogia ao relacionamento humano. Deixo claro que essa terminologia não existe; inventei aqui para exemplificar. Não se sabe no exemplo quando exatamente a pessoa dormiu e acordou, por mais que o adjunto diga que foi “quando chegou a noite”, já que a pessoa pode ter ido dormir quando chegou a noite ou ter se levantado quando chegou a noite. É ambígua e confusa. Não dá nem pra saber qual oração é casada e qual é amante. Isso acontece à vista de quem lê , mas o autor sabe exatamente com qual oração o adjunto está casado , e por “descuido” ou “escolha” não fez a separação da amante. Considero, portanto, esse tipo de erro uma “traição” para com o leitor por parte do autor, pois o autor sempre sabe e esconde isso do leitor. Frases siamesas podem ficar ligadas uma à outra dessa maneira, como por exemplo com vírgulas mal colocadas ou com adjuntos mal colocados. A correção que se faz em frases siamesas, como nos humanos, é a separação cirúrgica, que pode ser feita por pontuação ou até mesmo por conjunção. “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico. Isso foi surpreendente.” “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, e isso foi surpreendente.” “Ele veio do meu mundo finito. Me deixa olhar apenas alguns séculos!” “Ele veio do meu mundo finito, então me deixa olhar apenas alguns séculos!” “Eu fui dormir, quando chegou a noite. Eu me levantei.” “Eu fui dormir e, quando chegou a noite, eu me levantei.” Isso na verdade é a forma mais simples — e preguiçosa — de correção de frases siamesas. A sintaxe vai te permitir que você faça alterações na ordem de disposição dos termos e orações, e também alterar de coordenação para subordinação, mantendo o aspecto semântico, ou seja, a ideia e o significado daquela frase. Vamos pegar a primeira frase para mostrar outros exemplos de correção: “Uma alma atravessar do infinito quântico para o infinito mágico foi surpreendente.” “Foi surpreendente que uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico.” “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico me surpreendendo.” “Quando uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, foi surpreendente.” “Uma alma atravessou do infinito quântico para o infinito mágico, portanto foi surpreendente.” Como pode perceber, as soluções para frases siamesas podem ser inúmeras, mas possuem uma fórmula simples: ou você separa as duas orações em frases separadas, ou você escolhe uma das duas para ser a principal, sendo a outra coordenada ou subordinada utilizando a conjunção. Terminada a exposição sobre a mecânica da construção de frases, vamos aprender agora a quebrar essas regras. Quebrando as regras Antes de te mostrar técnicas que vão te ajudar a estruturar frases complexas que extrapolam o universo ortodoxo da língua, preciso te alertar que nada do que falei são REGRAS . Existe uma discussão muito burra acerca da linguagem que é de pessoas reclamando munidos das “regras do português”. Vamos deixar bem claro: não existe uma coisa chamada de regras do português, como se alguém legislasse sobre a língua. O que existe, na verdade, são estudos , como é a gramática e como é a linguística. Os profissionais que trabalham nessas duas áreas poderão me responder que o que eles fazem não é ditar regras de como uma língua deve funcionar . Ao invés disso, o que eles fazem é estudar como a língua de fato funciona, como se fosse um fenômeno natural que podemos explorar. Imagine Isaac Newton dizendo: “Essa maçã não deveria cair no solo; deveria era subir aos céus”. Puf! Newton criou a Lei da antigravidade! Caro leitor deste artigo, você realmente acreditava que alguém criaria regras para a língua? A ordem é simples: o estudo linguístico e de gramática visa entender como pessoas que falam a mesma língua podem se entender. Simples. O que é considerado um “erro de português” na verdade é um texto ou uma fala em que a informação é confusa, difícil de se entender, por pessoas que falam aquela mesma língua. Não é uma regra que diz que aquilo está errado ou certo. A gramática apenas reúne as formas de escrita — e também de fala, vamos lembrar — que a grande maioria dos falantes da mesma língua vão compreender. Dito isso, vou explicar 3 formas existentes na gramática que vão contradizer um pouco do que eu disse na seção anterior: a justaposição, a correlação e a coordenação assindética. Orações justapostas Por muitas vezes confundida com a oração coordenada assindética, as orações justapostas são basicamente orações inseridas na frase sem o uso de conjunção. A diferença entre a assindética e a justaposta é que a justaposta não necessariamente é uma frase independente, se comportando muitas vezes como uma oração subordinada, e não coordenada. Nós temos 3 tipos de orações justapostas: Oração justaposta intercalada Oração justaposta aposta Oração justaposta adverbial Oração justaposta intercalada As orações justapostas intercaladas, também chamadas de orações interferentes, são orações que tangenciam outra oração, ou mesmo frases em alguns casos, se assemelhando às orações subordinadas, principalmente a substantiva. Tais orações aparecem sempre isoladas por vírgula, travessão, parênteses ou colchete e o comentário que realizam costuma ser uma opinião, observação, desejo, desculpa, ressalva ou advertência do emissor. No nosso caso, isolamos por vírgulas ou travessões. Vamos ver um exemplo: E dessa vez, não creio, ele fez diferente. Podemos perceber 2 orações independentes nessa frase: “E dessa vez ele fez diferente.” “Não creio.” Assim, o emissor oferece uma opinião acerca do fato narrado na frase, fato que não era esperado por ele. Podemos justapor orações dessa maneira, quando se está simulando uma voz interferindo na voz daquela frase. Por isso se chama interferente. Perceba também que não há conjunção alguma em “não creio”. A conjunção “E” da outra oração não justifica uma coordenação entre essas duas orações, pois se trata de conjunção de realce, como explicado nas seções anteriores. Essa oração intercalada também não substitui nenhum termo da oração principal, ou seja, não é subordinada. Não se coordena, não se subordina, é exclusivamente justaposta. No entanto é perceptível a dependência semântica que ela tem com a oração principal: “não creio” em quê? O verbo crer pode ser intransitivo, mas nesse caso é claro a transitividade pelo contexto. Se fôssemos desenvolver, ficaria assim: “Não creio que dessa vez ele fez diferente.” Mas, como o emissor queria colocar em destaque o fato ocorrido, não a sua opinião, a frase construída não teve a proposição “ele fez diferente” como uma subordinada da opinião. Ao fazer análises dessa forma, é possível entender que, primeiro, a ordem tampouco importa para a frase estar correta, contendo as informações propostas para a frase, mas, segundo, alterar a ordem pode transparecer as intenções e personalidade do emissor da frase. Vamos ver alguns exemplos de intercaladas: Citação: quando se intercala um discurso direto; nosso querido dicendi. — Tá maluco, doido? — perguntou-se o louco . Advertência: quando se esclarece um ponto de vista, ou muito comumente uma imprecisão. Ontem de noite, creio que às 23h , ouvi um barulho. Opinião: quando se expressa uma opinião, muitas vezes adjetiva. O guarda, valente como é , fugiu com o rabo entre as pernas. Desejo: quando se expressa um desejo do emissor (meio óbvio). O monstro finalmente caiu — tomara que esteja morto —, depois de levar 100 tiros. Escusa: quando se pede desculpa no meio da frase. O miserável do teu irmão, perdoe-me a indelicadeza , me roubou! Permissão: quando se faz uma solicitação retórica, ou seja, solicita, mas não espera pela permissão. Meu primo querido, permita-me aqui um elogio , você tem uma bela de uma casa. Ressalva: quando se condiciona, se restringe ou se reserva um enunciado. Você nasceu na família mais respeitada do reino, diga-se de passagem , e não consegue um emprego sequer? As orações justapostas intercaladas, portanto, expressam bastante a parte emocional de um interlocutor, que não se restringe somente ao enunciado frio, e se assemelham a como colocamos interjeições. Oração justaposta aposta Já as orações justapostas apostas são muito parecidas com as orações subordinadas apositivas. “Sua única condição era o que me assustava: que eu me casasse com ele .” “Sua única condição era o que me assustava: eu devo me casar com ele .” O primeiro exemplo se trata de subordinação aposta, e expressa pela pela conjunção “que”. Já o segundo exemplo possui o mesmo valor sintático e semântico do primeiro exemplo, mas não possui relação expressa com uma conjunção, sendo justaposto. Observe que para fazer a justaposição tive de alterar um tanto a composição dos elementos. Eu não poderia simplesmente retirar a conjunção: “Sua única condição era o que me assustava: eu me casasse com ele .” Essa composição não funciona pelo fato de que a oração justaposta está fragmentada. A fragmentação ocorre com a conjugação verbal no subjuntivo, fazendo com que parecesse uma oração subordinada adverbial condicional. Ah, mas essa não é a condição indicada na frase? Parem de relacionar o conteúdo da frase diretamente com a estrutura, pelo amor de Deus! Uma oração condicional exige que a oração principal seja a consequência se tal condição for atingida. “Sua única condição era o que me assustava” é a consequência? Fazendo um exercício eu posso escrever: Casasse-me com ele, posso herdar sua fortuna. Condição: Me casar com ele. Consequência/Resultado: Herdar sua fortuna. Ou seja, a consequência da oração “eu me casasse com ele” não está em “Sua única condição era o que me assustava”. Portanto permanece fragmentada, e não se usa frase fragmentada como oração justaposta aposta; ela deve ser auto-suficiente mesmo dentro da frase que se encontra. Senão, faça uma oração subordinada apositiva ou uma oração subordinada adjetiva explicativa: “Sua única condição, que era me casar com ele, era o que me assustava.” Nesse caso da aposta, é comum utilizar dois pontos (:) ou ponto e vírgula (;) para delimitar a oração principal da justaposta, muito raramente uma vírgula. Oração justaposta adverbial Por último das justapostas temos as justapostas adverbiais . Estas são raríssimas, no sentido de haver poucos exemplos, mas são bem utilizadas. Nós fazemos construções de frases com adjuntos adverbiais na forma desenvolvida com conectivos e com orações reduzidas, que inclusive é alvo de muitos artigos espalhados por aí na internet. Já as orações justapostas adverbiais, em que não há uma conjunção na oração adverbial e nem formas nominais do verbo, como o infinitivo, o gerúndio e o particípio, também utilizamos, mas pouco mencionadas. São os casos onde usamos advérbios iniciando a oração . Essa frase anterior já dá esse exemplo. A palavra “onde” não é um conectivo, é um advérbio de local. São utilizadas comumente e se classifica como oração justaposta. Quero me encontrar amanhã com você onde nos conhecemos. Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá — Canção do Exílio de Gonçalves Dias São raros os advérbios que podem funcionar dessa maneira, em que se permite a forma desenvolvida do verbo, sem utilizar os nominais. Os casos que conheço são de advérbios de lugar. Esses são os 3 tipos de orações justapostas em que não se necessita o uso de conectivos para se colocar em uma frase com outra oração presente. Há também uma discussão acerca das orações reduzidas, que alguns consideram como justaposição, já que se suprime o uso de conectivos também. No entanto, considero que não seja o caso, por se tratar de outra classificação. Pegando o mesmo exemplo já utilizado: “Sua única condição era o que me assustava: me casar com ele .” No Guia de Análise Sintática, João Luiz Ney, em 1955, levantou uma frase com a mesma estrutura acima como sendo uma justaposição: “O viúvo teve uma única preocupação: deixar a música.” Particularmente considero que seja apenas uma subordinação apositiva reduzida do infinitivo, e que a justaposição na verdade requer que não haja essa redução. Aliás, estou seguindo a classificação proposta pelo João Luiz Ney sobre as orações justapostas e, o que falarei a seguir, as orações correlatas. Orações correlatas Lembra do que falei sobre uma frase não poder ter 2 orações concorrendo a posição de uma oração principal? Pois é. Aqui ocorre um caso curioso. Orações correlatas são duas orações que, de tão correlacionadas que são, se comportam como uma só, não sendo independentes. Vejamos um exemplo: Não apenas você me disse o seu nome, como também onde mora. O “não apenas” é uma locução conectiva; assim é o “como também”. Nessas frases temos a presença de 2 conectivos, uma em cada oração em uma frase de 2 orações. As duas frases são coordenadas?, ou seriam subordinadas? Não, elas são correlatas . Ao invés de 1 conjunção, aparecem 2 termos conectivos, tornando as duas orações interdependentes, uma dependendo da outra. Alguns podem confundir pelo fato de que há uma certa subordinação ou coordenação, porém é uma subordinação ou coordenação recíproca , se diferenciando das outras orações. As orações correlatas se subordinam ou se coordenam uma com a outra . Por esse fato também pegamos termos emprestados da coordenação e da subordinação para tipificar as orações correlatas, que são: Correlatas aditivas Pares correlatos: não só… como, não apenas… como, tanto… como, não apenas… mas também, tão… como, etc. Não só os temperos são importantes, mas também os métodos contribuem para o sabor. Correlatas alternativas Pares correlatos: nem... nem, ora... ora, seja... seja, etc. Com uma boa negociação, nem pagaria a mais, nem pagaria a menos pelo produto. Correlatas comparativas Pares correlatos: mais/menos/melhor/pior/tanto (do) que/de/como. (Nesse caso é mais comum os pares ficarem no meio entre as orações) Entendo de magia melhor do que você entende de espadas. Correlatas consecutivas Pares correlatos: tão… que, tanto… que, etc. Ganhei tanto dinheiro que não preciso trabalhar mais. Correlatas proporcionais Pares correlatos: quanto mais/menos… mais/menos. Quanto mais você insistir, mais vai se sentir rejeitada. Essa é uma classificação feita pela Violeta Virgínia Rodrigues no livro Ensino de gramática: descrição e uso, de 2007 . Tomei a liberdade de alterar exemplos usados por ela como um exercício para mim mesmo. O João Luiz Ney, que mencionei antes, classificou apenas as aditivas, comparativas e consecutivas. Então, pode-se notar uma divergência de classificação entre os estudiosos da área. Apenas peguei a com mais tipificação que considerei razoável. Como pôde ver, as orações correlatas são construídas com pares de termos conectivos, conjunções, locuções ou advérbios, e não são possíveis de desvincular uma oração da outra sem que se faça uma alteração considerável, tanto na sintaxe como na semântica. Se pegarmos o último exemplo para realizar a desvinculação, podemos até fazer isso: “Você insiste muito. Vai se sentir rejeitada.” Aí nós perdemos a correlação entre as frases. Podemos até utilizar a forma subordinada: “À medida que você insistir, vai se sentir rejeitada.” Aqui temos uma forma subordinada mais aproximada da correlação. A regra é simples: quando se necessitam pares correlatos que conectam duas orações, temos duas orações correlatas e uma ausência legítima de oração principal . E agora vamos ver como se faz uma oração coordenada assindética. Oração coordenada assindética Como já mencionei antes, podemos construir frases com coordenação assindética prototípica, que são orações em que ocorre a elipse de conjunções aditivas ou alternativas de forma repetida. Acendeu um cigarro, cruzou as pernas, estalou as unhas, demorou o olhar em Mana Maria. — Antônio Alcântara Machado Este é um exemplo que usei no meu primeiro artigo aqui no blog da Novel Brasil. Usa-se, portanto, a coordenação assindética quando há presença de 2 ou mais orações coordenadas aditivas ou alternativas, além da oração principal. Quando for alternativa, recomenda-se não fazer elipse da última conjunção. “Neste vasto deserto, quero me esquecer de quem eu sou, me lembrar de quem eu fui, me agarrar ao que posso ser ou simplesmente continuar a viver.” É necessário que haja uma sequência lógica entre as orações, podendo ser uma enumeração paralela ou ações sequenciais. Vamos então entender um pouco mais do mecanismo da coordenação assindética e seus tipos. Para isso, precisamos aprender sobre o paralelismo. Paralelismo Uma coordenação assindética muito simples de se fazer é a coordenação assindética por paralelismo sintático , e de uma forma não tão usual com o paralelismo semântico . Mas o que significam esses termos? Existe uma diferença entre um texto “correto” e um texto “fácil de ler”. Essa diferença é, em geral, exposta pelo conceito do paralelismo . Vamos ver um exemplo abaixo: Eu gosto de treinar de manhã, livros depois do almoço e da agitada noturna. Perceba acima como temos 3 termos coordenados que aparentemente estão corretos: treinar de manhã , livros depois do almoço e agitada noturna . No entanto, podemos analisar os 3 termos na morfologia, na sintaxe e na semântica. Ao fazer a análise, notamos que a frase foi construída de forma diferente em cada termo coordenado, na sintaxe, na morfologia e até mesmo na semântica. Temos inúmeras formas de se “corrigir” isso, considerando a pluralidade de opções gramaticais que existem. No entanto, ainda não podemos dizer que tal frase está incorreta também. É apenas no paralelismo que isso está em desacordo. A relação e sequência simétrica do texto, seja em seu aspecto morfossintático, seja semântico, é a característica do paralelismo onde estabelece nexo entre textos no plano linguístico, isto é, por meio dos elementos de coesão e coerência formalizados na escrita. Não se trata necessariamente de uma regra da gramática, e sim de uma diretriz de ordem estilística . Façamos um pequeno exercício com a frase anterior. Eu começo: “Eu gosto de treinar de manhã, de ler de tarde e de agitar de noite.” Como as preposições da coordenação do objeto indireto são iguais, posso fazer elipse deles também: "Eu gosto de treinar de manhã, ler de tarde e agitar de noite.” Fiz então uma equiparação morfossintática dos conectivos, dos objetos indiretos transformados em verbo no infinitivo e dos indicadores temporais transformados em locução adverbial, obtendo então uma frase com paralelismo. Elabore você também uma possível correção para o texto de exemplo. Leve em consideração todo o seu conhecimento em morfologia e sintaxe para isso. O objetivo do paralelismo é facilitar a leitura e a interpretação do texto, através de uma construção lógica e sequencial, levando em conta a progressão e uniformidade das funções morfossintáticas e valores semânticos. Não entendeu ainda? Vou simplificar. Veja a sequência numérica abaixo: Qual número cabe na interrogação? Aposto que diria o número “10”. Essa é uma resposta lógica, porém não ofereci nenhuma condição e nenhuma regra que diga qual número deve caber ali. Você apenas olhou para os outros números e supôs que existia uma sequência lógica que definisse qual seria o próximo valor. No entanto, a resposta poderia ser assim: Você esperava por um 10, e o que veio foi um 5. Essa resposta estaria errada? Não. Não tem nenhuma regra dizendo como deveria ser essa sequência. O número “5” cabe ali. Tá cabendo, não vê? Isso é o que acontece com textos sem paralelismo. Pela gramática, está correta, mas acaba quebrando uma sequência lógica dos termos participantes do texto, causando um “certo desconforto” e até um “entrave” por isso. A quebra da lógica poderia ser até no meio: A sensação causada continua a mesma. Sempre que há essa quebra de simetria, gera-se uma reação indesejada quanto à expectativa. Em uma frase curta, fica bem denotada essa situação: Minha rotina é: estudar, trabalhar, comida e dormir. Do nada me aparece uma palavra, "comida", quebrando a lógica da sequência. Gramaticalmente está errado? Não, não está. Mas podemos simplesmente escrever melhor. Sim, o paralelismo é utilizado para a melhoria da escrita, não para a escrita correta na norma culta, até porque a frase acima está correta na norma culta. Vamos “corrigir”: Minha rotina é: estudar, trabalhar, comer e dormir. O paralelismo está muito ligado à dinâmica psicológica de como uma pessoa lê um texto. Quanto maior for o nível de instrução de uma pessoa, maior vai ser a quantidade de predição feita por ela, isto é, por já ter lido tantos textos consegue prever as palavras que viriam a seguir, ou ao menos os tipos de palavras. Isso, na verdade, não é nenhum super poder. O teclado digital dos smartphones já fazem isso constantemente da mesma forma como nossos cérebros fazem. Inclusive, em 2017, Sara Bezerra dos Santos Ribeiro publicou pela Universidade Federal do Rio de Janeiro um estudo em que mostrou que pessoas com diferentes níveis de instrução lêem textos de forma diferente. Logo, um texto fácil de se ler é um texto em que é entregue o que o leitor espera, em termos morfológicos, sintáticos e semânticos. Enquanto que frases formadas sem um paralelismo necessitam do leitor um chaveamento constante a cada novo termo apresentado nas orações em cadeia, frases com paralelismo são cumulativas em sentido e significado. Outros exemplos de paralelismo: Sem paralelismo: “Pedro viu uma ave colorida e que cantava .” Com paralelismo: “Pedro viu uma ave colorida e agitada .” Sem paralelismo: “ O exército do Império enfrentou o Reino dos Demônios por eras.” Com paralelismo: “ Os soldados do Império enfrentaram os guerreiros do Reino dos Demônios por eras.” Espero que tenha entendido sobre o paralelismo. Caso queira saber mais, existem inúmeros artigos na internet tratando sobre o assunto. Agora vamos ver como aplicamos o paralelismo na coordenação assindética. Coordenação assindética por paralelismo sintático simples Essa aqui também pode ser chamada de coordenação anafórica , visto que a anáfora é a técnica utilizada aqui bem comumente. Veja: Eu quero me esquecer de quem eu sou, quero me lembrar de quem eu fui. Retirei uma parte do outro exemplo, dessa vez, com apenas 1 oração principal e outra coordenada, sendo as outras subordinadas. Essa não é uma assindética prototípica, mas é possível ser feita por possuírem as mesmas palavras iniciando as orações, com uma pequena elipse anafórica (em que suprime palavra repetida) do sujeito, e ainda com termos seguintes com funções sintáticas e morfológicas iguais ou semelhantes. O paralelismo sintático entre as duas orações acaba por permitir que 2 frases sejam ditas em uma única frase, aproveitando-se dos mesmos termos que uma frase compartilha com a outra. Perceba também a simetria das palavras que compõem cada oração. Eu repeti o verbo “quero”, mas também pode ser elipsada, assim como a conjunção que foi. “Eu quero me esquecer de quem eu sou, me lembrar de quem eu fui.” Subentende-se que há o mesmo verbo elipsado ali. Isso também é uma técnica de elipse bem utilizada em orações coordenadas sindéticas, mas é necessário que na assindética as duas frases formadas sejam semelhantes, de preferência uma anáfora, repetindo exatamente o mesmo início e mudando um pouco o final. É possível fazer elipse até o ponto em que se mantenha somente 1 palavra igual no começo da oração coordenada em relação à oração principal. Vamos ver outros exemplos. Eu me preparei para o que estaria por vir, me preparei para a minha morte. Quando acordei, eu estava bem, estava sóbrio. Lembram do que falei sobre os adjuntos adverbiais traidores? Aqui podemos quebrar essa regra relacionando-o a duas orações de forma legítima. Podemos escrever assim também: “Estava sóbrio, quando acordei, estava bem.” Isso pode ser feito quando a ligação entre as duas orações com o adjunto adverbial é verdadeira. Ele tanto estava sóbrio como também estava bem quando acordou. É preferível que a coordenação assindética de duas orações com um adjunto adverbial seja feito com o adjunto iniciando a frase, ocorrendo uma coordenação aditiva com elipse da conjunção em seguida da primeira oração, ou seja, uma assindética prototípica. Assim fica bem fluída. Na forma como coloquei acima, a frase fica melhor pontuada com ponto e vírgula: “Estava sóbrio, quando acordei; estava bem.” Em se tratando de utilizar o mesmo verbo nas duas orações, zeugma é uma técnica bem empregada no paralelismo sintático também. Ele gostava de macarrão; ela, de salada. Dessa forma ainda ficam paralelos pela zeugma. Vamos ver agora sobre o paralelismo semântico. Coordenação assindética por paralelismo semântico O paralelismo semântico visa alinhar as ideias apresentadas pelas palavras coordenadas na frase. Algo que podemos fazer com isso é ampliar a análise da semântica para uma oração toda. Vamos ver um exemplo: Eu esqueci o que ia dizer; me sumiram todas as palavras. Eu esqueci o que ia dizer; disfarcei com outro assunto. No primeiro exemplo temos uma equivalência de significado entre as duas orações da frase, ambas relativas ao esquecimento. Já no segundo temos uma ação sequencial, não tendo um paralelismo semântico. O paralelismo semântico em coordenação assindética pode ocorrer quando a oração coordenada possui o mesmo significado, ou bem semelhante, da oração principal, não necessitando que possuam os mesmos termos. Pode ser também uma explicação do que a oração principal significa. “Eu não estava sozinha; os lobos me acompanhavam.” “A paisagem era bonita; havia flores por todo lado.” “Ele se esquivou do meu ataque; desperdicei uma chance.” É uma estrutura semelhante ao de um aposto de oração, sendo utilizada a técnica de paráfrase. Como não há paralelismo morfossintático, no paralelismo somente semântico acabamos por delimitar as duas orações com o ponto e vírgula (;) mesmo, ou seja, a relação entre as duas frases é compreensível sem a conjunção, mas não é possível a união fonética; falta palavras com o mesmo som pra isso. Saindo dos paralelismos simples, outra forma de assindética é o espelhamento adversativo. Coordenação assindética por espelhamento adversativo Você não é uma pessoa má, é uma pessoa boa.” Eu até diria que este seria o sexto tipo de oração correlata, sendo adversativa, mas, como não achei ninguém falando sobre isso, vou me abster de definir qualquer coisa, até porque para ser correlata, essas orações deveriam ser inseparáveis sem uma pequena edição, e não é verdade nesse caso. Você não é uma pessoa má. (Você) É uma pessoa boa. Viu, podem se separar, mas unidas formam um único sentido, inclusive se aproximando do conceito de antítese. Então, vou pegar o conceito das orações correlatas e dizer que esta construção de assindética possui um par correlato “não (verbo)… (verbo)”, sendo (verbo) iguais. Eu não corri devagar, corri depressa. Ele não entregou ontem, entregou hoje. As orações podem ser invertidas, sem problemas: Eu corri depressa, não corri devagar. Ele entregou hoje, não entregou ontem. Na forma de zeugma, não precisamos do ponto e vírgula nesse caso: Eu corri depressa, não devagar. Ele entregou hoje, não ontem. Quando a oração negativa estiver iniciando a frase, não é possível aplicar zeugma: Eu não corri devagar, depressa. Ele não entregou ontem, hoje. Assim só vai ter outro significado a frase, e não é o que esperamos que aconteça. O espelhamento adversativo pode ser feito quando os verbos são antônimos também. Ele não caiu do penhasco, voou para os céus. Eu não esqueço seu aniversário, lembro todo dia. O espelhamento adversativo é na verdade um tipo especial de coordenação assindética por paralelismo sintático. Também existe outro tipo especial que é o espelhamento sintático. Coordenação assindética por espelhamento sintático Esse pode ser chamado também de coordenação assindética por paralelismo sintático perfeito. (O espelhamento adversativo é semi-perfeito por causa do advérbio “não”, e também porque permite uma complementação verbal diferente.) Vejamos: Eu jogava bola na rua, ela lia livros em casa. É possível a assindética nesse caso por possuírem, as duas orações, os mesmos termos de oração com a mesma ordem, apenas com palavras diferentes, mas também morfologicamente equivalentes. Também se nota um paralelismo temporal, em que as duas ações ocorrem ao mesmo tempo. Outra técnica que vou relatar aqui é sobre a assindética por assonância. Coordenação assindética por assonância As orações coordenadas assindéticas, na verdade, levam muito em consideração a sonoridade da frase para que possa funcionar, ou com a vírgula, ou com o ponto e vírgula. Levando isso em consideração, podemos formar frases de 2 orações apenas, não sendo paralelas e nem espelhadas (talvez um pouco de espelhamento), caso utilizemos a assonância, em que ocorre uma repetição do final da palavra. “Beb ia o pássaro feliz, da p ia saltava no ar.” Isso é uma das técnicas estilísticas, a assonância mesmo, que permite pela sonoridade a coordenação entre as duas orações sem o uso de conectivo. As coordenações assindéticas por paralelismo sintático se aproveitam dessa mecânica também para manter a fluidez da leitura. No entanto, a estilística só permite o assíndeto pela forma poética da assonância. Sim, a coordenação assindética por assonância é coisa de poeta . É permitido utilizar como forma de prosa poética, mas não abuse, por favor. Vamos ver outros exemplos. “Navegarei pelos 7 mares, conquistarei os 5 continentes.” “Chegará muito tarde, perderá a sessão.” “Sentava no banco, olhava as pessoas.” “Tinha a Ana 7 namorados, vinha cada um em um dia da semana.” O paralelismo sintático é relevante aqui também, observando a configuração morfológica do verbo, como nos exemplos acima. A assonância é muito utilizada também no marketing, em anúncios, utilizando frases simples, muitas vezes só com o verbo. “Pague 2, leve 3” “Comprou, levou” Vamos falar por último de uma técnica muito utilizada também que já demonstrei anteriormente, mas não disse o nome. Coordenação assindética por elipse de conectivo Kamo! Kamo! É nessa aqui que posso elipsar qualquer conectivo pra fazer assindética? NÃO! De jeito nenhum! Existem "alguns" que funcionam. Vamos ver alguns exemplos: Pudesse eu elipsar qualquer conectivo, estaria feliz. Falei que podia elipsar, tu já veio afobado querendo elipsar tudo. As assindéticas acima, feitas na primeira oração, só é possível pela anteposição. A primeira é uma subordinação adverbial condicional na verdade, ou seja, justaposição, mas vale a pena citar aqui. Foi feito uma elipse da partícula "se", que seria o conectivo dessa oração "Pudesse eu elipsar qualquer conectivo". Uma oração desenvolvida seria "Se eu pudesse elipsar qualquer conectivo". Perceba que o verbo foi anteposto à frente do sujeito na oração com o conectivo elipsado. Já no segundo temos uma ambiguidade válida pelo uso comum linguístico. A primeira oração pode tanto ser uma oração coordenada explicativa com a conjunção "porque" elipsado ou uma oração subordinada adverbial temporal com a conjunção "quando" elipsado. A condição acima se torna válida porque é simplesmente as duas coisas. A oração "Falei que podia elipsar", é tanto a explicação quanto o indicador de tempo de quando a ação da oração "tu já veio afobado querendo elipsar tudo" foi executada. Dá pra elipsar, portanto, para justamente causar essa ambiguidade de propósito . É uma coordenação "temporal-explicativo". (Novamente estou inventando termo aqui, mas é muito comum a utilização dessa construção) É bem fácil fazer isso com frases explicativas em que a ação explicativa acontece no tempo razoávelmente próximo ao da oração principal. (Porque/Quando/Depois que) Empanturrou-se no almoço, ele foi já dormir como uma pedra. (Porque/Quando/Depois que) Disse que podia esperar, Kamo atrasou o quanto pôde. (Porque/Quando/Depois que) Falei que ia parar de comer, meu irmão perguntou "Quer hambúrguer?". Os verbos sempre iniciam a oração assindética temporal-explicativa. As orações coordenadas assindéticas é um campo da gramática muito pouco tipificado, mas que são aplicadas as formas utilizadas no dia a dia. Por isso, é possível encontrar mais formas de escrever tais orações de forma correta que eu ainda não tenha estudado. Os que relacionei aqui foram: prototípica (polissíndeto), paralelismo sintático (anáfora), paralelismo semântico, espelhamento adversativo, espelhamento sintático, assonância e elipse. E eu vou ficando por aqui. Agradeço muito por ter lido, e, por favor, comente caso você tenha achado outras formas de assindética que podemos utilizar.

  • Como Solo Leveling Mudou Os Protagonistas

    ANTES DE SOLO LEVELING… Você se recorda que, até pouco tempo, a maioria dos protagonistas de shonen sorriam praticamente o tempo inteiro? Goku, Luffy, Seiya, Gon, Yusuke, Naruto… Eles estavam sempre lá: mostrando todos os dentes, comendo quantidades absurdas de comida, sendo gentis com as pessoas ao seu redor, mantendo uma visão otimista das coisas e colocando a vida de seus amigos acima da própria. Mas o que mudou de uns tempos para cá? E por que já não vemos esse tipo de protagonista com tanta frequência quanto antigamente? Bem, na verdade não é que não vemos, mas grande parte desses personagens seguiam convenções que ressoavam com a época em que eles foram escritos. Isso significa que, décadas atrás, em meados dos anos 80, 90 e 2000 — no auge de mangás como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball, One Piece, Yu Yu Hakusho, Hunter x Hunter e Naruto —, havia essa sensação de que o futuro traria algo melhor, então personagens como Goku e companhia ecoavam o mesmo tipo de otimismo das pessoas, com sua esperança num amanhã melhor e mais fé na humanidade. Todavia, parece que esse futuro chegou e, afinal, ele é bem diferente do que se imaginava. NOS TEMPOS DE HOJE… Atualmente, a sensação é a de que vivemos num tempo de desesperança: falta dinheiro para a maioria das pessoas comprarem uma boa moradia, um carro próprio ou pagar um plano de saúde digno; trabalhando em empregos que sugam toda a sua vitalidade enquanto ela é cobrada a produzir cada vez mais e mais por aquele chefe sacana que paga uma merreca de salário. Nos dias de hoje, as pessoas estão esgotadas física e mentalmente, e esse zeitgeist (o espírito dos tempos atuais) também se reflete no tipo de história que um leitor está disposto a ler. Se antes o sorriso e a gentileza de um protagonista demonstrava uma esperança inconsciente (e até ingênua) num futuro melhor, a frieza e a individualidade mostram o estado de espírito que consome a vontade das pessoas no presente. VAMOS POR PARTES Solo Leveling não é bem a primeira história em que encontramos um protagonista sombrio. Podemos citar exemplos como Death Note , Code Geass , Berserk , Classroom of the Elite , Attack on Titan , Tokyo Ghoul , etc., então o que torna Sung Jin-woo tão diferente dos persoangens principais dessas obras? Para começar, o arquétipo do underdog é um dos mais interessantes de se acompanhar numa história cujo tema principal seja a evolução do protagonista. Esse tipo de personagem, basicamente, é aquele que parece fraco e subestimado por todos, porém, no final das contas, mostra-se como alguém bastante poderoso. No caso do protagonista de Solo Leveling, tínhamos alguém descrito como o Caçador mais fraco daquele mundo, sendo obrigado a lutar e arriscar sua vida todos os dias nas caçadas para sustentar sua família e pagar as despesas de sua mãe doente. Desse modo, Sung Jin-woo é colocado como alguém desiludido com a própria vida — ganha uma merreca num trabalho de merda em que precisa arriscar seu pescoço diariamente, assim como a maioria de nós fazemos todos os dias. É desse modo que desenvolvemos simpatia pelo protagonista de Solo Leveling e ele se aproxima de seus leitores. Após um evento traumático, Sung Jin-woo consegue o poder de evoluir de nível através de um Sistema que quantifica essa evolução, como se sua vida tivesse se transformado num jogo; gamificando a sua ascensão como o Caçador mais fraco para o mais poderoso daquele universo, porém, em consequência disso, ele também muda de personalidade. De início, isso se desenrola de maneira bastante interessante. É satisfatório acompanhar um sujeito impotente perante a sociedade — alguém que é “só mais um na multidão” — ascender de forma tão absurda que consegue passar por cima de todas as regras, de todas as leis e causar terror através de um simples olhar ou de uma simples palavra como “Ergam-se”. Quem não queria ser como o Sung Jin-woo, não é mesmo? Ou até mesmo criar um protagonista como ele, mas será que é mesmo tão fácil escrever um personagem assim? AS IMPLICAÇÕES DE UMA OBRA DE ASCENSÃO (OU CULTIVO, SE PREFERIR) Como dito anteriormente, Solo Leveling nos ofereceu mais uma história com protagonista sombrio, mas o fato de se tornar o mais poderoso do mundo; de fazer tudo o que quiser sem derramar uma gota de suor, dando ordens para seu exército de sombras e derrotando seus inimigos sem sequer tirar as mãos dos bolsos, transformou Sung Jin-woo num conceito diferente de personagem cujo termo eu mesmo cunhei: o protagonista “Edgy Chad ”. Dentro da internet, Chad é uma gíria usada para designar um homem confiante, atraente e atlético, geralmente associado ao estereótipo do "Macho Alfa", enquanto “Edgy” se refere a alguém que passa uma vibe sombria. Logo, a junção desses dois termos significaria um personagem misterioso, com força sobre-humana e uma confiança que cria uma figura esteticamente atraente, capaz de cativar leitores em busca de histórias de poder e superação para suportar a própria realidade massacrante do dia a dia. Mas até que ponto esse tipo de protagonista consegue deixar uma história interessante? Será que não chega um momento em que toda essa aura de invencibilidade — diferentemente dos protagonistas dos shonens mais comuns — não compromete a qualidade da narrativa a longo prazo? A resposta é sim e não. Um dos principais desafios de se trabalhar com um protagonista excessivamente poderoso e que demonstra poucas emoções é o distanciamento que ele cria com o leitor, principalmente se estivermos falando de empatia. Sim, no início é bastante emocionante acompanhar toda a evolução da força do protagonista, mas a falta de vulnerabilidade e a aparente indiferença do personagem podem trocar a sensação de novidade pela previsibilidade. À medida que a história avança e o protagonista acumula cada vez mais poder, essa tendência se intensifica, transformando um personagem que antes demonstrava suas emoções numa figura monossilábica e blasé, e que está presa a essa estagnação emocional de propósito, pois qualquer intensidade comprometeria a pose de “fodão” que foi construída pelo autor. Pense: se o protagonista é capaz de superar qualquer desafio com facilidade, os conflitos perdem o impacto na história e a sensação de perigo diminui. A ausência de momentos de fraqueza ou de dúvida podem tornar o personagem unidimensional e, consequentemente, tornar a história menos envolvente. O DILEMA DO AUTOR Dessa forma, outro aspecto importante a ser considerado quando um escritor deseja criar um protagonista frio e calculista como Sung Jin-woo é a pressão que ele sente em manter essa aura de invencibilidade sobre o personagem. A tentativa de preservar essa pose de superioridade pode obrigar o autor a criar soluções pouco criativas para os desafios que serão apresentados ao longo do enredo. Do mesmo modo, a necessidade de se criar vilões cada vez mais poderosos e situações igualmente extremas pode inutilizar o Power Scaling da história, comprometendo a coerência da narrativa. Além do mais, a dificuldade de criar conflitos que realmente ameacem o protagonista leva à estagnação do enredo, pois, se ele sempre vence com facilidade, todos os inimigos viram “buchas”, resultando numa anulação da sensação de progresso, tanto narrativo quanto de personagem. AS CONSEQUÊNCIAS NARRATIVAS Falando de modo pessoal, lembro-me que, encantado pela leitura de Solo Leveling, comecei a escrever uma novel em que o meu protagonista possuía o mesmo comportamento “edgy”, frio e calculista do Sung Jin-woo. Contudo, com o avançar da trama, notei que estava cada vez mais difícil de desenvolver desafios interessantes sem ferir aquela aura de fodão que eu havia desenvolvido para o personagem. Naquele momento, percebi que eu não sabia mais para onde levaria a história sem deixar as coisas fáceis demais para um protagonista tão poderoso, tampouco que conflitos internos eu poderia explorar, já que ele estava todo frio e sem emoções. A BUSCA POR EQUILÍBRIO É FUNDAMENTAL Assim sendo, meu conselho para os autores de protagonistas sombrios e poderosos é que deem atenção especial aos detalhes da transformação pela qual o personagem está passando, principalmente em relação à sua força e a necessidade de, ainda assim, dar peso aos conflitos da trama. É perfeitamente possível criar personagens fortes sem sacrificar a profundidade psicológica e a capacidade de se conectar com o leitor, mas isso demandará muito mais trabalho. Algumas estratégias que eu sugeriria para evitar alguns dos problemas que enfrentei na minha novel e que está associada ao arquétipo desse tipo personagem seriam: Desenvolvimento gradual: Em vez de apresentar o protagonista como um ser supremo em poucos capítulos, é melhor mostrar a sua evolução ao longo de vários, cadenciando os acontecimentos e dando maior longevidade para a história. A revelação gradual das habilidades e da personalidade do personagem mantém a narrativa interessante por mais tempo. Vulnerabilidade: É fundamental mostrar que o protagonista também possui suas fraquezas. Esse é um fato que, por exemplo, transforma o Batman num personagem muito mais interessante que o Superman para a maioria das pessoas. Momentos de dúvida, medo e sofrimento facilitam a conexão com o leitor, pois mostra que o protagonista ainda é humano. Poder da amizade: Tudo bem, essa é uma velha piada entre leitores de mangás, mas a construção de relacionamentos com outros personagens realmente humaniza o protagonista e adiciona camadas de complexidade à sua personalidade. Algo que senti falta em Solo Leveling foi a pouca conexão que o Sung Jin-woo criava com seus amigos e aliados (apesar de eu estar consciente de que o título da história, literalmente, significava “Evoluindo Sozinho”). De qualquer modo, bons aliados sempre deixarão a jornada do protagonista mais divertida. Desafios reais: Crie conflitos que realmente ameacem o protagonista e que o force a se superar, mas não resolva tudo somente base da força. Inventar maneiras de o personagem se superar com estratégia e inteligência sempre será interessante de acompanhar. A superação de grandes obstáculos gera um senso de realização tanto para o personagem quanto para o leitor. Você também pode acrescentar problemas impossíveis de o protagonista resolver na base da força, como um familiar enfrentando uma doença incurável. Isso o obrigará a agir diferente. Conclusão A personalidade dos protagonistas em mangás e animes reflete as transformações sociais e culturais em que vivemos, dessa forma, a figura do Fodão Sombrio , presente em obras como Solo Leveling, parece responder a um anseio pelo poder e pela liberdade que ele nos traz dentro de um mundo cada vez mais exigente e caótico. No entanto, a criação impensada desse tipo de personagem pode levar autores a escrever narrativas previsíveis e protagonistas unidimensionais se não trabalharem com cuidado. A chave para um bom protagonista do tipo está no equilíbrio: é preciso encontrar um ponto de harmonia entre a força do personagem e a sua vulnerabilidade; entre a grandiosidade de suas ações e a profundidade de suas emoções. Um protagonista cujo único traço se resume ao quanto ele é “foda” pode ser atraente de se escrever no início, mas acompanhar a sua evolução sem perder o que o tornava interessante lá no início da história é muito mais recompensador para quem lê. Além disso, a identificação com um personagem pode ir muito além da sua mera força física: a capacidade de ele superar obstáculos, de crescer como pessoa e de construir relacionamentos significativos com seus amigos e aliados é o que verdadeiramente o torna memorável. Em um mundo cada vez mais rápido e ansioso, a busca por histórias que nos permitam escapar da realidade e nos transportar para outros mundos se tornará cada vez mais requisitada. No fim do dia, tudo o que os leitores querem (e até mesmo nós, autores) é se parecer um pouco mais o Sung Jin-woo para derrotar os vilões do cotidiano com as mãos dentro dos bolsos.

  • Localização Importa: O Brasil Como Você Nunca Escreveu

    Vamos bater um papo sério sobre um tema que anda me incomodando: a superficialidade na escolha de cenários, culturas e etnias em histórias ambientadas no nosso mundo real. Tenho visto uma enxurrada de obras brasileiras que simplesmente pegam elementos de culturas asiáticas sem o menor critério ou conhecimento profundo. É como se assistir a meia dúzia de animes ou doramas fosse o suficiente para entender séculos de história e tradição. E o pior: enquanto isso, o Brasil, com sua riqueza cultural imensa, é deixado de lado. Vamos destrinchar isso. A questão aqui não é que um autor brasileiro não possa escrever uma história ambientada na China, na Coreia ou no Japão. Claro que pode! A literatura é, antes de tudo, um exercício de imaginação e criatividade. Mas quando essa escolha se baseia apenas em um fascínio superficial por estética, culinária e mitologia, o resultado geralmente é um cenário de papelão — aquele tipo de ambientação que até tem nomes e cenários estrangeiros, mas carece de substância e autenticidade. A cultura vira um acessório estilístico, e os personagens, meros ocidentais com nomes asiáticos gerados no Google Tradutor. O que me deixa mais perplexo é como esse fenômeno se tornou comum. Com a popularização das webnovels chinesas e coreanas, dos animes, mangás e k-dramas, muitos escritores brasileiros estão absorvendo esses conteúdos sem um olhar crítico, tratando esses países como se fossem cenários padrão para qualquer tipo de história, independentemente do enredo. O problema não é gostar dessas produções — eu também gosto de muita coisa! O problema é transformar essa admiração em apropriação rasa, sem questionar se realmente faz sentido para a narrativa. O Brasil, por outro lado, acaba sendo negligenciado. Mesmo com um território imenso, uma história rica e uma diversidade cultural gigantesca, muitos autores nacionais ainda hesitam em ambientar suas histórias aqui. Por quê? Será que é falta de interesse? Falta de pesquisa? Ou será que é o velho complexo de vira-lata, aquela sensação de que um enredo só é interessante se se passar no exterior? E olha que nem estou falando de histórias que exigem um setting estrangeiro por questões narrativas. Estou falando de histórias que poderiam funcionar perfeitamente bem em um contexto brasileiro, mas que, por algum motivo, insistem em se passar em Seul ou Tóquio, com personagens que comem kimchi ou andam de yukata sem nenhuma razão além do fetiche estético. Se a gente parar para pensar, essa tendência não se limita às webnovels e light novels. O próprio mercado literário brasileiro, em parte, reforça essa mentalidade. Muitas editoras e leitores valorizam mais o que vem de fora, enquanto autores nacionais lutam para conseguir reconhecimento. O curioso é que, enquanto muitos brasileiros querem escrever histórias "orientais", os próprios escritores chineses e coreanos estão explorando suas próprias raízes, tornando suas narrativas autênticas e cativantes para um público global. Estamos indo na contramão. Portanto, este artigo não é um manifesto contra histórias ambientadas fora do Brasil. É um convite à reflexão. Vamos analisar por que tantos autores nacionais escolhem cenários estrangeiros sem critério, quais são as consequências dessa escolha e como podemos resgatar o valor da autenticidade na ficção. Bora aprofundar essa conversa? 1. A Ilusão da Familiaridade e a Escolha Irresponsável de Cenários 1.1. A globalização da mídia e a falsa sensação de conhecimento A internet e o streaming mudaram drasticamente a forma como consumimos cultura. Antes, para ter contato com obras japonesas, chinesas ou coreanas, era preciso garimpar VHSs, recorrer a fãs que legendavam manualmente ou esperar que uma editora trouxesse algo para cá. Hoje, qualquer um pode assistir a um dorama coreano na Netflix, ler uma webnovel chinesa no celular ou mergulhar em uma enxurrada de animes e mangás sem sair do sofá. Essa acessibilidade é incrível, mas trouxe um efeito colateral: a ilusão da familiaridade. Consumir uma obra estrangeira não significa compreender a cultura que a originou. A experiência que temos com um anime, por exemplo, é filtrada pelo viés narrativo daquela produção e pelas nossas próprias referências culturais. Quando um brasileiro assiste a Demon Slayer  e vê personagens falando sobre honra e dever, ele pode associar esses conceitos a sua própria visão de moralidade, sem necessariamente entender o significado específico dessas palavras no contexto japonês. O antropólogo Edward T. Hall (1976), em seu estudo sobre comunicação intercultural, propôs a ideia de high-context cultures  (culturas de alto contexto) e low-context cultures  (culturas de baixo contexto). Sociedades asiáticas, como Japão e China, tendem a ser de alto contexto, ou seja, muita informação cultural está implícita e não dita diretamente. Já sociedades ocidentais, como as do Brasil e dos EUA, são de baixo contexto, o que significa que tendemos a explicitar informações. Essa diferença afeta não só a comunicação do dia a dia, mas também a forma como histórias são contadas. Ou seja, mesmo que uma webnovel chinesa pareça fácil de entender, há nuances culturais que podem passar despercebidas para um leitor ocidental. 1.2. Consumir cultura não é o mesmo que entendê-la Um dos erros mais comuns que escritores cometem é confundir exposição constante com conhecimento profundo. Se alguém assiste a dezenas de dramas coreanos e começa a reconhecer padrões — como o respeito hierárquico, a importância da comida nas interações sociais e a estrutura familiar rígida —, isso não significa que essa pessoa compreendeu verdadeiramente a sociedade coreana. O que ela tem é uma coleção de referências superficiais, muitas vezes romantizadas pelas próprias produções de entretenimento. O professor Stuart Hall, um dos maiores teóricos dos Estudos Culturais, argumenta que a cultura não pode ser reduzida a um conjunto de símbolos e costumes facilmente replicáveis. A cultura é um processo vivo, cheio de disputas de significado, influenciado por contexto histórico, político e social. Ou seja, pegar elementos isolados e inseri-los numa história sem um entendimento real de seu significado pode resultar em um cenário artificial, que não passa de uma colagem de estereótipos. 1.3. Escolhas baseadas em Preferência Pessoal VS Critério Narrativo E aqui chegamos a um ponto crucial: por que tantos escritores brasileiros escolhem cenários estrangeiros para suas histórias? Se formos analisar as justificativas mais comuns, elas geralmente giram em torno de gosto pessoal. "Gosto da arquitetura chinesa", "Acho bonito os templos japoneses", "A culinária coreana me atrai". Essas preferências são válidas, mas não são suficientes para justificar uma ambientação. Pense no impacto que o cenário tem em uma história. Um conto de fantasia ambientado em um vilarejo medieval europeu carrega consigo toda uma estrutura social que molda os personagens: a relação com a nobreza, o papel da religião, a economia agrária. Da mesma forma, uma história ambientada na China imperial deve refletir os sistemas de governo, as relações de classe e as crenças espirituais daquela época. Se a escolha do cenário não influencia o enredo e os personagens, então ele foi escolhido apenas por estética, e isso compromete a credibilidade da história. O problema é que, muitas vezes, essa escolha se dá sem qualquer esforço real de pesquisa. Já vi histórias brasileiras ambientadas na China onde os personagens tinham nomes inventados, que não faziam sentido linguístico. Outros escritores colocam personagens coreanos em situações que jamais aconteceriam na Coreia real, simplesmente porque viram algo parecido em um k-drama e assumiram que era universal. Esse tipo de erro não só empobrece a narrativa, mas também reforça uma visão distorcida dessas culturas. Se a ambientação não faz diferença para o desenvolvimento da história, então por que não escrever algo enraizado na própria cultura do autor? O Brasil tem cidades com arquiteturas impressionantes, lendas tão ricas quanto as mitologias orientais e costumes que poderiam render histórias fantásticas. O problema não é a falta de material, mas sim a falta de reconhecimento do próprio potencial criativo nacional. E isso nos leva a uma questão maior: como podemos incentivar escolhas mais autênticas na escrita? É isso que vamos explorar nas próximas seções. 2. A Construção do Espaço Narrativo: Muito Além do "Gosto Pessoal" A ambientação de uma história é tão fundamental quanto seus personagens e enredo. Um local bem escolhido pode amplificar conflitos, aprofundar personagens e dar autenticidade à narrativa. No entanto, muitos escritores tratam o espaço narrativo como um detalhe secundário, optando por cenários sem critério ou apego real ao que a história precisa. Vamos abordar o que realmente importa na escolha do local e como usá-lo a favor da trama. 2.1. Critérios para escolher um local relevante para sua história Muitos escritores iniciantes escolhem um local apenas por "achar bonito" ou porque consomem mídia desse país. Mas o espaço narrativo precisa ser mais do que um cartão-postal. Ele deve ser um organismo vivo que interage com os personagens, influencia suas decisões e molda a trama. O local como um organismo vivo que afeta o enredo, e não um simples pano de fundo Um cenário bem utilizado afeta diretamente os personagens. Pense em Cidade de Deus  (Paulo Lins), onde a favela não é apenas o fundo da história, mas um elemento que influencia as escolhas, oportunidades e dificuldades dos protagonistas. Um mesmo personagem não teria a mesma trajetória se estivesse em um bairro nobre do Rio de Janeiro ou no interior do Maranhão. A relação entre personagens e seu ambiente: evitar deslocamento gratuito Um erro comum é criar personagens deslocados sem motivo plausível. Por que sua protagonista brasileira nascida e criada no interior de Minas Gerais estudaria em um colégio japonês tradicional sem ter ascendência japonesa ou razão narrativa forte para isso? Autores muitas vezes jogam seus personagens em contextos sem pensar nas adaptações e no realismo necessário. Quando faz sentido usar um local estrangeiro e quando é só fetichização cultural Há histórias que precisam de um local específico. Se você está escrevendo sobre o Período Edo no Japão ou a Revolução Francesa, o espaço não é opcional, é histórico. Mas se seu romance contemporâneo não depende de um local estrangeiro, por que não ambientá-lo no Brasil? Muitos autores usam Tóquio, Seul ou Pequim apenas porque viram em séries e animes, mas sem qualquer razão para a história se passar lá. Se você precisa de um cenário genérico em que não vai se empenhar muito nisso, faça a história acontecer num Brasil genérico de forma totalmente implícita, e tá tudo bem. 2.2. Como o local pode elevar a narrativa e o desenvolvimento de personagens O ambiente de uma história não serve apenas para "ambientar", mas para criar camadas narrativas. O local pode ser um catalisador para decisões, desafios e crescimento dos personagens. Espaços que influenciam psicologicamente os personagens Não é a mesma coisa crescer em um bairro violento e crescer em uma região de classe alta. Além da segurança, os códigos sociais, aspirações e dificuldades diárias mudam completamente. Em O Cortiço  (Aluísio Azevedo), a estrutura física do cortiço influencia diretamente as relações humanas e a degradação moral dos personagens. Pense em como sua narrativa pode se beneficiar desse tipo de construção. Cidades e países como entidades narrativas Há locais que têm história, política e geografia tão marcantes que se tornam parte ativa da trama. Gotham City, em Batman , é um exemplo: a corrupção, a violência e a desigualdade fazem da cidade quase um personagem. No mundo real, uma história ambientada no Rio de Janeiro pode usar desde favelas até Copacabana para contrastar desigualdades e criar tensão social na narrativa. Quando um local específico cria oportunidades narrativas únicas que outro não criaria Algumas histórias exigem espaços específicos para funcionarem. Uma trama sobre garimpo ilegal, por exemplo, precisa do contexto amazônico ou de outra região mineradora para ser autêntica. Um romance policial que explora a dinâmica entre a milícia e o tráfico faz mais sentido em uma cidade como o Rio de Janeiro do que em Florianópolis. O espaço precisa servir à história e não ser apenas uma escolha aleatória. Com isso, vemos que a escolha do espaço narrativo não pode ser feita no achismo. Ela tem que ter peso, coerência e relevância dentro da trama. A seguir, vamos explorar erros comuns e como evitá-los ao construir histórias mais autênticas e envolventes. 3. O Efeito "Cultura de Segunda Mão" e os Erros na Representação Cultural A globalização fez com que diversas culturas fossem amplamente difundidas, mas também gerou um problema sério: a cultura de segunda mão. Ou seja, quando um autor não vivenciou uma cultura nem a estudou a fundo, mas se sente familiarizado apenas porque consumiu muitas obras de ficção sobre ela. Esse fenômeno gera representações superficiais, cheias de clichês e distorções. Vamos dissecar alguns erros comuns. 3.1. O problema da apropriação sem compreensão Um dos erros mais frequentes em histórias brasileiras ambientadas em países asiáticos é o uso de elementos culturais apenas pelo seu apelo visual ou exótico, sem entender o significado por trás deles. Símbolos e estereótipos vazios Muitos escritores utilizam símbolos asiáticos sem saber seu real significado. Por exemplo, o uso de katanas em histórias que não fazem sentido dentro do contexto histórico ou social. Ou a romantização de samurais sem compreender os valores do bushidō . Elementos culturais como decoração Kimchi, cerimônias do chá, templos budistas, yukatas... Esses elementos são frequentemente jogados nas narrativas apenas para criar uma "atmosfera asiática", mas sem função real na trama. O problema não é usá-los, mas sim usá-los sem propósito. 3.2. Erros clássicos na escolha de nomes, costumes e tradições Nomes e tradições são aspectos fundamentais de qualquer cultura, mas frequentemente são tratados de forma descuidada. O problema do Google Tradutor Seus personagens japoneses têm nomes como "Tatsuya Kaze" (onde "Kaze" significa "vento" porque o protagonista controla o vento)? Isso não faz sentido na lógica japonesa de nomeação. Muitos escritores pegam palavras soltas em tradutores automáticos sem pesquisar se são usadas como nomes reais. Por que no Brasil daríamos o nome de "Vento" a alguém? Não faz sentido nem na nossa língua! Já vi  “Kuro” e “Shiro” também. Por que o nome da pessoa é uma cor?! Que absurdo! Falta de pesquisa sobre costumes Templos genéricos, samurais vivendo em períodos históricos errados, festivais mal representados... Pequenos deslizes tornam a história artificial. Se você vai usar um elemento cultural, pesquise fontes confiáveis. 3.3. "Localização aleatória": quando tudo parece copiado de outra obra O problema de muitos autores iniciantes é que suas histórias não parecem homenagens a uma cultura, mas sim cópias mal disfarçadas de outras obras. Histórias brasileiras com cenários coreanos/japoneses/chineses sem justificativa É comum ver tramas ambientadas na Coreia do Sul onde os personagens só comem kimchi  e falam sobre K-pop, sem nenhuma profundidade cultural. Isso reduz uma cultura riquíssima a um punhado de referências óbvias. Fazer os personagens falarem “oppa” ou “onii-chan” em meio a textos em português não torna aquela história com tom asiático; só é caricato mesmo. Distorção causada pelo consumo de mídia Animes, K-dramas e novels de cultivo criaram uma visão idealizada e simplificada de culturas asiáticas. Muitos escritores replicam essa visão sem notar que estão distorcendo a realidade. Ausência de pesquisa e fontes autênticas Se você quer escrever sobre uma cultura que não é a sua, o mínimo é buscar fontes primárias: livros acadêmicos, entrevistas com nativos, material produzido por quem vive essa cultura. Na próxima seção, vamos discutir como o Brasil, apesar de sua riqueza cultural e diversidade, é subestimado como cenário literário. Veremos como explorá-lo de maneira autêntica pode trazer profundidade e originalidade às histórias. 4. O Brasil Como um Cenário Subestimado e Mal Aproveitado Parece que, quando o assunto é ficção, o Brasil só entra na história se for para retratar violência, miséria ou alguma visão estereotipada. Tem gente que acha que escrever uma história aqui tira o “charme” da narrativa, como se o país não tivesse complexidade suficiente pra segurar um enredo épico. E aí o que acontece? Todo mundo correndo pra ambientar suas histórias na Coreia do Sul, no Japão, nos Estados Unidos — países que conhecem só por dorama, anime e filme de ação. Enquanto isso, o Brasil continua sendo o grande esquecido da ficção nacional, tratado como pano de fundo só quando é pra mostrar violência ou exotismo barato. Agora me diz: se o Brasil não é interessante, por que tem tanto gringo fascinado por ele? Por que um gringo olha pra Amazônia, pro sertão ou até pras nossas cidades caóticas e vê um palco perfeito pra contar histórias? Enquanto isso, nós, que nascemos aqui, ficamos com receio de usar o próprio país como cenário. Essa seção é pra gente encarar essa realidade de frente e entender que o Brasil não só pode, mas deve  ser usado como ambiente de histórias memoráveis. 4.1. O erro de menosprezar nosso próprio país O Brasil é um país do tamanho de um continente. Você pode cruzar o mapa e encontrar de tudo: montanhas gigantes, cavernas misteriosas, rios que mais parecem oceanos, cidades que respiram história, florestas densas onde a civilização moderna nunca pisou. Mas se você perguntar pra um escritor brasileiro onde ele quer ambientar a história dele, a resposta geralmente é alguma cidade fictícia que parece Nova York ou um vilarejo medieval inspirado na Europa. Isso acontece porque crescemos bombardeados por narrativas que reduzem o Brasil a poucos estereótipos: favela violenta, floresta intocada ou cidade caótica. Raramente vemos histórias que exploram o que existe entre  esses extremos. O Brasil real, com sua mistura única de culturas, sotaques e histórias, continua esquecido. E isso é um erro que precisamos corrigir. Quer um exemplo? Quando a Netflix lançou Sense8 , usaram São Paulo de um jeito que parecia que a cidade inteira era um clipe da Parada LGBTQIA+. Beleza, representatividade é importante, mas São Paulo é muito mais do que isso. É uma metrópole com camadas culturais absurdas, histórias de imigração, crime organizado, arte de rua que rivaliza com Berlim. E quantos escritores brasileiros realmente exploram isso nas suas histórias? O estrangeiro olha pro Brasil e vê um universo de possibilidades. Nós olhamos e vemos só um “lugar qualquer”. Tá na hora de mudar essa visão. 4.2. Como criar histórias que fazem justiça ao Brasil sem cair em clichês O medo do clichê paralisa muita gente. “Ah, mas se eu escrever uma história no Brasil, vão achar que é novela da Globo.” Ok, mas se ambientar no Japão sem entender nada da cultura japonesa, sua história não vai parecer um anime genérico? O problema não é onde  você escreve, mas como  você escreve. Aqui vão algumas formas de fugir dos clichês e criar histórias que fazem justiça ao Brasil: Pare de limitar o Brasil a três cenários . Nosso país não é só favela, carnaval e Amazônia. Que tal uma ficção científica cyberpunk ambientada no Porto Digital de Recife? Um suspense político no Congresso Nacional? Um terror psicológico numa cidadezinha fantasma do interior de Minas Gerais? Pesquise de verdade . Se você quer falar de uma cultura brasileira que não é a sua, vá além da Wikipédia. Converse com quem vive aquilo, leia fontes primárias, entenda os detalhes. Se não fizer isso, sua história corre o risco de ser só um enfeite sem alma. Misture tradição e modernidade . O Brasil é um país onde uma cidade do interior pode ter uma festa religiosa centenária ao mesmo tempo que jovens estão jogando no servidor brasileiro de Valorant . Essa dualidade dá um tempero único às histórias. Aproveite a diversidade regional . A cultura brasileira é gigantesca. O que funciona numa história ambientada em Florianópolis não vai funcionar igual em Belém. O que faz sentido no Pantanal pode ser completamente diferente do que acontece no sertão nordestino. Se um autor estrangeiro se dá ao trabalho de diferenciar Londres de Manchester, por que um autor brasileiro não pode diferenciar Recife de Curitiba? Escrever sobre o Brasil não significa jogar um Curupira na história e chamar de “elemento nacional”. É sobre criar narrativas que tratam nossa cultura com respeito e autenticidade. 4.3. Oportunidades narrativas únicas no Brasil que são ignoradas Agora vamos ao que interessa: que tipo de história só poderia ser contada no Brasil , mas quase ninguém escreve? Eventos históricos que dariam roteiros de cinema A Revolta da Chibata tem um protagonista mais carismático que muito herói de ficção. O Cangaço daria uma série melhor que Peaky Blinders . A Confederação do Equador foi um Game of Thrones da vida real. Mas quem tá escrevendo sobre isso? Quase ninguém. Lendas urbanas e mitologias vivas O folclore brasileiro foi transformado em coisa de criança, mas as lendas urbanas modernas mostram que nosso imaginário ainda está muito vivo. O que diferencia a Loira do Banheiro  da Bloody Mary ? O Homem do Saco  de um serial killer europeu? Tem uma riqueza absurda aí, esperando pra ser explorada. E quanto às cosmologias indígenas, elas não são apenas “lendas antigas” – pra muitos povos, são parte da espiritualidade viva. O problema é que, quando aparecem na ficção, são tratadas como fantasia exótica e não como algo real. Quem se propõe a escrever sobre isso precisa entender que há um respeito necessário nessa abordagem. A mistura cultural brasileira como fonte de histórias épicas O Brasil é um dos poucos lugares do mundo onde crenças africanas, indígenas, europeias e asiáticas convivem e se misturam. O resultado disso? Um caldeirão de possibilidades narrativas. E não, não precisa transformar tudo em “misticismo exótico”. Você pode usar isso para criar narrativas mais autênticas, onde personagens carregam influências culturais diversas de forma natural. O que falta para mais escritores brasileiros enxergarem o Brasil como um palco de grandes histórias? Talvez seja só uma mudança de perspectiva. Se estrangeiros já perceberam que o Brasil é um território narrativo cheio de potencial, tá na hora da gente fazer o mesmo. 5. Como Pesquisar Profundamente para Criar um Cenário Autêntico Criar um cenário realista exige mais do que uma pesquisa superficial. Se o objetivo é ambientar sua história no mundo real, seja no Brasil ou fora dele, a profundidade da pesquisa pode ser o diferencial entre um universo convincente e uma ambientação rasa, cheia de informações duvidosas. Afinal, se o leitor sentir que o autor não domina o espaço que criou, a imersão se quebra na hora. Essa pesquisa envolve desde geografia e cultura até detalhes que parecem pequenos, mas fazem toda a diferença — como a distância real entre dois lugares e o tempo que se levaria para percorrê-los, a maneira como as pessoas falam em determinada região ou o impacto histórico de eventos locais. Vamos ver como aprofundar essa pesquisa e evitar erros que fazem até um leitor leigo torcer o nariz. 5.1. Métodos de pesquisa além da Wikipédia e do Google Tradutor Muitos escritores acham que pesquisar é abrir a Wikipédia, ler um ou dois artigos e seguir em frente. Só que isso gera aqueles erros clássicos de ambientação, como chamar feijoada de “prato típico do Brasil colonial” (quando, na verdade, como conhecemos hoje, ela é do século XIX) ou achar que o Japão feudal tinha ninjas pulando de telhado em telhado o tempo todo. Aqui estão alguns métodos que ajudam a ir além da pesquisa superficial: Entrevistas com nativos e especialistas Nada substitui conversar com alguém que vive ou estudou profundamente o local que você quer retratar. Se sua história se passa em uma cidade do interior do Pará, um paraense vai te dar informações que nenhum artigo online conseguiria. Especialistas, como historiadores e urbanistas, também podem oferecer insights valiosos. Leitura de literatura local para entender nuances culturais Se quer ambientar uma história no Recife, por que não ler autores recifenses para entender a cidade além dos cartões-postais? Livros locais capturam não só o espaço físico, mas também o jeito de falar, os conflitos sociais e o cotidiano de um jeito que uma pesquisa fria não consegue. Fontes acadêmicas e documentários como base sólida Documentários bem produzidos e artigos acadêmicos trazem uma profundidade histórica e cultural que raramente aparece na mídia popular. Se quer escrever sobre um tema mais denso, como quilombos contemporâneos ou a influência do cangaço na cultura nordestina, recorrer a esse tipo de fonte evita distorções. Viagens e imersão na cultura, quando possível Se tiver a chance de visitar o local onde sua história se passa, melhor ainda. Observar como as pessoas vivem, como interagem, os cheiros e sons das ruas… tudo isso gera uma riqueza de detalhes que faz toda a diferença. Mas mesmo que viajar não seja viável, hoje temos recursos como Google Street View, vídeos de turistas e relatos de moradores em redes sociais. 5.2. Construindo personagens que realmente pertencem ao espaço narrativo De nada adianta ter um cenário detalhado se os personagens parecem deslocados, como se tivessem sido teletransportados para lá sem nunca interagir com o ambiente. Para criar personagens que realmente pertencem ao espaço narrativo, é preciso considerar: A relação entre idioma, sotaque e personalidade Nem todo carioca fala “mano”, nem todo paulista fala “beleza”, e nem todo nordestino usa “oxente” o tempo todo. O jeito de falar muda conforme a região, a classe social e até o contexto da conversa. Pesquisar expressões e formas de comunicação locais evita diálogos artificiais e caricaturais. Como criar diálogos realistas sem cair em caricaturas O perigo de exagerar sotaques e gírias é criar personagens que parecem mais paródias do que gente de verdade. O ideal é equilibrar: um toque de regionalismo para dar autenticidade, sem tornar a leitura cansativa ou forçada. Adaptando conflitos e desafios à realidade do cenário escolhido O ambiente onde o personagem vive afeta diretamente seus dilemas e aspirações. Um jovem que cresce no sertão nordestino e sonha em estudar medicina em São Paulo vai ter desafios completamente diferentes de um garoto da zona sul do Rio de Janeiro que quer seguir carreira na música. A narrativa precisa refletir essas diferenças. 5.3. A importância da precisão na geografia e no tempo de viagem Um erro comum em histórias é tratar deslocamentos como se fossem irrelevantes. Personagens atravessam cidades inteiras em minutos, viajam entre estados como se estivessem pegando um Uber, e cavalos correm distâncias absurdas sem descanso. Isso pode parecer detalhe, mas afeta a credibilidade da narrativa. Vou deixar aqui um bônus com alguns dados úteis para evitar esses erros: Dentro das cidades modernas, um carro demora cerca do dobro do número de quilômetros para chegar ao destino. Ou seja, 10 km levam uns 20 minutos para serem percorridos. Já uma moto, sendo mais ágil no trânsito, levaria cerca de 15 minutos para a mesma distância. Nas rodovias, a conta fica mais simples: a cada 100 km percorridos, leva-se cerca de 1 hora de viagem, considerando uma velocidade de cruzeiro comum. A pé, um ser humano caminha entre 4 a 5 km/h, percorrendo até 30 km por dia. Ou seja, andar 10 km leva cerca de 2h30. Isso é essencial para histórias em que os personagens dependem de longas caminhadas. Na Era Medieval, cavaleiros podiam correr em média 40 km por dia, enquanto uma carroça ou carruagem puxada por dois cavalos fazia entre 50 a 60 km/dia. Se alguém precisasse viajar 400 km, levaria uma semana de carroça sem paradas, mas o mais realista seria contar pelo menos 9 dias, incluindo descansos para os cavalos. Esses detalhes parecem técnicos, mas fazem toda a diferença para quem gosta de um mundo bem construído. Além disso, permitem que o leitor tenha uma noção espacial realista da história, criando um senso de imersão muito maior. 5.4. Descrevendo locais reais como uma janela para o mundo Outro aspecto fundamental na escrita de cenários realistas é lembrar que o leitor pode nunca ter visitado o local descrito. Seja um ponto turístico famoso ou um bairro desconhecido, a literatura tem o poder de transportar o leitor para lugares que ele talvez nunca veja pessoalmente. O impacto de descrever um local real com detalhes vivos Quando um escritor descreve um beco do Pelourinho ou uma rua específica de Curitiba com riqueza de detalhes, ele não está só pintando um cenário. Ele está convidando o leitor a passear por aquele lugar, sentir o cheiro do café recém-passado na esquina, ouvir o burburinho das feiras ou até perceber a forma como a luz incide sobre os prédios antigos. A diferença entre descrever e simplesmente citar um lugar Dizer que um personagem “passou pela Avenida Paulista” não gera impacto. Agora, descrever como ele vê os edifícios espelhados, as multidões apressadas, o barulho do metrô ecoando ao fundo… isso traz o cenário à vida. A literatura como forma de turismo fictício Um leitor pode nunca ter ido a Ouro Preto, mas se a narrativa souber capturar o peso histórico das ruas de pedra e das igrejas barrocas, ele vai sentir que já esteve lá. E essa é a verdadeira mágica de um bom cenário: fazer com que o leitor viaje sem sair do lugar. Como a Localização Pode Ser um Diferencial em Sua História Escrever é um ato de criação, mas também de responsabilidade. Quando escolhemos um cenário para nossa história, não estamos apenas jogando um monte de prédios, ruas e paisagens no fundo da narrativa. Estamos decidindo o tom, o clima, a cultura e até os desafios que nossos personagens vão enfrentar. A localização não é um detalhe. É uma das engrenagens que fazem a história funcionar. E olha que coisa linda: o mundo inteiro está aí, esperando para ser explorado pelas suas palavras. Você pode situar sua trama onde quiser — desde que faça isso com o respeito e a pesquisa que cada lugar merece. Se for ambientar no Japão, nos Estados Unidos, na Coreia do Sul, que seja por um motivo narrativo forte, e não só porque “fica mais legal” ou porque viu algo parecido num anime ou dorama. E, principalmente, que seja feito com autenticidade, sem cair em caricaturas. Agora, e o Brasil? Quantas histórias incríveis ainda não foram contadas porque subestimamos o potencial do nosso próprio país? Quantos cenários brasileiros poderiam ser palco de narrativas épicas, emocionantes e inesquecíveis? Não estou dizendo que todo mundo é obrigado a escrever sobre o Brasil — não é isso. Mas se você nunca nem considerou essa possibilidade, talvez valha a pena pensar no porquê. Será que é medo de parecer “menos interessante”? Será que é por desconhecimento? Se for falta de familiaridade, a solução está na pesquisa. Se for receio de parecer caricato, a solução está no cuidado na escrita. Se for um pensamento inconsciente de que o Brasil “não dá uma boa história”, bom… essa é uma visão que já passou da hora de mudar. E olha que temos exemplos fantásticos de escritores que fizeram isso de forma incrível. Farme! , de Zunnichi, Guerra: O Legado do Sangue , de Alonso Allen, Venante , de Rose Kethen, Druida Lendário , de Raphael Fiamoncini, Santo Renegado  e Olhos Que Veem no Escuro , de Tomas Rohga, e Capivara Samurai , de George Gonb, nos jogam em tramas intensas e bem construídas dentro de uma ambientação, veja só, NACIONAL. Essas obras provam que a ambientação brasileira não só funciona, como pode ser um diferencial narrativo poderoso. São histórias que não tentam ser cópias genéricas de sucessos estrangeiros — elas criam algo único, com um DNA próprio. O que eu quero que você leve deste artigo não é uma regra proibitiva, do tipo “pare de ambientar suas histórias no exterior”. Não. O que eu quero é que você veja a riqueza de possibilidades que tem nas mãos. Que você perceba que um cenário bem construído pode transformar uma história qualquer em uma experiência inesquecível para o leitor. Que você entenda que respeitar e estudar o local onde sua trama acontece não é um fardo, mas uma oportunidade de fazer algo verdadeiramente especial. Seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, o importante é dar ao cenário o valor que ele merece. Porque uma boa história não acontece no vácuo — ela precisa de um chão sólido para pisar. E você, como escritor, tem o poder de construir esse chão da forma mais rica e autêntica possível. Eu agradeço imensamente por ter lido meu artigo que fiz com carinho e eu recomendo que você assista também o vídeo da NovelCastBR no nosso canal do Youtube sobre Brasilidade onde eu participo também. Te aguardo nos próximos! Tchau!

  • Parágrafos: Segredos da paragrafação que nunca te contaram!

    Em minha saga na pesquisa por assuntos de escrita criativa, uma das coisas que mais encontrei referências  é o tal do PARÁGRAFO . Convenhamos:  estruturar bem seus parágrafos, que irão preencher o corpo sólido de seus capítulos, é um objetivo, talvez um sonho, unânime de todo escritor. É triste dizer que tantos querem, mas poucos ensinam como se faz um parágrafo bem feito. Ah, ensinam, sim, parágrafos de redação do ENEM . Existem inúmeros blogs, sites, cursos, vídeos no YouTube, enfim, diversas fontes de conhecimento para você escrever lindos parágrafos... para o ENEM. Mas não estamos aqui para falar disso, estamos? É claro que não. Vamos tratar aqui de escrita criativa, de parágrafos do gênero ficção e sobretudo de parágrafos de webnovel. Se estava cansado de procurar na internet como se faz parágrafos para sua história e só encontrar referências de "como fazer um ótimo tópico frasal", aqui está uma página da Novel Brasil dedicada a desvendar essa questão para você. Para começarmos, vamos entender o que exatamente é um parágrafo. O que é um PARÁGRAFO? Quando redigimos qualquer texto, não importando o gênero que seja, geralmente iniciamos um assunto e só queremos parar de redigir quando o assunto acaba e terminamos de transmitir, para quem escrevemos, aquilo que queríamos. Isso, em forma de fala , poderia ser desde uma frase de 2 segundos até um monólogo de 15 minutos, em que uma pessoa se assustaria ao receber isso em uma mensagem de Whatsapp. Uma pesquisa feita pela Exame ( “Desculpa mandar áudio”: pesquisa mostra como o brasileiro usa o WhatsApp ) aponta que mais da metade dos brasileiros gostam de enviar e receber mensagem de voz e por incrível que pareça muitos não se importam com o tamanho. No entanto, a maioria respondeu que preferem "uma sequência de mensagens de áudio mais curtas, fracionando a história". E é daí que vem o que eu sempre digo: a língua escrita sempre  reflete ao que é feito, e esperado, na língua falada. Assim como a grande maioria das pessoas esperam que uma pessoa conte uma história parte por parte enquanto fala, ao invés de enviar um único áudio contendo toda a trama por qual passou, na escrita leitores também esperam que haja fracionamento  da história para que ele possa consumir. Esse tal fracionamento se dá pela aplicação de parágrafos , onde cada parágrafo conta uma parte da história. Um parágrafo é uma fração de uma história. Essa é a definição mais básica que podemos chegar, porém, se fosse tão simples sair separando o seu texto em vários parágrafos, não estaríamos aqui. A pequena dúvida ainda fica — Como separar os parágrafos? — pois ainda que se entenda a importância de se fracionar uma história em arcos, capítulos, parágrafos e frases, não lhe foi explicado como fazer. Ideias Assim que você entra na Novel Brasil e pergunta a alguém como está o seu texto, principalmente os parágrafos, vários de nossos membros vão te falar sobre a tal da ideia do parágrafo . Para quem já está acostumado com a escrita de qualquer gênero textual é um termo comum e já deve ter se deparado com o assunto. No entanto o conceito de ideia muitas vezes é apresentado de uma forma muito, mas, muito vaga, e é comum que todos apenas “empurrem com a barriga” a matéria, não se aprofundando muito no assunto. Pois bem, a primeira coisa que qualquer escritor tem que aprender sobre parágrafos é que os parágrafos devem ser escritos seguindo uma ideia central do parágrafo. Um parágrafo deve se propor a oferecer informações sobre um determinado assunto sem extrapolar ou divergir. Para a formulação de tais ideias centrais, existe um processo bem simples em 3 passos. Ao final dos 3 passos vamos obter um elemento textual chamado de tópico frasal  ou período tópico . Passo 1: Identificar a ideia Não adianta você conhecer todas as teorias e ter todas as ferramentas para escrever se você simplesmente não tem ideia do que escrever . Esse talvez seja o passo mais importante. Aqui você identifica qual parte da história você vai contar, quais informações, com qual clima e tom. Pode ser uma imagem mental na sua cabeça ou um tópico do roteiro já escrito; o importante é que deve ser específico para aquele parágrafo que irá escrever. Não existe uma fórmula mágica aqui. Você deve aprender nos conceitos de narrativa quais são os próximos passos de informações que devem ser inseridas na história e em qual ordem. Uma ideia pode ser muito específica ou muito vaga, dependendo da quantidade de informações e da quantidade de palavras necessárias para apresentar tais informações. Muitas vezes é um trabalho solitário e único de cada autor a formulação de ideias de parágrafos. Deixo claro que é bem possível que você inicie com uma ideia e termine com mais de uma ou outra diferente, pois a identificação da ideia é apenas um passo inicial agora, mas deve ser revisada ao final dos 3 passos. Por ora explico que você deve ter uma imagem vívida em mente, com as cores, os sons, as vozes, o cenário, o cheiro, o sabor, os sentimentos e movimentos, tudo que for necessário para compor aquela parte da história em um parágrafo. Passo 2: Propor a ideia Assim que você identifica sobre o que irá escrever , será obrigado a pensar em como irá escrever . A proposta , ou proposição , é onde você arquiteta e planeja como a ideia central será apresentada no texto. Felizmente aqui temos uma fórmula bem simples para te auxiliar. A recomendação é que se faça uma frase contendo o locutor, a abordagem e o objeto. Locutor:  é o sujeito que falará sobre o assunto da ideia, podendo ser o narrador ou um dos personagens. Abordagem:  é a variação de estruturas frasais e estilos que serão utilizadas no parágrafo, podendo ser narrativo, descritivo, expositivo, persuasivo e dialógico. Objeto:  é o núcleo da ideia central, geralmente um substantivo significativo do que será falado no parágrafo. Assim, podemos formar uma frase com o locutor como sujeito, a abordagem como verbo e o objeto como complemento verbal. Exemplo: Narrador descreve a casa / Personagem X expõe conceito de magia. A proposta vai conter, portanto, o mínimo necessário de informações para o nosso próximo passo. Passo 3: Escrever a ideia Nem no passo 1, nem no passo 2 você é obrigado a escrever coisa alguma. Estávamos até então dentro da sua cabeça. Claro que se você quiser fazer um planejamento todo escrito, você pode escrever o que foi feito nos passos anteriores como documentação para a sua obra. Agora no passo 3 você deve escrever uma frase que se propõe a apresentar a ideia central daquele parágrafo. Aqui você irá escrever uma frase, na própria voz do locutor já escolhido, que vai ficar escrita dentro do próprio capítulo da história. Você vai escrever o tópico frasal  do parágrafo. Não há limite de tamanho, mínimo ou máximo, para um tópico frasal, muito menos regras que determinam como exatamente um tópico frasal deve ser escrito. A questão é que deve ser suficiente para apresentar a ideia e não extrapolar. Peguemos a proposta que usei de exemplo no passo anterior para simularmos a formulação de um tópico frasal: Proposta: Narrador descreve a casa. Tópico frasal: A casa era muito grande. Este curto tópico frasal já demonstra que é o narrador falando (o locutor), pois não é antecedido por travessão, que tem como núcleo do parágrafo a casa (o objeto) e que se trata de descrição (a abordagem) devido à frase conter predicativo do sujeito. A frase narrativa, a que está efetivamente escrita na obra, portanto, espelha a estrutura proposta pela ideia, possivelmente presente em uma linguagem mais fria e crua de um roteiro, mas com suas próprias palavras, estilos e vozes e detalhes adicionais próprios do texto desenvolvido. Agora vamos aprofundar mais sobre as abordagens. As Abordagens Textuais Em uma narração não há só narração Ao observar textos narrativos ou simplesmente histórias com narrador, logo nos deparamos com a “narração”, aquela parte chata da novel onde não tem as falas dos personagens, e sim o autor dando uma de sabichão. Brincadeiras à parte, o texto que fica entre uma fala e outra dos personagens é chamado comumente de narração, mas não só de narração se conta uma história. Para entendermos isso melhor, precisamos separar o que é narrativa do que é narração. A narração dentro de um texto narrativo é o produto da ação desempenhada pelo narrador: o narrador narra uma narração. No entanto, isso é um entendimento simplista. Narrar é contar os eventos ocorridos em uma história, é expor as ações dos personagens e suas reações seguindo uma ordem. Enquanto o narrador narra, o tempo daquela história se move em direção ao fim da história. Já a narrativa  é o texto ou fala que resulta da narração, que vai além da simples descrição dos fatos, buscando envolver o leitor  e criar uma experiência sensorial . É, portanto, a estrutura completa que engloba os elementos da narração, enriquecida por recursos literários e pela visão do autor. Mas vamos observar então a seguinte frase: “Ele atirou o objeto contra ela.” Daí podem surgir dúvidas: quem é “ele”? Quem é “ela”? Que objeto é esse? Ok, ok. Vejamos: “Roberto atirou o cubo contra Rebeca.” Ficou mais claro? Mas é claro que não!  Quem é Roberto? Quem é Rebeca? E que diacho de cubo é esse e por que Roberto atirou isso contra Rebeca?! Por mais que o “relógio da história” ande, o leitor acaba não conseguindo acompanhar por falta de informações;  o leitor para, enquanto a história anda . Isso está longe de ser o ideal, mas é o que chamamos de narração pura . Para solucionar isso é que se adicionam temperos à obra, pois além do contexto temos que considerar a descrição, a exposição e a persuasão, que chamaremos de abordagens . Esses são os que dão cores e tons a um texto narrativo complementando a narração. Estudar as abordagens é o principal caminho para entender sobre parágrafos. Com elas você pode construir parágrafos bem consistentes e flexíveis. Sim, flexíveis . O parágrafo flex Esse é um dos pontos principais que gostaria de explicar: um parágrafo não necessariamente é feito apenas com uma abordagem. Você pode escrever, sim, um parágrafo que apresenta apenas uma abordagem, por exemplo um parágrafo do tipo descritivo somente, mas também pode escrever um parágrafo descritivo-expositivo ou então narrativo-persuasivo, entre outros tipos, ou seja, um parágrafo pode apresentar uma ou mais abordagens . Por isso, evito tipificar parágrafos como muitos fazem, pois seria como dar um único nome a um prato montado no self-service. É sério, você não sabe o tanto de artigos, livros e guias que encontrei chamando um parágrafo de narrativo, descritivo, expositivo ou persuasivo, falando de “tipos” de parágrafos, etc., como se um parágrafo fosse apenas um ou outro. Em minha visão, um parágrafo é um prato, e lá você põe o que quiser, carne, salada, massa, arroz e um tantão de feijão. No entanto, deve-se ter cuidado que apenas uma abordagem é a principal  e outras serão secundárias no mesmo parágrafo. Isto quer dizer que apenas uma abordagem vai compor o corpo principal do texto do parágrafo, por exemplo como orações principais ou tópico frasal, enquanto as outras abordagens complementam e enriquecem o teor de informações do parágrafo. Vamos pegar como exemplo parágrafos retirados de uma obra que talvez você conheça: “Estou muito confiante na minha força física. Afinal, tenho treinado com espada por dois ou três anos. Mas a confiança que tinha em mim mesmo foi quebrada. Esse ser, como se zombasse dos meus esforços, continua me perseguindo sem perder o fôlego, com o cabelo vermelho sangue voando ao vento, como se não soubesse o significado de desistir. Não importa quão longe eu vá, no instante em que relaxo, ela fecha a distância entre nós.” — Mushoku Tensei: Se Reencarnar, Viva Plenamente, escrito por Rifujin-na Magonote O primeiro parágrafo apresenta predominância persuasiva, com o narrador justificando sua autoconfiança devido a anos de treinamento, enquanto sugere (narra) uma passagem de tempo de forma implícita e prepara para uma virada emocional. Já o segundo parágrafo é essencialmente narrativo, focado na perseguição contínua, mas enriquecido por elementos descritivos, como o “cabelo vermelho sangue” do perseguidor. A narrativa dá movimento à cena, enquanto a descrição visual amplifica a tensão.  Essa análise demonstra como os parágrafos mesclam abordagens, com um servindo para introduzir contexto e emoção, e o outro para conduzir a ação com detalhamento e ritmo. Funções das abordagens Dito isso, as abordagens podem desempenhar papéis diferentes em cada parágrafo: a abordagem principal , a abordagem secundária  e a abordagem significativa . A abordagem principal, como dito anteriormente, compõe o corpo principal do texto de um parágrafo, fornecendo estilo e estruturas frasais. A abordagem significativa não determina obrigatoriamente o estilo do parágrafo, mas é onde se projeta a intenção do autor e adota um propósito. Intenção do autor é o que ele quer transmitir com aquele parágrafo para o leitor.  Esta abordagem também é onde se propaga o significado e o motivo de existência do próprio parágrafo, e ela pode ser tanto a abordagem principal quanto a secundária. Quando a abordagem principal é também a abordagem significativa de um parágrafo, nós temos um parágrafo direto , em que o estilo do parágrafo é determinado pelo que se quer transmitir. Porém, nem sempre é assim. Quando a abordagem principal é diferente da abordagem significativa de um parágrafo, nós temos um parágrafo indireto , em que a intenção do autor se esgueira sob o estilo do parágrafo. Vamos ver um exemplo: “Ana era a personificação da elegância. Seus longos cabelos negros caíam em ondas suaves emoldurando seu rosto oval, onde se destacavam seus olhos castanhos brilhantes e um sorriso radiante. Sua pele clara e macia era realçada por um vestido azul celeste que fluía com cada passo, revelando suas curvas delicadas. Ana era a imagem da beleza natural e feminina, irradiando charme e sofisticação.” “Ana caminhava pela rua, atraindo olhares por onde passava. Seus longos cabelos negros balançavam ao ritmo de seus passos, enquanto seus olhos castanhos brilhantes observavam o mundo com curiosidade. Um sorriso radiante iluminava seu rosto oval, enquanto sua pele clara e macia era realçada pela luz do sol. O vestido azul celeste fluía com cada movimento, revelando suas curvas delicadas. Ana era a imagem da beleza natural e feminina, irradiando charme e sofisticação a cada passo.” Observe bem o tópico frasal — a primeira frase nesse caso — de cada parágrafo. O primeiro conta com verbo de estado e predicativo e o segundo com verbo de ação e objeto. Enquanto o primeiro lista as qualidades da personagem, o segundo se apoia nos movimentos para inserir as descrições entre as ações. (O cabelo se mexe, descreve o cabelo; os olhos se mexem, descreve os olhos…) Fica entendido, portanto, que no segundo parágrafo temos um parágrafo indireto, onde vemos a intenção de descrever a personagem se apoiando na estrutura da abordagem narrativa. O parágrafo indireto é como uma ilusão de ótica onde se desenha objetos que acabam formando outra imagem. Vamos ver mais um exemplo: "Com a espada reluzindo ao sol, ergui-a em desafio, movido pela necessidade de defender meu reino e meu povo." "Preciso defender meu reino e meu povo com a espada reluzindo ao sol, que ergui em desafio." Quando o locutor tenta convencer o leitor de algo, com justificativas, desculpas e motivações, temos uma persuasão, presente nos 2 exemplos acima. A diferença entre eles é se a persuasão é principal ou secundária. A primeira frase indica que a ação de erguer a espada é o núcleo da frase como sendo a oração principal e os outros elementos são secundários, portanto a narração é a abordagem principal. Isto deu ênfase à ação, e a frase busca criar a imagem vívida da cena por meio da descrição — “Com a espada reluzindo ao sol” — e persuasão — “movido pela necessidade de defender meu reino e meu povo”. De forma simples, se tivesse uma câmera filmando, ela apontaria para a espada. Já a segunda frase dá mais ênfase à motivação do personagem, tendo como núcleo da frase a necessidade que ele expõe já na oração principal, que tem uma abordagem persuasiva, e são secundárias a descrição da espada e a ação de erguê-la. Novamente, de forma simples, agora a câmera aponta para o rosto ou a nuca com um possível flashback bem rápido. Como pôde perceber, a abordagem não é uma característica de uma frase, visto que dentro de uma há essa mescla de abordagem. No entanto, o teor de cada abordagem em um parágrafo vai depender do estilo adequado para o autor transmitir o significado que quiser e como quiser. Vamos então explorar brevemente cada uma das abordagens: A narração A abordagem narrativa é a alma da ficção , pois é responsável por avançar a trama e desenvolver os personagens. Nesta abordagem, o autor utiliza principalmente a narração de eventos, ações dos personagens e diálogos para conduzir a história. Esta abordagem é distinta de todas as outras pelo simples fato de fazer o tempo da história avançar. Por falar em tempo, as abordagens narrativas são as que mais requerem a habilidade do autor com relação aos tempos e modos verbais. Espaço e POV Outros fatores importantes na narração são o espaço e o ponto de vista. O espaço é o palco onde os personagens se movem e as ações se desenrolam. Mais do que um mero cenário, o espaço na narrativa pode ser um elemento crucial para o desenvolvimento da trama e dos personagens. O ponto de vista, por sua vez, determina a perspectiva a partir da qual a história é contada. Através da escolha do narrador (primeira pessoa, terceira pessoa onisciente ou terceira pessoa limitada) e do foco narrativo (fixo, variável), o autor molda a percepção do leitor sobre os eventos e personagens. “O beco escuro era um labirinto de sombras, com lixo amontoado e ratos correndo entre os pés de Bruno. O suor escorria pela sua testa enquanto ele avançava cautelosamente, apertando a faca na mão. Um barulho metálico ecoou no silêncio, e Bruno se agachou atrás de uma caixa de lixo enferrujada. Um vulto surgiu da escuridão, empunhando um cassetete. Bruno saltou, esquivando-se do golpe e acertando um chute no estômago do bandido. O homem dobrou-se de dor, e Bruno aproveitou para desferir um golpe certeiro na têmpora. O bandido caiu no chão inconsciente. Bruno respirou fundo, e o coração batia descompassado.” No exemplo acima, percebemos perfeitamente a passagem de tempo, o espaço onde ocorre, os locais e objetos que interagiram com os personagens e o ponto de vista apresentado. Os objetos na cena não ficaram só enfeitando o cenário, como a caixa de lixo que serviu de esconderijo. Percebe-se também o ponto de vista que era limitado à do Bruno, que viu um vulto. O parágrafo em si começa com uma descrição, mas percebe-se logo se tratar de uma narração. Também há ausência de tópico frasal, que explico mais à frente o porquê. “A lua, uma bola prateada pendurada no céu noturno, observava a cena em silêncio. Sua luz pálida banhava a clareira na floresta, onde dois homens se enfrentavam em um duelo mortal. Espadas tilintando, metal contra metal, ecoavam na noite serena. O suor escorria pelas testas dos combatentes, e a respiração ofegante era o único som além do choque das espadas. A lua, testemunha impassível da violência, acompanhava cada movimento dos duelistas. Ela já havia visto incontáveis batalhas, mas essa era diferente. Havia algo mais em jogo, algo que transcendia a vida e a morte. Honra, vingança, amor, todos esses sentimentos se misturavam no ar, alimentando a fúria dos combatentes. A lua, em sua impassibilidade, não interferia. Ela apenas observava, registrando cada detalhe do duelo em sua memória lunar. Sabia que, no fim, apenas um sairia vitorioso, e que o outro seria lembrado apenas como uma sombra na história. Mas, mesmo na derrota, haveria glória, pois a lua jamais esqueceria o valor dos que lutaram até o fim.” Nesse outro exemplo temos a personificação da lua que atua como o ponto de vista apresentado. O espaço, no entanto, é um enfeite que tonaliza a atmosfera da narração, mas que não interfere nas ações dos personagens. Também nesse exemplo vemos uma passagem de tempo um tanto diferente do exemplo anterior que tinha uma sequência de ações sucessivas enquanto nesse notamos uma predominância da atemporalidade. Agora que já elucidei sobre os 3 pontos importantes a considerar em abordagem narrativa — tempo, espaço e ponto de vista —, vejamos o formato padrão de um texto narrativo. Para isso devemos conhecer a metodologia 5W, um acrônimo em inglês que representa as principais perguntas que devem ser feitas e respondidas ao investigar e relatar um fato ou situação. A Metodologia 5W (e 5WHR) O 5W é largamente utilizado no mundo corporativo como uma ferramenta eficiente para contar fatos ocorridos ou que ocorreriam (planejamento), e não seria diferente com fatos fictícios que são da nossa área. Who (Quem), What (O quê), Where (Onde), When (Quando) e Why (Por quê) são perguntas que vão abranger todo tipo de ações que ocorrem na sua história. “Fuga Através do Portal Místico Um clarão cegante irrompeu da parede de pedra, revelando um portal em forma de redemoinho azul cintilante. Lara, com o coração batendo forte no peito, agarrou a mão de seu amigo Kai e juntos mergulharam na abertura. O mundo ao redor se dissolveu em um turbilhão de cores e luzes enquanto eles caíam por um túnel cósmico. Do outro lado, um panorama épico se descortinava: uma cidade flutuante banhada por raios de sol dourados, cercada por montanhas cobertas de neve e nuvens multicoloridas. Com um estrondo surdo, eles aterrissaram em um campo florido macio. Erguendo-se, Lara e Kai se maravilharam com a beleza surreal do lugar. Mas logo, um rugido gutural os fez virar para trás. Uma criatura colossal, com escamas verdes e olhos flamejantes, avançava em sua direção.Sem tempo para hesitar, Lara sacou sua adaga mágica e Kai ergueu seu escudo de energia. O combate foi feroz, mas a bravura e a união dos amigos prevaleceram. A criatura, ferida e derrotada, recuou para as profundezas da floresta. Exaustos, mas triunfantes, Lara e Kai se sentaram na grama, respirando o ar puro e fresco daquela nova dimensão. A aventura só havia começado, mas eles estavam prontos para enfrentar qualquer desafio que viesse em seu caminho, unidos pela amizade e pela coragem.” Vamos pegar o texto simples acima, para identificarmos o 5W. O que (What):  Fuga através de um portal místico para uma nova dimensão e subsequente batalha contra uma criatura monstruosa. Quem (Who):  Lara e Kai, dois amigos em uma aventura. Quando (When):  Momento indefinido sequencial. Onde (Where):  Começa em um lugar com um portal místico, depois com uma vista de uma cidade flutuante em outra dimensão e termina em um campo florido nos arredores da cidade. Por que (Why):  Para escapar de um perigo não especificado e explorar um novo mundo. Tudo que temos nos primeiros 4W (What, Who, When e Where) são descrições do que já há no texto. Perceba que Why (Por que) é uma informação deduzida. Ao se entremear as motivações, bem como reações e pensamentos dos personagens junto às descrições das ações, podemos entregar para o leitor um quadro completo do evento. Muitas vezes o porquê de algo ocorrer é mais interessante para o leitor do que o próprio ocorrido, pois na verdade qualquer história poderia ser considerada como um grande PORQUE. Também há aqueles que preferem na verdade é o COMO. Como (How):  Através de um portal mágico e enfrentando a criatura em combate físico. Complementarmente ao 5W, é comum acrescentarmos o H, de How (Como), que nos diz a forma como tudo foi executado, até chegarmos no R, de Result (Resultado). Resultado (Result):  Lara e Kai vencem a criatura e começam sua jornada na nova dimensão. 5W1H1R ou 5WHR dará então um panorama completo de uma cena, enquanto os parágrafos narrativos retratam momentos diferentes daquela cena. Info: o 5W1H1R conceitualmente não existe, mas é uma adaptação do 5W-2H-1R onde temos o “How much” (Quanto) adicionalmente, mas que não utilizamos, então fica apenas 1H. O negócio é tentar imaginar a cena até os mínimos detalhes para que todos os movimentos sejam, ou ao menos pareçam, plausíveis de acontecer na história. Não deixe lacunas se não for de propósito, mas também não complique demais com detalhes inúteis. Ações Internas Outra questão que não posso deixar de mencionar é que as ações nem sempre são externas ou físicas; as mudanças de humor, pensamentos e demonstração de sentimentos também são ações para serem narradas. “João caminhava pelas ruas movimentadas da cidade com a mente em um turbilhão de pensamentos. O dia havia sido cansativo e frustrante, e ele sentia uma onda de irritabilidade crescendo dentro de si. Cada passo era um esforço, cada rosto na multidão um lembrete do anonimato da vida urbana. Seu humor era como uma tempestade de verão, repentino e intenso. As cores ao seu redor pareciam mais cinzas, o barulho da cidade mais estridente. Ele apertou os punhos com força, reprimindo a vontade de gritar com o mundo. Em meio ao caos interno, um raio de esperança surgiu. A lembrança do sorriso da sua filha o atingiu como um sopro de ar fresco. Ele imaginou o rosto dela, cheio de alegria e inocência, e um sorriso involuntário se formou em seus lábios. A tempestade ainda rugia dentro dele, mas agora era acompanhada por um arco-íris de esperança. João respirou fundo, ajustando a gravata e erguendo a cabeça. Ele sabia que a vida nem sempre seria fácil, mas também sabia que tinha o amor da sua filha para guiá-lo através das tempestades.” No exemplo acima vemos um personagem em um estado contínuo: caminhando. Quando se coloca um personagem em suspensão com uma ação contínua, geralmente é uma introdução para descrições, mas nesse exemplo a narração continua no interior do personagem. Claro que há uma mescla entre as abordagens, mas percebemos a passagem de tempo dentro da psique dele enquanto o externo não sofre mudança significativa. Em suma, a abordagem narrativa é o alicerce de qualquer história, e controlar bem o seu uso é uma tarefa ardilosa para qualquer escritor; um deslize no espaço/tempo pode deslanchar uma série de drops da sua história. A descrição Ao contrário da abordagem narrativa, que deve se alinhar com os eventos da narrativa, o foco da abordagem descritiva não são as ações, tampouco as emoções. Em vez disso, as abordagens descritivas devem se concentrar em mostrar algo de forma vívida e objetiva para o leitor. Uma abordagem descritiva fornece uma experiência vibrante para o leitor por meio de linguagem vívida e descrições de algo. Para fornecer esses detalhes, o escritor deve usar uma linguagem que agrade aos cinco sentidos do leitor: visão olfato audição paladar tato Para apelar a esses sentidos, o escritor deve usar as estruturas linguísticas de descrição, envolvendo adjetivos e predicativos principalmente, que descrevam as sensações de cada um dos sentidos envolvidos. Por mais que tenha dito que não precisam focar emoções, as impressões pessoais do escritor podem acabar colaborando com o resultado final, já que as escolhas do escritor sobre quais detalhes  e sob quais sentidos  resolverá descrever é, sim, de natureza pessoal, e ainda mais de percepção pessoal. Por este motivo, devemos tomar um certo cuidado ao descrevermos sob uma perspectiva muito pessoal. Impressões pessoais do próprio autor é bem comum em escrita criativa, ainda mais considerando regionalismos e aspectos culturais. Muitas vezes uma descrição "normal" pode não parecer para o leitor. Por exemplo, uma simples questão de temperatura pode ser problemática tendo em vista a extensão longitudinal do Brasil, e sua variação de temperatura e sensações térmicas. Um friozinho para quem vive no norte pode ser calor para quem vive no sul . Info: Muitos autores costumam escrever obras que o enredo acontece em outros países, e por tal razão acabam erroneamente dosando características brasileiras em locais estrangeiros. Em suma, abordagens descritivas devem descrever detalhes sobre uma pessoa , um local , um objeto  ou um evento . Vejamos alguns exemplos de parágrafos descritivos: Audição — Desculpe, tem um minuto? Já acabei de me arrumar. Queria saber se já tem algo que precise fazer. — Na moral, quase não dá para ouvir o que ela fala. Não tem problema ser tímida, mas compre a porra de um microfone; nem todo mundo tem o ouvido em dia. — trecho de Trabalhe! , escrito por Hiore Nesse trecho o narrador reforça a descrição   auditiva  através de sua impressão. É notável como ele dá importância ao descrever sobre a tonalidade da voz dela. É uma forma de descrição de personagem que nesse caso o autor decidiu por escolher o sentido da audição para caracterizá-la. Em entrevista, Hiore justificou a sua escolha: "Acho que a voz cria mais claramente a imagem de insegurança para se comunicar do que a aparência, e essa dificuldade é a característica principal que trabalho depois sobre ela". Isso não foi a única motivação que Hiore me contou. Era importante seguir a narração na "forma como o protagonista pensa". Ele complementou dizendo: "Na obra inteira eu evito falar de aparência, por que ele repara muito mais em ações, até por que ele normalmente está jogando e não olha para as pessoas". Hiore adotou então um tipo de narrador específico explicando: "O narrador age como um comentarista, que, ao invés de falar o que aconteceu, dá sua opinião. Isso, quando feito direito, aproxima o leitor do protagonista, apesar de limitar as descrições e ambientação". Isso justifica claramente a forma como o narrador narra essa história com fundamentos e empatia aplicada. E, por fim, um ótimo ingrediente adicional em uma webnovel foi colocada em prática, segundo Hiore: "Outro motivo, é para fazer ele reclamar. Uma descrição por aparência não teria nada do que reclamar, ou seja, foi em parte pela piada." Olfato Notou os fios ainda úmidos de seu cabelo branco, caindo sobre os ombros pálidos. Com uma toalha acima da cabeça, usava um vestido branco que alcançava metade dos joelhos. Permaneceu inerte ao experimentar o aroma refrescante, que exalava do corpo dela após o banho. — trecho de A Voz das Estrelas , escrito por Thalles Roberto Aqui temos a presença clássica da visão  e também do olfato  como focos descritivos. Dá até pra relembrar o cheirinho após o banho que sentimos outrora. Para alguns leitores, isso pode despertar sentimentos nostálgicos de momentos íntimos com alguma pessoa. Thalles me contou que o trecho "basicamente tá demonstrando uma visão mais íntima do Norman para com a Layla, levando em consideração tudo que eles passaram até então" e revelou sua intenção ao utilizar a motivação do personagem para a descrição: "A intenção meio que é mostrar o quanto ele a enxerga com mais atenção a detalhes que não enxergava antes por causa dos traumas, por aí. Também foi algo como elevar a aproximação deles nesse aspecto mais físico." Quando se utiliza narradores de primeira pessoa ou de terceira pessoa limitada, é bem comum que a descrição foque muito no que interessa para os personagens, dependendo de suas características e experiências. Também é uma forma de demonstrar o desenvolvimento dos personagens. Visão Seus olhos se arregalaram diante da visão de um céu estilhaçado, com rachaduras profundas se unindo em uma fenda luminosa de fim inalcançável. O abismo luminescente fez os céus tremerem e, então, começou a regurgitar algo que a mulher somente poderia descrever como “estrelas cadentes” que, apesar do violento nascimento, atingiam o solo com graça, abandonando a luz dourada de criação para revelar algo que a fez compreender a situação. — trecho de Re: Nascimento , escrito por Saya Já este trecho nos traz uma visão  nova que não lembra praticamente em nada do que nos ocorreu no passado. Uma visão surrealista que deixa claro para o leitor que ali não era o mundo que conhecemos. A vista fantasiosa e surreal teve um papel de atiçar a imaginação do leitor, como me contou Saya: "Queria fazer com que o leitor imaginasse algo fantasioso, como realmente uma passagem pro 'outro lado'". Ele também contou sobre como foi o processo criativo: "Bom, quando eu fiz isso, foi imaginando a chegada abrupta da Menorá Áurea e da Protagonista de RN, e como eu poderia passar isso de uma forma meio ambígua e mística pra descrever melhor posteriormente nos parágrafos seguintes." Tato Vamos pegar um exemplo de múltiplos parágrafos: Acordei em um espaço estranho; aberto, cinza, sem forma ou sem vida. Um lugar neutro. O chão era uma massa uniforme de... alguma coisa, como cola ou isopor, mas não era necessariamente terra, ou um piso. Na verdade, era como se eu estivesse pisando em um pedaço molenga de marshmallow. No horizonte, nenhum sinal de nada — e quando eu digo nada, é nada mesmo — além de camadas em preto e branco, como se o céu e o vazio colidissem no infinito. — trecho de Cheaters , escrito por Kuma Fica evidente nesse trecho como o autor Kuma utilizou o sentido do tato  como o recurso descritivo. Em conjunto com a visão  ofereceu o detalhe importante desse ambiente, explicando que o terreno não era firme, de alguma forma bem esquisita. Seus parágrafos alternam entre descrições puramente visuais, descrições metafóricas, descrições táteis e volta para descriçoes visuais conclusivas. Por mais que sejam todos descrições, existe um foco diferente em cada um. "Bom... eu queria dar a ideia de um lugar que nem estava no nosso mundo, nem no mundo do jogo. Um espaço fora de tudo, um lugar longe de qualquer outra coisa. E através disso, passar a sensação de vazio. Algo que está lá, mas ninguém sabe, ninguém se lembra", relatou Kuma. É notável a intenção do autor ao querer descrever algo em mais de 1 parágrafo, principalmente quando aquilo é importante e não é facilmente explicável por palavras. Para resolver a questão, ele se valeu de uma referência inspiradora: "Eu tirei de uma conversa que tive com um amigo meu que sofria de depressão. Ele dizia que imaginava um mundo assim". Paladar Vamos ver por último sobre o paladar  (que muita gente acha que só se usa em culinária): Hipnotizado pela agonia de ter a carne e os músculos cortados, Roan agarrou o frasco e o virou garganta abaixo. O líquido era adocicado e cítrico, criando a impressão de ter várias bolhas estourando pela língua. Porém, com o tempo, o sabor se tornou um ácido azedo que queimava a glote, ao ponto de forçá-lo a fechar os olhos e ranger os dentes. — trecho de O Invocador Sagrado , escrito por Zunnichi De um parágrafo de narração ele alternou para um parágrafo descritivo. A forma como ele utilizou a abordagem descritiva é incomum de se encontrar: com o tempo em andamento. Normalmente é característica padrão de um parágrafo de narração, mas a mescla sutil entre narração e descrição tornou possível um tipo de parágrafo assim, que é focado em descrição. Percebe-se que o intuito disso foi demonstrar a alteração gustativa  pelo tempo decorrido. Então era importante que o tempo andasse. O Zunnichi me contou o queria mostrar: "Que o sabor sobrepôs às outras sensações do personagem, no caso dor, por meio de uma bebida especial". Ele também justificou a impressão que queria causar sobre a passagem do tempo: "A impressão que o líquido é mágico ou especial, por isso alterna tanto no sabor". Evento Pessoas, locais e objetos foram retratados nos parágrafos acima. Mas e o evento? Como seria um parágrafo que descreva o evento? Foi um duelo difícil, porém gratificante. Ambos lutaram bem, conheciam a movimentação básica dos duelos em realidade virtual, mas pecaram na técnica e na execução. — trecho de O Druida Lendário , escrito por Raphael Fiamoncini Uma descrição de evento se confunde bastante com uma narração resumitiva. Diferente de outros tipos de descrições, uma descrição de eventos tem um intuito de tirar um retrato de um evento que ocorreu no passado, que acabou de ocorrer no presente ou que poderia ocorrer no futuro, detalhando geralmente, mais de um aspecto. Já na narração resumitiva ocorre uma sucessão de eventos, no plural, não focando apenas em uma. Era o primeiro dia do garoto após o fim do seu tempo de treinamento. Diferente do que esperava, o trabalho era simples e precisava apenas ficar em guarda durante a tarde. Ninguém era louco o bastante de tentar entrar na área nobre para cometer crimes, afinal, era o local onde uma heroína estava sendo mantida. — trecho de Dahlia: A Garota Lunar Reencarnada , escrito por RenCmps No parágrafo acima, um pequeno retrato de um pequeno passado do personagem é apresentado. Parágrafos descritivos de evento podem tanto apresentar os aspectos de um evento importante da história como também aspectos específicos ou rotineiros de alguns personagens, locais ou objetos, tratando-se de um grande adjetivo . Enquanto que nos outros tipos os adjetivos empregados tendem a se relacionar com os 5 sentidos, aqui os adjetivos se relacionam com os eventos: um trabalho simples , um duelo difícil , uma viagem longa , uma festa incrível , uma batalha sangrenta ... Por fim, a descrição possui um papel fundamental na escrita já que é a única forma de o leitor conseguir imaginar uma cena, um personagem, um local ou um objeto. A descrição e a narração complementam um no outro e nenhum dos dois pode faltar, a ponto de confundir o leitor, ou exagerar, a ponto de engessar o leitor. A exposição O guia continha métodos tanto para encantamento quanto para formações mágicas, mas como o encantamento era o comum e não havia lugar para desenhar as formações, comecei com o padrão. Parece que quanto mais complicado fosse um feitiço, mais longo seria o tempo proferindo o cântico. Na verdade, feitiços complicadíssimos tinham que ser entoados em conjunto com formações mágicas; isso não era um problema no início, no entanto… Diz aqui que um mago habilidoso poderia usar magia sem cantá-la. É o que chamam de sem cântico ou cântico curto. — trecho de Mushouku Tensei, Rifujin na Magonote Começando com esse exemplo de Mushoku, dá para se notar as diferenças que a exposição tem em relação à narração e à descrição. A parte expositiva do texto não possui um ponto de vista ou momento definido. A exposição trata de informação pré-obtida que não possui referência no enredo da história, mas sim no worldbuilding . O guia, neste exemplo, representa algumas páginas do próprio worldbuilding. É claro que elementos do worldbuilding vão influenciar no desenvolvimento da história, senão nem faria sentido tê-los no worldbuilding, mas a questão é se um elemento é apresentado como parte da história ou se apenas influencia na história. De forma simples, um elemento do worldbuilding que é citado na história é uma exposição. A citação pode ser direta, ficando com uma estrutura parecida com a da descrição, ou pode ser indireta, com os elementos integrados à narração. De todo modo, a exposição pode abranger os seguintes tópicos principais: História e Contexto: Apresentação da Era:  Através de diálogos, descrições ou datas, o autor pode situar o leitor no tempo, apresentando a era em que a história se passa. Isso pode ser feito mencionando eventos históricos relevantes, costumes da época ou até mesmo a tecnologia predominante e arquitetura. Lendas e Mitos:  Histórias folclóricas, contos de fadas ou lendas podem ser contados por personagens ou narrados pelo autor, revelando a mitologia e as crenças do mundo. Profecias e Presságios:  Profecias antigas ou presságios mencionados pelos personagens podem criar um clima de suspense e mistério, além de dar pistas sobre eventos futuros da história. Ruínas e Artefatos:  Descrições de ruínas antigas, monumentos ou artefatos podem revelar aspectos da história passada do mundo, seus conflitos, conquistas ou civilizações perdidas. Aspectos Físicos: Paisagens Vivas:  Através de descrições vívidas e sensoriais, o autor pode transportar o leitor para diferentes paisagens do mundo, seja um deserto árido, uma floresta exuberante ou uma cidade futurista. Nisso há coincidência com a descrição, mas pode ser alternado entre informações sensoriais e informações de fundo. Mapas e Cartas:  A inclusão de mapas ou cartas no livro pode auxiliar na visualização da geografia do mundo e na compreensão da jornada dos personagens.  Condições Climáticas:  O clima pode ser utilizado para criar atmosfera e tensão na história. Tempestades, nevascas ou climas extremos podem representar desafios para os personagens ou simbolizar eventos importantes da trama. Flora e Fauna Únicas:  A descrição de plantas e animais inexistentes na realidade pode despertar a curiosidade do leitor e enriquecer o mundo ficcional. Culturas e Sociedades: Tradições e Costumes:  Através da descrição de costumes, festivais, rituais ou feriados, o autor pode revelar aspectos importantes da cultura das diferentes sociedades do mundo. Línguas e Dialetos:  A criação de línguas ou dialetos próprios para diferentes povos ou regiões pode dar mais verossimilhança ao mundo e aprofundar a imersão do leitor. Vestimentas e Adereços:  A descrição de vestimentas, penteados, adereços e outros elementos visuais pode revelar costumes, status social ou até mesmo crenças religiosas dos personagens. Comidas e Bebidas:  A menção a pratos típicos, especiarias ou bebidas regionais pode contribuir para a construção da identidade cultural de um povo. Arquitetura e Construções:  A descrição de diferentes estilos arquitetônicos, desde casas simples até grandiosos castelos, pode revelar o nível tecnológico, a cultura e a história das civilizações do mundo. Elementos Mágicos ou Tecnológicos: Sistemas Mágicos:  O autor pode explicar as regras da magia no mundo, detalhando suas fontes, efeitos, limitações e os diferentes tipos de feitiços. Funcionamento da Tecnologia:  A tecnologia futurista ou elementos mágicos complexos podem ser explicados através de diálogos entre personagens, manuais ou pesquisas realizadas pelos protagonistas. Impacto na Sociedade:  O autor pode explorar como a magia ou a tecnologia impactam a vida das pessoas, influenciando a economia, a política, a cultura e até mesmo os relacionamentos entre os personagens. Criaturas e Espécies: Descrição Detalhada:  Criaturas fantásticas ou animais únicos devem ser descritos com detalhes vívidos, incluindo sua aparência física, comportamento, habitat e papel no ecossistema. Comportamento e Inteligência:  O autor pode explorar a inteligência, o comportamento social e as relações entre as diferentes espécies do mundo. Mitologia e Lendas:  Criaturas lendárias podem estar presentes em mitos, lendas ou contos contados pelos personagens, enriquecendo o folclore do mundo. Detalhes e Coesão: Casual e Cotidiano:  Muitas vezes, os detalhes mais reveladores sobre um mundo estão nas pequenas coisas. O que as pessoas comem no café da manhã? Como elas se cumprimentam? Como se locomovem? Esses detalhes aparentemente banais podem trazer vida ao mundo e torná-lo mais crível para o leitor. Mostre, Não Diga:  Sempre que possível, evite a exposição direta de grandes quantidades de informações. Deixe o leitor descobrir o mundo através das ações e interações dos personagens. Por exemplo, em vez de explicar o sistema de governo em uma infodump, mostre um julgamento em tribunal, uma assembleia política ou mesmo os efeitos causados pelas ações do governo. Esses são apenas os principais, considerando que um worldbuilding pode conter inúmeros elementos. Devo explicar também que há um ledo engano entre um texto expositivo e um texto explicativo. Os dois tipos de texto podem coincidir em alguns pontos na narrativa, mas são textos com estruturas diferentes e propósitos diferentes. Enquanto o texto expositivo serve para expor ao leitor os elementos presentes no worldbuilding, o texto explicativo extrapola a exposição em direção a persuasão, isto é, informar ao leitor o que resultou do elemento estático do worldbuilding ou as possibilidades que aquele elemento pode produzir. “A Serpente das Sombras é uma criatura gigante que habita cavernas profundas. Seu corpo é coberto por escamas negras que refletem a luz, tornando-a quase invisível na escuridão. Ela se move silenciosamente e ataca com veneno paralisante, liberado tanto pelas presas quanto pela cauda. No entanto, suas escamas têm falhas em torno do pescoço, onde uma luz intensa pode cegá-la temporariamente. Para derrotá-la, seria necessário atrair a Serpente para fora da escuridão, utilizando tochas ou cristais de luz, e então desferir um golpe certeiro no ponto vulnerável antes que ela recupere a visão e ataque novamente.” É perceptível que o final do parágrafo, iniciado por “Para derrotá-la”, se trata de explicação, que persuade o leitor sobre uma possibilidade futura, um spoiler das ações dos personagens. A explicação também oferece uma ligação entre a informação exposta e o enredo, dando utilidade àquele elemento do worldbuilding. E isso faz parte da persuasão. A persuasão Assim como um texto explicativo pode ser utilizado com propósito de persuasão, como no exemplo anterior, há vários tipos de textos que podem ser utilizados para representar esta abordagem que explico por último, mas que talvez seja a abordagem mais importante de todas. Vamos tomar como ponto de partida um elemento clássico: O Discurso do Vilão . Presente em várias obras literárias, filmográficas ou animadas, O Discurso do Vilão é um representante explícito da abordagem persuasiva em obras ficcionais, pois seu objetivo principal é convencer outros personagens — e muitas vezes o próprio leitor — da validade ou justificativa das ações do vilão. Embora ele também possa conter elementos expositivos (para relatar fatos), descritivos (para ambientar ou ilustrar cenários) e narrativos (para recontar eventos), a essência persuasiva está no esforço de legitimar ou racionalizar suas motivações. Esse tipo de discurso, como também outros dessa abordagem, podem se valer de algumas técnicas persuasivas, tais como: Justificação moral ou pragmática: O vilão tenta explicar por que suas ações são necessárias ou inevitáveis, apelando à lógica, à emoção ou até a ideais distorcidos. Exemplo: Em V de Vingança, o vilão, V, explica que suas ações destrutivas visam combater um regime opressor, justificando sua violência como um mal necessário para a liberdade. Manipulação emocional: Muitos vilões tentam provocar empatia ou questionamento, justificando sua crueldade como uma resposta ao sofrimento pessoal ou injustiça. Exemplo: Em O Cavaleiro das Trevas, o Coringa manipula Batman e o público ao explicar que a sociedade é hipócrita e que qualquer um pode “quebrar” sob pressão. Tentativa de convencimento direto: Em certos casos, o vilão busca persuadir o herói a mudar de lado ou aceitar suas ideias, tornando o discurso explicitamente persuasivo. Exemplo: Darth Vader em Star Wars tenta convencer Luke Skywalker a se juntar ao lado sombrio argumentando que juntos poderiam “restaurar a ordem” na galáxia. Na verdade, Discurso do Vilão é uma mistura de abordagens com sua essência persuasiva, já que o vilão busca justificar suas ações e, de certo modo, conquistar adesão, empatia ou compreensão. Essa abordagem é crucial para humanizar vilões, tornando-os mais complexos e multifacetados, o que é um elemento central da ficção contemporânea. Mas por que a persuasão é tão importante assim em uma obra? Eu não posso só contar as lutas fodas e batalhas épicas os quais meu personagem vai enfrentar? Isso não seria o suficiente? Eu entendo o seu ponto! Lutas épicas e batalhas intensas são super emocionantes e podem definitivamente manter o leitor preso à história. Mas, aqui está o segredo: sem um propósito maior por trás delas, as lutas podem perder o impacto emocional. Quando você constrói uma trama com personagens, temas e ideias que realmente fazem o leitor pensar, as batalhas se tornam muito mais que cenas de ação — elas se tornam partes de uma jornada emocional. Então, as lutas podem até ser épicas, mas a persuasão, que leva o leitor a refletir e se conectar com os personagens, é o que realmente dá alma à história. Ela não está só nas palavras, mas nas ações e nas escolhas que os personagens fazem, e é isso que faz o leitor não só acompanhar, mas sentir cada momento. Até mesmo nos filmes de Steven Seagal, que são um exemplo extremo de ação pura, a persuasão ainda desempenha um papel, mesmo que de forma sutil. Esses filmes, como Under Siege ou Hard to Kill, são conhecidos por sua ênfase em combate físico e cenas de ação intensas, sem grandes desenvolvimentos emocionais ou temas filosóficos profundos. No entanto, mesmo nestes filmes de ação direta, a persuasão não desaparece completamente . Por exemplo, o próprio personagem de Seagal, geralmente interpretando um ex-militar ou policial com habilidades excepcionais, possui uma motivação interna que o leva a agir de forma implacável, seja por vingança, justiça ou proteção de inocentes, um exemplo clássico do romantismo moderno. Esse motivo persuasivo , ainda que simples, serve para criar um vínculo com o público , tornando o personagem mais do que apenas uma máquina de combate. A persuasão está em como o filme constrói a ideia de que o herói é o único capaz de resolver o problema, seja através de diálogos que confirmam seu caráter inabalável, seja pela exibição de sua força e habilidades que justificam sua ação. Se você olhar para a estrutura dessas histórias, mesmo sem um grande aprofundamento emocional, você vai perceber que os vilões frequentemente têm uma motivação para suas ações, e o herói, por sua vez, enfrenta essas ameaças de forma justificada e com intenção moral. Não é apenas sobre lutas, mas sobre convencer o espectador de que essas batalhas valem a pena e que, de alguma forma, há uma razão para que o herói esteja fazendo o que faz. Acho que, no fim, a persuasão é o que transforma a história em algo mais que apenas ação  — ela faz com que o leitor leve a história para casa, pensando sobre ela muito tempo depois de terminar o livro! Após esse longo discurso persuasivo meu para te convencer a trabalhar com persuasão em tuas obras, vamos à exposição das principais técnicas utilizadas na abordagem persuasiva: 1. Apelo à Lógica (Logos) Personagens apresentam raciocínios ou explicações racionais para convencer outros. “Quando você elimina o impossível, o que sobra, por mais improvável que seja, deve ser a verdade.” — Sherlock Holmes em O Cão dos Baskervilles de Arthur Conan Doyle Holmes convence Watson e os leitores com deduções imbatíveis, baseadas em fatos e lógica. 2. Apelo à Emoção (Pathos) Explora sentimentos do interlocutor ou público, como compaixão, raiva ou medo. “Roubei por fome, e a prisão me fez pior do que um ladrão. O que mais um homem pode ser quando o mundo o rejeita?” — Jean Valjean, em Os Miseráveis, de Victor Hugo, ao apelar para o bispo que o acolheu Esse apelo à empatia e compaixão desarma tanto o bispo quanto o leitor. 3. Apelo à Credibilidade (Ethos) O personagem utiliza sua autoridade ou reputação para persuadir. “Minhas credenciais como bruxo já foram questionadas antes, e cada vez elas foram comprovadas. Pergunto novamente: estamos aqui para fazer justiça ou manter aparências?” — Dumbledore em Harry Potter e a Ordem da Fênix, de J.K. Rowling, ao confrontar a Suprema Corte dos Bruxos Dumbledore reforça sua posição como uma figura confiável e moralmente íntegra. 4. Repetição Reiterar palavras ou ideias para fixar conceitos. “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.” — em 1984, de George Orwell Essas frases repetidas condicionam os cidadãos de Oceania a aceitar a ideologia do partido. 5. Perguntas Retóricas Questões que instigam o público sem exigir resposta direta. “Ser ou não ser, eis a questão.” — em Hamlet, de William Shakespeare Hamlet não espera uma resposta, mas provoca reflexão profunda sobre a existência. 6. Comparação ou Analogia Relacionar ideias complexas com conceitos familiares. “Os homens ocupam muito espaço porque se acham importantes, como baobás num pequeno planeta.” — em O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry O autor usa a comparação com baobás para ilustrar os efeitos negativos do ego humano. 7. Generalização Apresenta afirmações amplas que soam como verdades universais. “Todo homem tem algo que teme, e o que nos une é a certeza de que o medo está sempre à espreita.” — em Drácula, de Bram Stoker Drácula usa essa generalização para justificar sua dominação sobre os humanos. 8. Apelo ao Medo ou Urgência Criar senso de perigo para motivar ações. “Se o Um Anel cair nas mãos de Sauron, toda a Terra-média estará condenada. Não há tempo a perder.” — em O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, Gandalf alerta Frodo Esse apelo cria urgência e motiva Frodo a assumir a missão. 9. Uso de Evidências ou Testemunhos Apresentar fatos ou relatos concretos para convencer. “Olhe para mim: fui feito por suas mãos, moldado para ser rejeitado. Nenhuma criatura foi tão abandonada por seu criador.” — em Frankenstein, de Mary Shelley, o monstro justifica sua raiva O monstro usa evidências de sua existência como prova para culpar Victor. 10. Apelo à Tradição ou Valores Culturais Evocar princípios fundamentais para justificar decisões. “Os Starks governam o Norte por gerações porque acreditamos na honra acima de tudo. É isso que nos mantém unidos.” — em A Guerra dos Tronos, de George R.R. Martin, Ned Stark Ned reforça valores tradicionais como justificativa para sua liderança. 11. Inversão de Culpa ou Vitimização Deslocar a culpa para terceiros ou assumir o papel de vítima. “Eu não quebrei Daisy; foi Tom que a tornou amarga. Eu só tentei salvá-la.” — em O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, Gatsby explica Gatsby usa essa técnica para justificar sua obsessão por Daisy e ganhar simpatia. 12. Uso de Paradoxos ou Contradições Propor ideias aparentemente contraditórias para gerar reflexão. “Às vezes é preciso correr para permanecer no mesmo lugar.” — em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, o Chapeleiro Maluco afirma Esse paradoxo força Alice (e o leitor) a repensar as convenções. 13. Histórias e Exemplos Narrativos Contar uma história para ilustrar ou reforçar um ponto. “Naquela noite, o mercador soube que o perdão era a única saída, pois a vingança jamais saciaria sua dor.” — em As Mil e Uma Noites, Xerazade convence o rei com suas histórias Suas narrativas criam impacto emocional e levam o rei a repensar seus atos. 14. Justificação Narrativa Pequenos apelos lógicos ou emocionais, também podendo ser chamada de micropersuasão, que conecta ação do personagem ao enredo. “Elizabeth sabia que sua recusa era imprudente, talvez até cruel, mas sua dignidade não permitiria outra resposta a alguém tão presunçoso quanto Mr. Darcy.” — em Orgulho e Preconceito, de Jane Austen O narrador justifica as ações de Elizabeth, moldando a percepção do leitor para aceitá-las como legítimas, apesar das possíveis consequências negativas. A justificação narrativa trabalha nos detalhes para moldar a percepção do leitor sobre a coesão narrativa. E agora eu que te pergunto: de onde é que você vai tirar as ideias que serão aplicadas nesses trechos persuasivos? A resposta está em outra matéria, a qual você já pode ter tido contato ou não: tema, temática e mensagem. São conceitos interligados, mas com diferenças sutis, que desempenham um papel fundamental na construção de qualquer obra literária. Tema  é o assunto central da obra, o tópico sobre o qual a narrativa gira. Pode ser algo amplo, como “amizade”, “justiça”, “poder” ou “liberdade”, que se desdobram ao longo da história. O tema define o campo de exploração das ideias da obra. Temática  refere-se à maneira como o tema é tratado ou abordado na obra. É o conjunto de tópicos, questões e perspectivas que a obra oferece sobre o tema. Enquanto o tema é o núcleo, a temática é a forma como esse núcleo é desenvolvido ao longo da narrativa. Mensagem  é a conclusão ou o ensinamento que a obra tenta transmitir ao seu público. Ela é frequentemente um reflexo da postura do autor em relação ao tema ou à temática e pode ser explícita ou implícita. No contexto da abordagem persuasiva, a mensagem busca influenciar ou mudar a opinião do leitor sobre algo. Em relação à abordagem persuasiva, esses três conceitos se interconectam. A obra utiliza a abordagem persuasiva para comunicar uma mensagem específica sobre seu tema ou temática de maneira que o autor busca influenciar ou convencer o público de um ponto de vista ao longo da história, seja em diálogos, monólogos ou através da construção da narrativa, reforçando um argumento moral, ético ou prático relacionado ao tema. Em resumo, o autor usa a abordagem persuasiva  para entregar a mensagem  sobre a temática  e, por meio disso, expressar o tema  central da obra de maneira eficaz. O diálogo Eu sei que disse que a abordagem persuasiva seria o último, mas eu não poderia deixar de mencionar sobre a abordagem dialógica, ou a abordagem por diálogo. A grosso modo, o diálogo entre os personagens por si só pode ser considerado uma abordagem dialógica, podendo conter em suas falas todas as outras abordagens, a narrativa, a descritiva, a expositiva e a persuasiva. No entanto, a abordagem dialógica é caracterizada pela troca de ideias, reflexões e questionamentos entre os personagens, frequentemente usando o diálogo como a principal ferramenta de desenvolvimento de enredo e interação. Ao contrário de outras abordagens, como a narrativa, onde o foco está na história e nos eventos que se desenrolam, ou a descritiva, que prioriza a ambientação e os detalhes, a abordagem dialógica centra-se nas relações entre personagens, suas interações verbais e, muitas vezes, nos conflitos ideológicos que surgem durante essas trocas. Há um papel fundamental na qual o diálogo é imprescindível em qualquer história: a comunicação . Assim como o autor se comunica com o leitor através da história, isso ocorre também entre os personagens. E a comunicação por si só pode se tornar uma força motriz para os eventos do enredo . Sim, uma fala ou uma conversa pode desencadear uma sequência de ações dos personagens. Vamos ver como isso funciona: — Então, seguimos com o plano. Atacamos a torre ao amanhecer. — Espere, você não sabe de tudo. A torre é uma armadilha. — O quê? Como assim? — Descobri que eles esperam por nós. Há explosivos no caminho. Se formos agora, não sairemos vivos. — Por que você não disse isso antes? — Eu precisava ter certeza. Ouvi dizer que há outra entrada, pelos túneis. É nossa única chance. — Túneis? Certo, vamos mudar o plano. Mostre o caminho. No exemplo acima, o segundo personagem tinha uma informação que só poderia ser revelada pelo diálogo. Mesmo que tentasse escrever este trecho na forma de narração, ainda teria um diálogo em forma de discurso indireto. — Por que você não atende mais minhas ligações? O que está acontecendo? — Porque eu precisava de tempo para pensar, só isso. — Pensar sobre o quê? Achei que estávamos bem. — Eu não podia continuar escondendo isso de você. Não é justo. — Escondendo o quê? — Lembra daquela noite em que você estava preso no trabalho? Eu… encontrei o Lucas. — Lucas? Você me disse que ele tinha ido embora. — Ele voltou, e eu… percebi que ainda sinto algo por ele. — Então, é isso? Você vai desistir de nós por alguém do seu passado? — Eu não sei. É isso que eu estava tentando entender. Mas precisava ser honesta com você. Já nesse trecho o que mudou após o diálogo é a relação entre os dois personagens. Veja bem, ultimamente tenho notado muitos perfis de fofoca no Tiktok que se dividem em 2 formatos: Apenas derramam opiniões acerca de um assunto com conteúdo totalmente original. Mesclam opiniões com gravações e evidências editadas. Eu fico é puto com o 1º formato!  Ele não mostra nada do que aconteceu. É tudo de forma indireta apenas pelas conclusões de quem opina. Eu prefiro muito mais fofocas que incluam conteúdos do próprio assunto, como prints, posts e gravações para que eu possa testemunhar com meus próprios olhos e ouvidos. Eu creio que todo mundo odeia a meia fofoca, então por que faríamos isso na escrita? Vamos ver agora essa diferença: Narração: Ele o consolou. Diálogo: — Eu sei que dói, mas você não pode deixar isso consumir você. — Não entende, é como se nada mais importasse. — Importa, sim. Lembra de tudo que você já conquistou? Você é mais forte do que isso. — Eu me sino perdido. — Então deixa que eu te ajude a encontrar o caminho. Você não precisa enfrentar isso sozinho. É mais longo e toma mais tempo do leitor? Sim. Mas veja a diferença que a escolha pela abordagem dialógica do que a narrativa faz. Portanto, a abordagem dialógica é única por sua ênfase na interação verbal e na troca de perspectivas, usando o diálogo não apenas como ferramenta de comunicação, mas como motor para o desenvolvimento das ideias e dos conflitos internos dos personagens. Ela se diferencia de outras abordagens pela maneira como transforma a fala em um espaço de reflexão e de construção de significado, ao invés de apenas uma forma de relatar ou descrever eventos, apesar de poder inseri-los nas falas. Diálogos em narrativas servem a múltiplos propósitos, que podem ser agrupados em funções principais. Essas funções são mais 10 motivos que vou te dar para você inserir diálogos em sua trama. 1. Revelação de Personagem Objetivo: Mostrar quem são os personagens por meio de suas falas, atitudes e interações. Características: Uso de padrões de fala, gírias, tons emocionais, ou informações implícitas. Exemplo: Em Orgulho e Preconceito de Jane Austen, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy revelam suas personalidades por meio de diálogos tensos e cheios de subtexto. 2. Avanço da Trama Objetivo: Fazer o enredo progredir, seja revelando informações cruciais ou introduzindo conflitos. Características: O diálogo frequentemente contém elementos expositivos ou ações implícitas que mudam o curso da narrativa. Exemplo: Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, Hagrid explica a Harry sobre sua origem como bruxo, avançando o enredo para o ingresso no mundo mágico. 3. Criação de Conflito ou Tensão Objetivo: Gerar drama ou tensão emocional entre personagens, aumentando o engajamento do leitor. Características: Uso de desacordos, provocações, segredos revelados ou expectativas frustradas. Exemplo: Em Hamlet de Shakespeare, o diálogo entre Hamlet e sua mãe, Gertrude, é cheio de acusações e tensão psicológica. 4. Exposição do Cenário ou Contexto Objetivo: Apresentar ao leitor informações sobre o mundo da narrativa ou sobre eventos passados. Características: Diálogos expositivos podem ser diretos (explicações claras) ou indiretos (subentendidos). Exemplo: Em O Senhor dos Anéis, Gandalf explica a Frodo o perigo do Um Anel, estabelecendo o pano de fundo para a missão. 5. Criação de Realismo Objetivo: Tornar a história mais autêntica, simulando o ritmo e a cadência da fala humana. Características: Uso de pausas, repetições, interrupções e linguagem coloquial. Exemplo: Diálogos de As Vinhas da Ira de John Steinbeck reproduzem fielmente o sotaque e as expressões da classe trabalhadora nos EUA. 6. Estabelecimento de Relações Objetivo: Explorar e construir as dinâmicas entre os personagens, como amizade, romance, rivalidade, etc. Características: Inclui troca de confidências, provocações ou colaborações que mostram os laços entre personagens. Exemplo: Em O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald, os diálogos entre Gatsby e Nick mostram a complexidade de sua relação. 7. Transmissão de Tema ou Mensagem Objetivo: Inserir no diálogo elementos que reflitam o tema principal da obra ou a mensagem do autor. Características: Conversas filosóficas, debates morais ou declarações que encapsulam o núcleo temático da narrativa. Exemplo: Em Crime e Castigo de Dostoiévski, diálogos entre Raskólnikov e outros personagens debatem temas como culpa, redenção e justiça. 8. Micropersuasão ou Justificação de Ações Objetivo: Convencer o leitor de que certas escolhas ou eventos são plausíveis dentro do contexto narrativo. Características: Falas que explicam ou racionalizam as motivações dos personagens, mesmo que indiretamente. Exemplo: Em Breaking Bad (uma narrativa audiovisual), Walter White frequentemente usa diálogos para justificar suas ações moralmente dúbias. 9. Inserção de Humor ou Alívio Cômico Objetivo: Reduzir a tensão da narrativa, introduzindo um elemento leve ou engraçado. Características: Trocas espirituosas, ironia ou sarcasmo. Exemplo: Os diálogos de Ron Weasley em Harry Potter frequentemente servem como alívio cômico em momentos de tensão. 10. Preparação de Reviravoltas (Foreshadowing) Objetivo: Plantar pistas sutis sobre acontecimentos futuros, preparando o leitor para reviravoltas. Características: Uso de ambiguidades ou falas aparentemente inocentes, mas que ganham significado posteriormente. Exemplo: Em Game of Thrones, os diálogos muitas vezes contêm referências veladas a traições e mortes futuras. Essas funções podem se sobrepor em um único diálogo, dependendo do objetivo do autor. Por exemplo, um diálogo entre dois personagens pode avançar a trama enquanto cria tensão emocional e transmite o tema central da obra. Cada função contribui de forma única para enriquecer a narrativa e engajar o leitor. Aspectos gramaticais nas abordagens As cinco abordagens — narrativa, descritiva, expositiva, persuasiva e dialógica — podem ser analisadas em termos gramaticais com base nas estruturas linguísticas que predominam em cada uma delas. A seguir está uma síntese das características gramaticais de cada abordagem: 1. Abordagem Narrativa: Estruturas verbais:  Uso predominante de tempos verbais no pretérito (passado), como o pretérito perfeito (“ele fez”) e pretérito imperfeito (“ele fazia”), pois a narração geralmente conta eventos passados. Pronomes pessoais:  Os pronomes pessoais do discurso direto (como “eu”, “ele”, “ela”, “eles”) são comuns, para manter o foco nos personagens e em suas ações. Sequência de ações:  A estrutura gramatical reflete uma sequência de acontecimentos, com uso de orações subordinadas temporais (“quando ele chegou, a porta estava aberta”) e orações coordenadas que indicam a progressão dos fatos. Exemplo:  “Ele caminhava pela rua, olhando ao redor, até que viu um vulto se aproximando.” 2. Abordagem Descritiva: Adjetivos e advérbios:  Há um uso intensivo de adjetivos e advérbios para qualificar e caracterizar os elementos descritos. Exemplos: “grande”, “sombrio”, “lentamente”, “delicadamente”. Substantivos concretos e abstratos:  A abordagem foca em descrever objetos, ambientes e estados, usando substantivos para caracterizar cenas ou sentimentos de forma detalhada. Frases nominalizadas:  As frases muitas vezes se concentram mais em qualidades e características do que em ações, o que resulta em nominalizações ou orações adjetivas (“o céu nublado”, “a cor da madeira”). Exemplo:  “O jardim estava repleto de flores coloridas, cujas pétalas dançavam suavemente com a brisa.” 3. Abordagem Expositiva: Frases claras e objetivas:  Uso de orações declarativas, com um foco na explicação e esclarecimento de ideias. Há também o uso de conectivos lógicos como “portanto”, “por exemplo”, “assim”, “porque”. Construções sintáticas:  Estruturas sintáticas simples ou compostas são usadas para expor e organizar a informação de forma didática, com ênfase na clareza e na objetividade. Vocabulário técnico ou conceitual:  Frequentemente utiliza-se termos técnicos ou precisos, dependendo do campo de conhecimento. Exemplo:   “No coração das Terras Cinzentas, a magia opera segundo um princípio conhecido como o Fluxo Arcano. Esse fluxo é uma energia invisível que permeia todas as coisas vivas e inanimadas. Assim, magos habilidosos conseguem canalizar o Fluxo ao conjurar feitiços, utilizando palavras antigas e gestos específicos. Por exemplo, o feitiço de iluminação, 'Luxen', manipula o Fluxo para criar luz em locais sombrios. No entanto, o uso excessivo dessa energia pode desequilibrar a harmonia natural do mundo, porque o Fluxo é finito e sua regeneração depende do ciclo lunar. Portanto, magos aprendem a usá-lo com cuidado, evitando consequências desastrosas.” 4. Abordagem Persuasiva: Apelos emocionais:  Uso de vocabulário emotivo para evocar reações emocionais no receptor, como adjetivos e verbos que expressam sentimentos intensos ou urgência (“urgente”, “desesperado”, “você não pode perder”). Estrutura argumentativa:  A construção de argumentos que visam convencer, com ênfase em orações causais (“Porque você precisa”, “Se você não fizer, isso vai acontecer”). Imperativos:  Frequentemente, o discurso persuasivo é marcado por imperativos, que buscam incitar ação diretamente no receptor (“Aja agora!”). Exemplo:  “Não posso perder essa chance! Só eu posso mudar minha vida para melhor, e este é o momento!” 5. Abordagem Dialógica: Troca de falas:  A estrutura de diálogo é predominante, com intercâmbio direto entre os personagens. Frequentemente, as falas são curtas e diretas, com pouco uso de interjeições. Uso de perguntas e respostas:  O foco está na interatividade, com muitos questionamentos e respostas que revelam o pensamento dos personagens. Isso pode incluir frases como “Por quê?” ou “O que você quer dizer com isso?”. Pronomes de tratamento e vocativos:  Os pronomes pessoais e vocativos são usados para criar intimidade e destacar a relação entre os personagens, além disso indicar o próximo interlocutor para o leitor. Interjeições:  característica da língua falada, as interjeições aparecem com mais frequência nos diálogos. Travessão ou marca de discurso direto:  faz-se sempre necessário a sinalização do discurso direto de forma unânime na obra. Exemplo:  “— Você sabia que ela estava voltando?— Sim, mas não pensei que fosse tão cedo.” Essas abordagens podem se sobrepor ou se misturar, mas cada uma delas possui características gramaticais que definem sua estrutura e função principal na comunicação. A narrativa, por exemplo, busca movimentar a ação; a descritiva, detalha e qualifica o ambiente ou personagens; a expositiva esclarece e ensina; a persuasiva incita a ação; e a dialógica envolve a interação entre os personagens, criando um espaço de troca e desenvolvimento. Estrutura de Parágrafos Construindo um parágrafo peça a peça Agora que já conhecemos os ingredientes (abordagens) que vamos colocar em nossos parágrafos, vamos estudar agora a como colocar tais ingredientes em seus devidos lugares. A estrutura paragrafal na ficção é fascinante porque é extremamente flexível, mas ainda assim segue princípios que ajudam a narrativa a fluir de forma coesa e envolvente. A parte interessante é que no nosso ramo não temos a clássica do começo, meio e fim, mas temos sim 3 partes do parágrafo em que temos que trabalhar. E vamos começar a falar pelo Tópico Frasal que já mencionei antes. 1. O Tópico Frasal O tópico frasal é como o “coração” do parágrafo — ele indica a ideia central ou o propósito daquele trecho. A nossa escolha após tê-lo feito naqueles 3 passinhos do começo é decidir onde colocá-lo: Explícito no começo: O parágrafo já começa com a ideia principal bem definida. Exemplo: “A floresta era perigosa.” Aqui, o leitor já sabe que o parágrafo provavelmente detalhará essa ideia, seja narrando um evento na floresta, descrevendo o perigo ou explicando por que ela é temida. Implícito: O parágrafo não declara a ideia principal, mas a constrói gradualmente, forçando o leitor a inferir. Exemplo: “As árvores estavam curvadas, como se carregassem um peso invisível. Cada som ecoava, multiplicando a sensação de que algo estava errado.” O tópico aqui é “a floresta é assustadora”, mas ele não é dito diretamente. Lembra do parágrafo do Bruno derrotando um bandido no beco? “O beco escuro era um labirinto de sombras, com lixo amontoado e ratos correndo entre os pés de Bruno. O suor escorria pela sua testa enquanto ele avançava cautelosamente, apertando a faca na mão. Um barulho metálico ecoou no silêncio, e Bruno se agachou atrás de uma caixa de lixo enferrujada. Um vulto surgiu da escuridão, empunhando um cassetete. Bruno saltou, esquivando-se do golpe e acertando um chute no estômago do bandido. O homem dobrou-se de dor, e Bruno aproveitou para desferir um golpe certeiro na têmpora. O bandido caiu no chão inconsciente. Bruno respirou fundo, e o coração batia descompassado.” A ausência de tópico frasal aqui é justamente por causa da sequência de ações que muda o significado a cada frase e não pode ser revelado pelo suspense. No meio ou no fim: Às vezes, o tópico surge após alguma contextualização, ou aparece no fim para surpreender o leitor. Exemplo: “Eles caminhavam há horas, atentos a cada movimento entre os galhos. Então viram os olhos — dezenas deles, brilhando na escuridão.” O tópico aqui — “há algo perigoso na floresta” — só é revelado no fim. 2. O Desenvolvimento Essa é a parte mais longa e trabalhada do parágrafo, onde o escritor dá suporte à ideia principal. No desenvolvimento, você pode: Narrar eventos:  “O primeiro passo foi hesitante, mas logo a adrenalina os fez correr pela trilha sinuosa.” Descrever detalhes:  “O chão estava coberto por folhas podres, e um cheiro ácido pairava no ar.” Expor explicações ou reflexões:  “Era comum ouvir histórias de viajantes desaparecidos. Alguns acreditavam que a floresta era assombrada.” O desenvolvimento é onde a abordagem (narrativa, descritiva, expositiva ou persuasiva) realmente brilha. 3. A Conclusão A conclusão de um parágrafo na ficção não é tão formal como em textos acadêmicos, mas é essencial para a fluidez da leitura. Ela pode: Fechar o assunto:  “Eles seguiram o caminho de volta, certos de que nunca mais retornariam àquele lugar amaldiçoado.” Criar suspense:  “Mas, enquanto saíam, algo os observava de dentro da escuridão.” Conectar com o próximo parágrafo:  “Era apenas o começo de uma jornada que mudaria suas vidas para sempre.” Essa parte dá ao leitor uma sensação de fechamento ou impulso para continuar. Ela não precisa ser exatamente uma frase completa e pode inclusive ser parte do tópico frasal. Inclusive pode ser fragmentada. “Ele correu pela trilha; o som de passos o perseguindo; o vento frio cortando sua pele como navalhas. A lua cheia iluminava o caminho, mas não o suficiente para revelar o que se movia entre as árvores. Havia um sussurro, quase humano, mas inumano. Algo estava próximo. Tão próximo que ele sentiu o calor de sua respiração antes de…” Um parágrafo com conclusão fragmentada pode criar suspense, mistério ou ambiguidade ao deixar ideias inacabadas ou pistas para o leitor completar mentalmente. Por que essa estrutura é tão livre na ficção? Como disse anteriormente, na ficção em geral a estrutura dos parágrafos não seguem necessariamente a ordem em que o tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão se apresentam. A ficção é mais livre do que textos técnicos porque precisa criar emoção, não apenas transmitir informações. Por isso, escritores podem brincar com essas partes para criar efeitos narrativos. Um parágrafo pode começar com desenvolvimento, seguido da conclusão e finalizar com o tópico frasal. A ordem na estrutura paragrafal não é rígida. “A noite era silenciosa, mas cheia de promessas sombrias. Ele andava rápido, sentindo que o peso de suas escolhas o seguia, invisível, mas constante. Cada passo parecia um eco de seus próprios arrependimentos.” Você já sabe agora identificar cada uma das abordagens presentes no parágrafo acima, mas saberia identificar o tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão dele? Saberia identificar a ideia desse parágrafo? Esse parágrafo utiliza a abordagem narrativa , introduzindo elementos descritivos e persuasivos. O tópico frasal  é "Ele andava rápido...", desenvolvido em "Cada passo ecoava seus arrependimentos". A frase inicial, "A noite era silenciosa...", atua como introdução e conclusão, conectando som e distância. O som evolui gradualmente: do silêncio da noite ao eco dos passos. Paralelamente, a perspectiva se estreita: do ambiente ao personagem, culminando em sua introspecção. Isso justifica a ordem. A estrutura de um parágrafo influencia como o leitor experimenta a história. Parágrafos bem construídos criam ritmo, enfatizam momentos importantes e garantem que o leitor esteja emocionalmente engajado . Além disso, essa flexibilidade permite ao autor controlar como as informações são reveladas, aumentando o impacto da narrativa. No fim, pense no parágrafo como uma peça de um quebra-cabeça maior: ele tem seu propósito único, mas precisa se conectar harmoniosamente ao que vem antes e depois. Composição de Parágrafos Desconstruindo o parágrafo Além das 3 partes de um parágrafo, a estrutura de um parágrafo não se define apenas com a ordem ou presença delas. Assim teríamos que, nós escritores, nos virar nos 30 para desenvolvermos e concluirmos cada um dos milhares de parágrafos que escrevemos. Mas, sim, temos que ter essa habilidade bem desenvolvida, porém com mais alguns truques na manga para nos auxiliar. A variação estrutural de parágrafos contribui para a fluidez e ritmo narrativo, sendo uma ferramenta que os autores utilizam para manipular o fluxo de ideias. A estrutura pode ser classificada como completa, fragmentada, distribuída ou encadeada, com base em como a ideia central (tópico frasal, desenvolvimento e conclusão) é organizada e apresentada. O Parágrafo Completo Um parágrafo que contém completamente um tópico frasal, um desenvolvimento e uma conclusão é o que chamamos de parágrafo completo. Ele é um texto autossuficiente , digno de printar e mostrar para seus amigos. “Carlos não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. A proposta de demissão voluntária pegou todos de surpresa, mas, para ele, o choque foi ainda maior. Afinal, investira os últimos dez anos da sua vida naquela empresa, sacrificando finais de semana, feriados e até aniversários de família. Sentiu uma mistura de raiva e frustração, mas logo percebeu que essa era a chance que precisava para finalmente abrir seu próprio negócio. Pela primeira vez em muito tempo, ele enxergou o desconhecido não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de recomeçar.” Tópico Frasal:  “Carlos não conseguia acreditar no que acabara de ouvir.” Introduz o conflito central do parágrafo: a surpresa de Carlos ao ouvir a proposta de demissão. Desenvolvimento:  “A proposta de demissão voluntária pegou todos de surpresa (…) investira os últimos dez anos da sua vida naquela empresa (…)” Aprofunda o contexto, desenvolvendo as emoções de Carlos e o impacto da situação, com detalhes do seu comprometimento profissional. Conclusão:  “Pela primeira vez em muito tempo, ele enxergou o desconhecido não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de recomeçar.” Fecha o parágrafo com uma reflexão e uma mudança de perspectiva, conectando a ideia inicial à resolução. Esse parágrafo funciona como uma unidade independente , com começo, meio e fim. Ele introduz um conflito, desenvolve as emoções e termina com uma resolução, criando um ciclo narrativo completo dentro de apenas um parágrafo. Porém, nem toda obra se faz com apenas parágrafos completos. O Parágrafo Fragmentado Já mencionei antes o parágrafo fragmentado, em que uma das partes é cortada de propósito para criar um efeito, seja de suspense ou qualquer outro propósito. Vamos ver outro exemplo disso: “Ela abriu a porta lentamente, o rangido ecoando pela casa vazia. Um cheiro acre de mofo e algo mais — algo metálico — enchia o ar. As luzes não acendiam. Seu coração batia descompassado. Ela deu mais um passo, os dedos trêmulos tocando a parede fria. Um ruído veio de cima. Passos? Não, era algo mais pesado… algo que se arrastava. Ela parou, prendeu a respiração e, de repente, ouviu.” A fragmentação na conclusão interrompe o fluxo natural da narrativa e gera um momento de tensão máxima, incentivando o leitor a continuar para descobrir o que acontece em seguida. Esse tipo de construção é frequentemente usado em cenas de terror, suspense ou mistério. Os parágrafos fragmentados apresentam a ideia central em uma estrutura quebrada e não linear. Há interrupções deliberadas na progressão, criando suspense, ritmo acelerado ou dramaticidade. Não é somente cortar o final, mas também repensar na estrutura toda do parágrafo para que a fragmentação contribua com o tom da cena e o propósito. “Ele entrou na sala. Fria. Escura. As sombras dançavam nas paredes.O coração dele batia forte.Algo estava errado.” A ideia aqui é dividida em sentenças curtas, frequentemente em frases e parágrafos menores, deixando lacunas para o leitor. Vou deixar claro que deve-se ter muito cuidado ao utilizar cada uma dessas variações estruturais, pois cada uma deve ter um porquê de ser usado, não podendo usar desenfreadamente, senão perderia o efeito de contraste  (👈 como esse negrito) e perderá seu propósito. Os Parágrafos Distribuídos Nos parágrafos distribuídos, a estrutura de uma única ideia é dividida entre dois ou mais parágrafos, sendo que o tópico frasal, desenvolvimento e conclusão podem aparecer em parágrafos diferentes. “Naquele momento, ele decidiu que não voltaria atrás. Tudo ao seu redor parecia conspirar contra ele: os olhos acusadores, as vozes murmurando, o peso nas costas que aumentava a cada passo. Ainda assim, continuou. Não importavam as consequências. Ele já havia escolhido seu caminho.” A ideia agora se divide entre parágrafos, criando espaçamento na apresentação da informação e permitindo inclusão de outras informações ou elementos entre as partes. É uma técnica excelente para narrativas com ritmo pausado ou reflexivo, permitindo aprofundamento e nuances. “Mariana observava os números no extrato bancário. Era um cenário que se repetia mês após mês: entradas escassas, saídas excessivas e o saldo sempre no limite do negativo. Tentava se convencer de que aquilo era normal, que todos passavam por apertos financeiros de vez em quando. Mas, no fundo, ela sabia que algo precisava mudar. O medo de fracassar e a falta de coragem a paralisavam, deixando-a naquele ciclo interminável. Não podia continuar assim.” Colocar a conclusão em um parágrafo separado cria um impacto dramático, dando ênfase à inevitabilidade da mudança e destacando a urgência do momento. Esse formato quebra a expectativa do leitor, deixando a ideia final ressoar com mais força, como se fosse um pensamento definitivo e inevitável, convidando a continuar a leitura. Os Parágrafos Encadeados Esses são um conjunto coeso no qual uma mesma ideia é desenvolvida ao longo de vários parágrafos, avançando de forma contínua e progressiva. Diferente dos distribuídos, os encadeados têm suas partes conectadas sem lacunas perceptíveis. “O capitão ergueu a espada, observando o horizonte. A batalha se aproximava, e ele podia sentir o cheiro de pólvora no ar. O navio inimigo surgia lentamente com suas velas rasgadas pelo vento. Gritos ecoaram no convés, enquanto os marinheiros corriam para suas posições. Quando o primeiro tiro de canhão rugiu, o capitão sorriu. Não havia mais volta.” Aqui a ideia avança linearmente através de parágrafos consecutivos, mantendo a coesão e continuidade da narrativa. É ideal para cenas de ação contínua, descrições longas ou desenvolvimento progressivo de uma situação. Alternar entre completos, fragmentados, distribuídos e encadeados oferece ao autor uma maneira de controlar o ritmo e a complexidade da narrativa, mantendo o leitor envolvido. Essa variação permite uma escrita dinâmica e adaptada ao propósito narrativo de cada cena ou momento. Os 4 Princípios do Parágrafo Apesar de eu estar sempre dizendo que na ficção é diferente, que na novel é tudo liberado, ainda há 4 princípios comuns a todos os parágrafos bem feitos em qualquer gênero textual. São eles: 1. Unidade Todo o texto de um parágrafo deve estar unido sob a mesma bandeira de um tópico , um tema , uma ideia . Em parágrafos normais e padrões, isso se dá através do tópico frasal  no começo, ou período tópico , em que é necessário que "uma frase" inicie o parágrafo indicando o tópico daquele parágrafo. E então todo o resto do texto detalha esse tópico. Como eu expus na seção anterior, não há uma obrigação do tópico frasal iniciar o parágrafo, e agora digo que tampouco o resto do parágrafo se trataria do detalhamento do tópico. É aí que mora a liberdade na escrita criativa. A unidade do parágrafo não é hierárquico em que tudo é subordinado ao tópico frasal, mas deve ser considerado que, ao analisar no final, tudo colaborou a favor do tópico. Vamos ver alguns exemplos de como podemos manipular a estrutura do parágrafo mantendo a unidade paragrafal: 1. Tópico Frasal no Meio do Parágrafo "Os gritos ecoavam pelos corredores, misturando-se ao som das sirenes. Cada passo de Clara parecia mais pesado, mais incerto. Afinal, fugir não era sua especialidade, mas naquele momento, era sua única escolha. Ela precisava escapar." O parágrafo começa com detalhes sensoriais e ações, mas o tópico central implícito, "Clara tentava escapar", surge no meio. As frases iniciais e finais se alinham ao tópico, sem subordiná-lo. Esse exemplo reforça o que foi dito na seção anterior. 2. Parágrafo em Suspense com Tópico Implícito "A faca estava sobre a mesa. A janela, entreaberta. O relógio na parede marcava meia-noite. E o silêncio? Ele era ensurdecedor." Não há uma frase explícita que funcione como tópico frasal. O tópico implícito, "uma atmosfera de tensão", emerge da combinação dos detalhes aparentemente desconexos. 3. Conclusão como Tópico Frasal "Eles finalmente chegaram. Depois de horas enfrentando o frio e os ventos cortantes, o abrigo estava diante deles. Nada mais importava agora — o pior havia ficado para trás." O tópico, "Eles finalmente chegaram", é a conclusão, e todo o parágrafo cria um contexto emocional e físico que culmina nesse ponto. 4. Tópico Focado em Reflexão "A chave estava na mão dele, e isso deveria bastar. Mas será que bastava? O peso da decisão não estava na porta que abriria, mas no que ficaria para trás." O parágrafo mistura ação e reflexão, onde o tópico, "o peso da decisão", é explorado de forma indireta e introspectiva. 5. Contraposição ao Tópico no Início "Ela não queria lutar. Cada fibra do seu ser desejava fugir daquele lugar. Mas ali estava ela, espada em punho, encarando o inimigo como se não tivesse escolha." O tópico frasal, "Ela não queria lutar", é contradito pelas ações subsequentes, criando um contraste que reforça a unidade do parágrafo. 6. Detalhamento no Começo e Tópico no Fim "O calor era sufocante, o ar pesado. As árvores ao redor bloqueavam qualquer brisa. O chão estava seco, rachado. Nada se movia. Era o tipo de lugar onde a esperança ia para morrer." O parágrafo inicia com detalhes descritivos e só revela o tópico frasal na conclusão, "o tipo de lugar onde a esperança ia para morrer." 7. Tópico Deslocado e Fragmentação "Primeiro, o som de passos. Depois, o tilintar de metal. Por último, a respiração ofegante atrás da porta. Não havia dúvida: alguém estava ali." O tópico frasal, "alguém estava ali", aparece no final, enquanto os fragmentos constroem a tensão que conduz ao tópico. 8. Ação em Vez de Declaração "Correu. Não olhou para trás. Os galhos arranhavam sua pele, e a escuridão parecia apertar ao seu redor. Não havia como parar agora." O parágrafo transmite o tópico "uma fuga desesperada" sem declará-lo explicitamente. As ações unificam o texto sob o mesmo propósito. 9. Unidade por Contraste e Repetição "Não havia mais ninguém. O salão vazio ecoava a ausência. E, ainda assim, ele podia sentir os olhos invisíveis, observando, esperando, julgando." O tópico implícito, "a sensação de ser observado", é construído por contraste com a ideia inicial de solidão e reforçado pela repetição de "observando, esperando, julgando." 10. Reflexão Filosófica com Unidade Sutil "O tempo não para. Mas para ela, naquele momento, parecia congelado. Talvez porque, às vezes, o tempo não é sobre segundos ou minutos, mas sobre escolhas. E a escolha dela estava à espera." O tópico frasal, "a escolha dela estava à espera", surge no fim, enquanto as reflexões criam um pano de fundo filosófico que sustenta o parágrafo. Esses exemplos mostram que, mesmo com estruturas menos tradicionais, a unidade de um parágrafo pode ser mantida desde que todos os elementos colaborem com o tópico, seja ele explícito ou implícito. A liberdade na escrita criativa permite brincar com essas possibilidades. 2. Ordem Ordem refere-se à maneira como você organiza as informações nas frases que compõem o seu parágrafo. Quer você escolha ordem cronológica, ordem de importância ou outra apresentação lógica de detalhes, um parágrafo sólido sempre tem uma organização definida. Em um parágrafo bem ordenado, o leitor acompanha facilmente a história, auxiliado pelo padrão que você estabeleceu. A ordem ajuda o leitor a entender seu significado e evitar confusões. Quando se utiliza, por exemplo, ordem direta ou indireta nas orações, você está organizando a ordem em que o sujeito e o objeto aparecem para o leitor. Você pode começar o parágrafo com informações que o leitor já conhece e ir adicionando informações novas no decorrer do parágrafo. Você também pode falar de coisas triviais que possam gerar expectativa para o que você vai apresentar no final do parágrafo. A ordem é você como autor que irá definir de acordo com como quer apresentar ao público. Vejamos alguns exemplos de como podemos controlar a ordem dentro de um parágrafo: 1. Ordem Cronológica Organiza os eventos na sequência em que ocorreram. "Amanhecia quando Lucas saiu de casa. Ele atravessou o parque vazio, sentindo a brisa fresca no rosto. Pouco depois, entrou na cafeteria da esquina, onde tomou um café forte para começar o dia." A ordem segue o fluxo natural do tempo, do amanhecer até o momento em que Lucas toma café. 2. Ordem de Importância Apresenta informações começando do menos importante ao mais significativo, ou vice-versa. "Os corredores estavam silenciosos, exceto pelo som de passos distantes. A luz das lâmpadas piscava intermitentemente, aumentando a tensão. Mas o que realmente chamou sua atenção foi a porta aberta no final do corredor, de onde vinha uma leve brisa e um brilho estranho." Detalhes menores (sons, luzes) são apresentados primeiro, culminando no detalhe mais importante (a porta aberta). 3. Ordem Direta (Sujeito antes do Objeto) Coloca o sujeito no início da frase, seguido pelo objeto. "Maria segurou a carta com firmeza. A mensagem escrita à mão trazia uma decisão que mudaria tudo. Ela dobrou o papel cuidadosamente e o guardou no bolso." As frases seguem a estrutura direta, com o sujeito realizando as ações (Maria -> segurou, dobrou, guardou). 4. Ordem Indireta (Objeto antes do Sujeito) Coloca o objeto ou o foco no início, seguido pelo sujeito. "A carta, Maria segurou com firmeza. O papel, ela dobrou cuidadosamente e o guardou no bolso. A decisão escrita ali, ela não poderia ignorar." A inversão de sujeito e objeto muda o foco para os itens (carta, papel, decisão) antes de introduzir a ação. 5. Ordem do Conhecido para o Novo Começa com informações que o leitor já conhece, introduzindo novos elementos gradualmente. "Os guardas já estavam acostumados com os gritos vindos das masmorras. Mas naquela noite, algo diferente aconteceu: os gritos cessaram abruptamente, substituídos por um silêncio ensurdecedor que deixou todos em alerta." Inicia com um contexto familiar (gritos), adicionando o elemento novo (o silêncio) que quebra a expectativa. 6. Ordem do Trivial ao Impactante Começa com detalhes simples e termina com algo que chama atenção. "As velas estavam acesas, iluminando a sala com uma luz suave. Na mesa, um caderno de capa preta permanecia aberto. No entanto, o que realmente perturbava era a sombra que se movia sozinha na parede." Pequenos detalhes (velas, caderno) constroem o ambiente, culminando no elemento mais intrigante (a sombra). 7. Ordem Circular O parágrafo termina retornando à ideia inicial. "Ele começou o dia no café de sempre, olhando pela janela enquanto tomava seu expresso. Ao longo do dia, encontrou amigos, enfrentou reuniões intermináveis e caminhou pela cidade. No fim da tarde, como sempre, voltou ao mesmo café, onde observou o pôr do sol com seu segundo expresso." O parágrafo começa e termina no mesmo ponto (o café), reforçando uma sensação de ciclo. 8. Ordem Contraposta Alterna informações contrastantes para criar tensão. "A sala estava limpa e organizada, mas o cheiro de algo queimado pairava no ar. O tapete parecia novo, exceto pela mancha escura no centro. Tudo parecia perfeito, mas havia algo profundamente errado naquele lugar." A alternância entre o normal e o estranho gera contraste e mantém o interesse. 9. Ordem por Expectativa Cria uma sequência que gera curiosidade ou antecipação. "Primeiro, ele ouviu o clique da porta. Depois, o som abafado de passos no corredor. Finalmente, a maçaneta girou lentamente, e a porta se abriu." A progressão dos detalhes aumenta a expectativa, levando a um clímax no final. 10. Ordem Inversa Apresenta primeiro o resultado, depois explica os detalhes. "O quadro estava em pedaços no chão. Havia tinta espalhada pelas paredes e o cheiro de solvente era forte. Tudo isso começou quando alguém, sem querer, esbarrou no cavalete durante a exposição." O parágrafo começa com o resultado (quadro quebrado) e depois explica as causas, criando curiosidade no leitor. Essas variações de ordem permitem que o autor manipule o ritmo, a curiosidade e a atenção do leitor, enriquecendo a experiência narrativa. 3. Coerência Coerência é a qualidade que torna sua escrita compreensível. As frases e palavras dentro de um parágrafo precisam se conectar umas às outras e trabalhar juntas como um todo. Um dos truques para alcançar a coerência é usar palavras de transição. Não, não estou falando de conectivos, mas de palavras que possam relacionar um elemento de uma frase com o elemento de outra. Quando o próprio texto não demonstra a relação entre uma frase e outra, essas palavras de transição podem auxiliar. Além disso, ao escrever um parágrafo, usar um tempo verbal consistente e um ponto de vista são ingredientes importantes para a coerência. Deve também se tomar cuidado ao adotar técnicas de estilística, sem as saber executar bem, podendo causar erros de interpretação. Enfim, a coerência de um parágrafo diz respeito ao alinhamento entre o que o autor queria transmitir  com o que o leitor poderia compreender . Vamos aos exemplos: 1. Palavras de Transição para Ordem Temporal ✔️ "Ela abriu o caderno e revisou os rascunhos da noite anterior. Depois disso, apagou algumas frases e acrescentou novas ideias. Finalmente, satisfeita, fechou o caderno e guardou-o na prateleira." Por que funciona:  As palavras de transição ("depois disso", "finalmente") ajudam a organizar as ações em ordem temporal, facilitando o entendimento do leitor. ❌ "Ela abriu o caderno. Apagou algumas frases. Acrescentou novas ideias. Fechou o caderno." Por que não funciona:  A ausência de palavras de transição deixa as ações desconectadas, dificultando a compreensão do fluxo das atividades. Isso até pode ser considerado um efeito estilístico, mas há de se considerar a intencionalidade, e com certeza ficaria melhor em um único período. 2. Relações Espaciais ✔️ "A mesa estava no centro da sala, coberta com papéis e cadernos. À direita, uma pilha de livros quase caía. Acima da mesa, uma luminária pendia, projetando luz sobre o caos organizado." Por que funciona:  As palavras referenciais ("à direita", "acima") ajudam a criar um mapa mental do espaço descrito, conectando os elementos entre si. ❌ "A mesa estava no centro da sala. Uma pilha de livros quase caía. Uma luminária projetava luz." Por que não funciona:  A falta de relações espaciais deixa os objetos desconectados, dificultando a visualização do ambiente. O leitor pode preencher essas lacunas com imaginação, mas, se algum objeto desses faz parte do enredo e sua posição importa, o próprio autor tem a obrigação de preencher. 3. Relações Lógicas ✔️ "João estudou o mapa atentamente. De fato, ele sabia que qualquer erro de cálculo poderia custar caro. Além disso, a travessia era perigosa, exigindo precisão absoluta." Por que funciona:  Expressões como "de fato" e "além disso" conectam as frases, estabelecendo uma relação de causa e consequência. ❌ "João estudou o mapa atentamente. Ele sabia que qualquer erro poderia custar caro. A travessia era perigosa." Por que não funciona:  A relação entre as frases não está clara, e o parágrafo perde fluidez lógica. 4. Tempo Verbal Consistente ✔️ "Ana caminhava pela praia enquanto o sol se punha. O vento soprava suavemente, trazendo o cheiro de sal. Ela pensava em como aquele lugar sempre lhe trazia paz." Por que funciona:  O uso do pretérito imperfeito em todas as frases mantém a consistência temporal. ❌ "Ana caminhava pela praia enquanto o sol se punha. O vento sopra suavemente, trazendo o cheiro de sal. Ela pensava em como aquele lugar sempre trouxe paz." Por que não funciona:  A troca de tempos verbais (pretérito para presente) quebra a coerência, confundindo o leitor. Esta troca não teve nenhuma justificativa, como troca de abordagem ou mudança de referência temporal. 5. Ponto de Vista Consistente ✔️ "Lucas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Suas mãos tremiam, e ele mal ouvia os outros conversando. 'Eu preciso sair daqui', pensou ele." Por que funciona:  O ponto de vista em terceira pessoa permanece consistente ao longo do parágrafo. ❌ "Lucas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Suas mãos tremiam. 'Preciso sair daqui', pensei eu." Por que não funciona:  A mudança abrupta para a primeira pessoa quebra o ponto de vista, prejudicando a coerência. 6. Coerência sem Palavras de Transição ✔️ "O sol estava alto no céu. A areia queimava os pés de Clara enquanto ela caminhava até a água. Quando chegou à beira do mar, mergulhou sem hesitar." Por que funciona:  Mesmo sem conectores explícitos, as ações estão dispostas de forma lógica, garantindo a compreensão. ❌ "O sol estava alto no céu. Clara caminhava. Mergulhou na água." Por que não funciona:  A falta de conexão lógica entre as ações cria lacunas no entendimento. 7. Técnicas de Estilística Bem Executadas ✔️ "No início, silêncio absoluto. Depois, o som de passos. Por fim, um grito cortou o ar, rasgando o que antes parecia eterno." Por que funciona:  A estrutura fragmentada e as frases curtas criam uma tensão crescente, alinhando estilo e propósito. ❌ "No início havia silêncio. Depois, passos. Um grito cortou o ar. Antes, parecia eterno." Por que não funciona:  A desordem nas frases e a tentativa de estilização sem propósito quebram a coerência. 4. Completude Completude significa que um parágrafo está bem desenvolvido. Se todas as frases apoiarem de forma clara  e suficiente  a ideia principal , seu parágrafo estará completo. Se não houver frases ou informações suficientes para concluir o que você se propôs a apresentar no parágrafo, o parágrafo está incompleto. Isso de nada tem a ver com completar a história, mas somente da fração que você escolheu mostrar ou contar naquele trecho. Se você escolheu descrever um personagem naquele parágrafo, o personagem deve ser totalmente descrito ali e não continuar em outro. Você pode optar por descrever somente os olhos do personagem ou apenas seus trejeitos. Como dito na Unidade, a escolha do tópico frasal é importante nesse caso também, podendo optar por descrever algo mais amplo ou mais específico. É importante que você defina um escopo, uma delimitação clara do que irá escrever, senão irá necessitar de muitas linhas para poder concluir. O que é possível de se fazer é que um parágrafo complemente a informação de outro parágrafo. No entanto, cada parágrafo deve ter sua ideia concluída, não necessitando que parágrafos anteriores ou posteriores sejam lidas para que se compreenda os sentidos. Tudo deve confluir para reforçar o seu tópico frasal, e não divagá-lo. Isso de maneira alguma exclui a necessidade do contexto. O importante aqui é a compreensão do trecho e não da história como um todo. Vamos aos exemplos: 1. Parágrafo Descritivo Completo ✔️ "Joana tinha olhos de um azul intenso, como o céu em dias claros. Suas sobrancelhas eram finas, arqueadas como se desenhadas à mão. O nariz pequeno e delicado dava-lhe uma expressão quase angelical, enquanto os lábios, rosados e ligeiramente curvados para cima, pareciam estar sempre a ponto de sorrir." Por que funciona:  A descrição foca inteiramente no rosto de Joana, com detalhes suficientes para concluir a ideia dentro do escopo delimitado. ❌ "Joana tinha olhos de um azul intenso e sobrancelhas finas. Seus lábios pareciam sempre a ponto de sorrir." Por que não funciona:  O parágrafo carece de detalhes para concluir a descrição, omitindo informações que deixariam o retrato completo. 2. Parágrafo Narrativo Completo ✔️ "Lucas entrou na sala, olhou ao redor e percebeu que algo estava errado. O silêncio era absoluto, e a luz piscava intermitentemente. Ele se aproximou da mesa, onde viu um envelope com seu nome. Ao abrir, encontrou uma mensagem que o fez recuar, com as mãos tremendo." Por que funciona:  O parágrafo narra uma ação específica (a entrada de Lucas e a descoberta do envelope) e conclui com uma reação, sem deixar lacunas. ❌ "Lucas entrou na sala e percebeu algo errado. Havia um envelope com seu nome. Ele o abriu." Por que não funciona:  A narrativa é rasa e deixa várias lacunas (o que estava errado? O que ele sentiu ao abrir o envelope?). 3. Parágrafo Reflexivo Completo ✔️ "Ela pensava em como a vida parecia injusta às vezes. Havia se esforçado tanto, e, no entanto, os resultados pareciam não vir. Era como se cada passo para frente fosse seguido por dois para trás. Mas, no fundo, sabia que desistir não era uma opção. Precisava seguir em frente." Por que funciona:  A reflexão está bem delimitada e concluída dentro do escopo do parágrafo, sem depender de informações externas. ❌ "Ela pensava em como a vida era injusta. Mesmo se esforçando, os resultados não apareciam. Mas ela precisava seguir." Por que não funciona:  A reflexão não é desenvolvida de forma satisfatória, carecendo de maior profundidade e fechamento. 4. Escopo Amplo, mas Completo ✔️ "A biblioteca era um lugar mágico. Fileiras e mais fileiras de livros antigos criavam corredores que pareciam não ter fim. O cheiro de papel envelhecido e couro impregnava o ar, trazendo uma sensação de nostalgia. As mesas, polidas e bem cuidadas, brilhavam sob a luz suave dos lustres. Tudo ali parecia convidar à exploração e ao aprendizado." Por que funciona:  A descrição cobre todos os elementos principais do ambiente da biblioteca, concluindo a ideia. ❌ "A biblioteca era um lugar mágico, cheia de livros antigos. As mesas brilhavam sob a luz suave. Tudo parecia convidativo." Por que não funciona:  A descrição é incompleta, omitindo detalhes importantes que ajudariam a criar uma imagem mais rica. 5. Escopo Específico, mas Completo ✔️ "Os olhos do gato eram impressionantes. Verdes como esmeraldas, refletiam a luz de uma forma quase hipnótica. As pupilas negras, verticais e precisas, dilatavam-se conforme ele observava o movimento ao redor." Por que funciona:  A descrição se limita aos olhos do gato e os detalha de forma completa. ❌ "Os olhos do gato eram verdes e refletiam a luz. Suas pupilas se dilatavam." Por que não funciona:  Apesar de focar nos olhos, o parágrafo não traz informações suficientes para desenvolver a ideia de forma completa. 6. Complemento entre Parágrafos ✔️ "Joana era uma figura peculiar. Seus olhos azuis intensos e os cabelos longos chamavam atenção, mas eram seus trejeitos que realmente a diferenciavam. Ela movia as mãos constantemente enquanto falava, como se desenhasse no ar. Seu riso, suave e contagiante, parecia iluminar qualquer ambiente." Por que funciona:  Cada parágrafo tem uma ideia concluída (aparência e trejeitos), mas juntos constroem uma visão completa de Joana. ❌ "Joana era uma figura peculiar. Seus olhos azuis chamavam atenção. Seus trejeitos eram diferenciados." Por que não funciona:  A informação está fragmentada, sem desenvolvimento suficiente em cada parágrafo. 7. Reflexão Incompleta ✔️ "O fim da jornada trazia uma mistura de alívio e melancolia. Tudo o que haviam enfrentado parecia valer a pena, mas a sensação de vazio era inegável. Talvez fosse o preço a se pagar por grandes conquistas." Por que funciona:  A reflexão é bem desenvolvida e encerra a ideia apresentada. ❌ "O fim da jornada trazia alívio. Era o preço a pagar por grandes conquistas." Por que não funciona:  A reflexão é rasa e não explora as emoções de forma completa. Lidar com esses 4 princípios não é uma tarefa simples, mas você pode treinar, treinar e treinar para que saia de forma natural. É claro que você pode dar umas relaxadas em alguns aspectos, mas sempre faça de forma intencional, que foi da tua vontade deixar raso, deixar fragmentado, deixar confuso para o suspense e outros propósitos. Transição de Parágrafos Entre um parágrafo e outro Até aqui expliquei tudo sobre o desenvolvimento de UMA ideia de parágrafo, como propor a ideia, escrever a ideia, escolher os métodos, a ordem e a estrutura. E agora? Como fazemos para avançarmos para outro parágrafo, outra ideia? Como escritores de obras serializadas, nós webnoveleiros, já somos obrigados a pensar em como finalizar um capítulo e como começar outro. Ah, mas isso é uma tarefa até nos parágrafos. Sim, estamos muito ferrados. Temos que pensar em enredar o leitor parágrafo a parágrafo para ele não dropar no meio do capítulo também. Não é porque tem só mais 500 palavras do capítulo que não vai se sentir entediado e terminar por ali mesmo. Para te ajudar, vou te apresentar as técnicas mais utilizadas para avançar de um parágrafo a outro, vou te mostrar as técnicas de transição. A transição entre parágrafos é fundamental para manter a coesão, a fluidez e o ritmo do texto. Em uma narrativa ou outro tipo de escrita, ela permite que o leitor passe de uma ideia para outra sem perda de conexão ou compreensão. Existem diferentes técnicas para realizar essas transições, cada uma adequada a uma situação. 1. Conectivos ou Marcadores de Transição São palavras ou expressões que indicam continuidade, adição, contraste, causa, conclusão, entre outras relações. Exemplos incluem: portanto, além disso, no entanto, em seguida, finalmente. “A chuva finalmente cessou, e o sol surgiu por entre as nuvens. As crianças saíram correndo para aproveitar o dia. Enquanto isso, os adultos se reuniram na varanda para conversar e tomar um café fresco.” Aqui, “Enquanto isso” conecta os dois parágrafos indicando simultaneidade. 2. Repetição ou Referência a uma Palavra-Chave Repetir ou retomar uma palavra importante do parágrafo anterior para reforçar o elo entre as ideias. “A floresta era densa e escura. Cad a árvore parecia mais alta e mais antiga do que a anterior. Aquela floresta guardava segredos q ue poucos ousaram descobrir, e cada passo dado lá dentro era um mergulho no desconhecido.” A palavra “floresta” é retomada para manter a continuidade. 3. Pergunta Retórica ou Interrogativa Finalizar um parágrafo com uma pergunta que será respondida ou discutida no seguinte. “João não sabia mais o qu e fazer para resolver aquela situação. Tudo parecia perdido. Seria o destino tão cruel as sim? Talvez não. João ainda tinha uma última carta na manga.” A pergunta retórica cria uma ponte direta e instiga a continuidade. 4. Encadeamento de Ideias (Causa e Consequência) A ideia final de um parágrafo serve como gancho para iniciar o próximo, mostrando relação de causa, consequência ou continuidade. “O garoto trope çou no meio da rua, espalhando suas compras pelo chão. Por sorte, uma senhora que passava ajudou-o a recolher as frutas e os pães.” O termo “Por sorte” introduz uma consequência positiva da situação anterior. 5. Transição com Contraste Usar expressões que indicam oposição, como no entanto, mas, contudo, por outro lado, etc. “A cidade pareci a perfeita aos olhos dos turistas. Ruas limpas, prédios históricos bem cuidados. Por outro lado, os moradores reclamavam do custo de vida elevado e do excesso de visitantes durante o verão.” O uso de “Por outro lado” sinaliza contraste e mudança clara da ideia. 6. Elemento ou Personagem Contínuo Manter o foco em um personagem, objeto ou evento que transita entre os parágrafos, servindo de conexão. “Lucas saiu de casa apress ado, com a mochila nas costas e os fones de ouvido. Enquanto descia a rua, Luc as pensava em como evitar a bronca do chefe por estar atrasado.” O personagem Lucas atua como elo entre os parágrafos. 7. Conclusão de uma Ideia e Introdução de Outra Um parágrafo conclui uma ideia e o seguinte introduz uma nova, mas conectada ao fluxo do texto. “O inverno trouxe consigo dia s curtos e noites intermináveis, uma verdadeira prova de resistência para os moradores do vilarejo. Além do frio, os aldeões precisavam lidar com a escassez de alimentos que a estação rigorosa provoca va.” A expressão “Além do frio” conecta a conclusão do parágrafo anterior a uma nova questão. 8. Uso de Metáforas ou Imagens Contínuas Retomar uma metáfora ou imagem do parágrafo anterior para manter o fluxo e aprofundar o tema. “A vida de Pedro era c omo um navio à deriva, sem um destino claro. Mas, finalmente, ele decidiu assumir o leme e buscar um porto seguro, não importando as tempe stades que enfrentaria.” A metáfora do navio conecta os dois parágrafos. A transição entre parágrafos é essencial para manter o texto coeso e fluido. Cada técnica pode ser usada dependendo do tom, do ritmo e da intenção da narrativa. Combinar diferentes métodos, como repetição de palavras, conectivos e continuidade de personagens, é uma estratégia eficaz para criar uma leitura envolvente e sem rupturas abruptas sem motivo. Uma transição bem feita, vai obrigar o leitor a continuar lendo, seja pela fluidez ou pelo estímulo à ansiedade. Cada palavra colocada entre um parágrafo e outro deve ser milimetricamente controlada seguindo a estratégia do autor, e isso faz suar a testa de todos nós. O Tamanho do Parágrafo Esse eu sei que é um assunto polêmico, e por isso quis deixar por último. Mas, Kamo, no outro artigo você já disse que é de 1 a 8 linhas, em média 2 a 4. Então, isso é informação pra leigo. Você já deve saber a essa altura do porquê utilizarmos uma medida tão baixa em webnovel. O principal concorrente da webnovel não é o livro e nem quadrinhos/mangás. O principal concorrente da webnovel é Tiktok, Youtube, Instagram, X, Netflix, Amazon Prime, Crunchyroll… As mídias sociais e conteúdos digitais são a nossa principal concorrência. Isto ocorre porque nós compartilhamos o meio pelo qual os leitores consomem nossas obras: a tela do smartphone. Nisso o nosso esforço é no quanto de tempo de tela conseguimos tirar o leitor de assistir seus vídeos e conteúdos da rede para ler nossas obras. Esqueçam os livros e padrões preestabelecidos na escrita. Isso aqui é terra sem lei . Psicologia Paragrafal Onde não há lei, entra a ciência e a psicologia. Definir o tamanho e as propriedades dos parágrafos para engajar o leitor envolve aspectos psicológicos ligados à percepção, atenção, e processamento de informações. Listo abaixo os principais aspectos psicológicos e como eles impactam a leitura: 1. Carga Cognitiva Baseado na Teoria da Carga Cognitiva de Sweller (1988) ,   leitores têm limites na quantidade de informações que conseguem processar de uma vez. Parágrafos longos podem sobrecarregar, enquanto os curtos mantêm o ritmo dinâmico. Parágrafos curtos reduzem a sobrecarga cognitiva e facilitam o entendimento, principalmente em textos densos ou explicativos. Portanto divida parágrafos muito densos sem justificativa em blocos menores, garantindo que cada parágrafo desenvolva uma ideia clara e autossuficiente. O autor pode estruturar o texto para apresentar informações em blocos manejáveis, respeitando o limite da memória de trabalho. Por exemplo, um parágrafo expositivo denso sobre um sistema mágico pode ser fragmentado em partes que detalhem origem, funcionamento e limites. 2. Ritmo e Variação A monotonia de parágrafos uniformes em tamanho pode entediar o leitor. Alternar entre parágrafos curtos (ação rápida) e longos (reflexão ou descrição) cria uma experiência dinâmica reflete a intensidade emocional da cena. A variação no tamanho dos parágrafos ativa o sistema de recompensa cerebral  (dopamina), associado à novidade e ao ritmo. Segundo estudos de Larsen-Freeman (1997) , variação linguística mantém o interesse do leitor. Você pode, por exemplo, usar parágrafos curtos para cenas de ação e longos para momentos introspectivos ou descritivos, mantendo o leitor emocionalmente engajado. 3. Escaneabilidade De acordo com o trabalho de Nielsen (2006)  sobre leitura na web, leitores tendem a escanear o texto antes de lê-lo profundamente. Parágrafos claros e bem delimitados facilitam essa navegação. Em conjunto com o estudo anterior, opte por apresentar identidades claras nas primeiras e nas últimas palavras do parágrafo, onde o leitor costuma escanear. Nesse aspecto, é considerado um erro começar todas ou a maioria dos parágrafos da mesma forma sem um intuito. O texto ficcional narrativo não necessita de estruturas claras e diretas como nos textos argumentativos ou dissertativos, porém opte pela clareza em alguns parágrafos para servir como pontos de escaneamento. Por exemplo, você pode utilizar frases adverbiais no começo de alguns parágrafos para informar ao leitor logo de início qual parte da história (espaço/tempo) este parágrafo apresenta. 4. Espaço em Branco e Respirabilidade O espaçamento entre parágrafos vai além de uma obrigatoriedade editorial; é uma ferramenta estratégica que permite ao autor transmitir ritmo e pausas na leitura. Mais do que um elemento visual, o espaçamento ajuda a organizar as ideias, reduz a ansiedade visual e facilita a compreensão, permitindo que o leitor "respire" enquanto interage com o texto. A Teoria Transacional de Rosenblatt  (1988)  destaca que a formação de significado ocorre por meio da interação contínua entre o leitor e o texto. Nessa relação, Rosenblatt explica em Literature as Exploration  (1933)   que a experiência estética desempenha um papel essencial, e o design visual do texto, incluindo espaçamentos, contribui para essa experiência. Por exemplo, espaçamentos maiores podem ser usados em transições de cena para substituir marcadores visuais, criar suspense ou indicar pausas na narração. No trecho já mostrado a seguir, extraído de Mushoku Tensei , o espaçamento reflete a pausa reflexiva do narrador, ajudando a intensificar o impacto: “Parece que quanto mais complicado fosse um feitiço, mais longo seria o tempo proferindo o cântico. Na verdade, feitiços complicadíssimos tinham que ser entoados em conjunto com formações mágicas; isso não era um problema no início, no entanto… Diz aqui que um mago habilidoso poderia usar magia sem cantá-la. É o que chamam de sem cântico ou cântico curto.” — Trecho de Mushoku Tensei , Rifujin na Magonote No exemplo acima, o espaçamento maior entre os trechos indica uma transição entre a explicação técnica do feitiço e a revelação de um aspecto narrativo importante, o que ajuda a dar ênfase ao momento e provoca uma pausa reflexiva no leitor. Além disso, é fundamental evitar parágrafos excessivamente longos ou compactos. Reorganize o conteúdo em blocos menores e coesos, ou combine parágrafos curtos sem propósito. Assim, o texto não apenas comunica ideias, mas também guia o leitor por uma experiência visual e narrativa mais envolvente e fluida. 5. Emoções e Conexão A Teoria da Empatia Narrativa de Suzanne Keen  (2006) e o estudo sobre ficção e empatia de Raymond Mar  (2009) sugerem que o engajamento emocional do leitor depende de sua conexão com o texto. O tamanho e o tom dos parágrafos devem ser ajustados para refletir as emoções da cena. Parágrafos curtos, com frases impactantes, intensificam a carga emocional e geram um efeito imediato, sendo ideais para momentos de tensão ou suspense. Já os parágrafos longos permitem uma imersão mais profunda no psicológico do personagem ou no cenário, sendo indicados para momentos de contemplação ou descrições detalhadas. 6. Continuidade e Antecipação Baseado no Efeito de Zeigarnik , que sugere que o cérebro foca em tarefas incompletas, ganchos e transições bem estruturadas mantêm a curiosidade do leitor. Encerrar parágrafos com frases que introduzem questões ou abrem caminhos para o próximo mantém o leitor engajado. Criar transições que deixam perguntas no ar alimenta a sensação de continuidade, incentivando a leitura sequencial. Conclusões fragmentadas, perguntas retóricas ou frases que servem como ganchos para o próximo parágrafo ajudam a prender a atenção do leitor. Portanto, analise nas suas estruturas paragrafais e conclusões se há força efetiva suficiente de continuidade antes de começar outro parágrafo. 7. Complexidade da Ideia De acordo com o modelo de Teoria da Compreensão de Textos de Kintsch  (1988), informações complexas devem ser apresentadas em partes para facilitar a assimilação. Divida ideias complexas em parágrafos menores, garantindo que cada um tenha um tópico frasal claro. Explicações detalhadas, como sistemas mágicos ou contextos históricos em narrativas de fantasia, podem ser fragmentadas para maior clareza. Enquanto ideias simples podem ser expressas em parágrafos curtos, ideias complexas exigem mais espaço para desenvolvimento. Ajuste o tamanho do parágrafo ao escopo da ideia, evitando tanto o excesso de informações desnecessárias em ideias simples quanto a condensação excessiva de ideias complexas. Encheção de linguiça é extremamente proibido na ficção! (não só na ficção, mas é sempre bom frisar) 8. Feedback Psicológico Positivo De acordo com a Teoria do Progresso  (Amabile e Kramer, 2011), completar pequenas tarefas gera uma sensação de conquista, e parágrafos curtos reforçam essa percepção. No início de capítulos ou seções, use parágrafos curtos para incentivar o ritmo e o engajamento inicial do leitor. Em capítulos longos, interlúdios ou descrições breves ajudam a manter a motivação. Parágrafos curtos transmitem uma sensação de progresso rápido, estimulando o leitor a continuar a leitura até em cenas de transição. 9. Estilo Narrativo e Personalidade A Psicologia da Leitura (Rayner et al., 2016) aponta que o estilo do autor influencia o engajamento do leitor, e alinhá-lo às expectativas do público melhora a recepção da obra. Narrativas introspectivas exigem parágrafos mais densos, enquanto thrillers e cenas de ação se beneficiam de parágrafos curtos e dinâmicos. Ajustar o estilo ao gênero literário torna a leitura mais imersiva e alinhada às expectativas do leitor. O equilíbrio entre estilo, gênero e público-alvo é essencial para criar uma experiência narrativa envolvente. 10. Recompensa com Ganchos De acordo com o Modelo de Retenção Narrativa  (Green e Brock, 2000), o leitor tende a continuar a leitura quando recompensas (resoluções parciais) são combinadas com novos ganchos narrativos. Finalize parágrafos com uma conclusão clara que resolva uma questão, mas introduza uma ideia ou pergunta que estimule a curiosidade para o próximo trecho. Essa técnica é especialmente eficaz em capítulos finais ou pontos de virada, onde o objetivo é manter o leitor preso à narrativa. Evite encerrar completamente um assunto sem abrir espaço para o próximo, pois isso pode diminuir o ritmo da leitura. A combinação de resolução e antecipação mantém o engajamento e a fluidez do texto. Junto com o Efeito de Zeigarnik, isso com certeza faz parte dos 10 mandamentos da escrita criativa. 1 linha ou 1000 linhas, eis a questão Após esse estudo sobre como estruturar seus parágrafos, você ainda tem dúvida? É perfeitamente compreensível. Isso se deve porque realmente não há uma distinção clara sobre isso. Se analisarmos uma obra como um todo, mesmo que a maioria dos parágrafos sejam de 2, 3 ou 4 linhas na tela do celular, não é proibido que existam parágrafos que ocupe a tela toda ou parágrafos com uma ou duas palavras somente. Esse fenômeno faz voltar sempre à questão “Por quê?”. Todos os parágrafos devem possuir o porquê de seu tamanho. Por que é curto? Por que é longo? Por que tem 2 linhas? Por que tem 50 linhas? Vamos ver um exemplo: “Coloco minha determinação em ordem. Saio de casa. Aproximo-me da estação. Reúno coragem para passar pelas catracas. O trem chega. Reúno mais coragem para entrar. O trem chega à próxima estação. Reúno força para descer. Antes de sair pela catraca, novamente junto minha coragem. No caminho entre a estação e o portão da escola, a cada esquina dobrada, a cada poste ultrapassado, reajusto minha determinação para continuar avançando. Paro em frente ao portão da escola e meu coração dispara. O suor não para. Respiro fundo. Às vezes, preciso de vários minutos para isso. Quando consigo me acalmar, o medo toma conta de mim. Reúno coragem mais uma vez. Chego à entrada principal. Vou até o armário de sapatos. Em um dia ruim, o bullying já começa nesse momento. Se ainda não começou, é apenas um sinal de que estão esperando o momento certo para me pegar de surpresa. Com as mãos trêmulas, abro o armário. Reúno coragem para calçar os sapatos de uso interno. Para evitar que mexam neles, coloco meus sapatos sociais em uma sacola e os levo comigo até a sala de aula. Caminho pelos corredores. Cada estudante que passa por mim parece um inimigo. Sobressalto-me com qualquer um que me ultrapassa por trás. Tenho medo de que alguém esteja escondido nas sombras da escada, mas esforço-me para não demonstrar esse medo. Subo as escadas com cuidado. Se há alunas à minha frente, não subo. Não quero ser acusado de espiar sob suas saias. Chego ao andar da minha sala. Aqui, começo a ver rostos conhecidos. A maioria evita meu olhar com expressões desconfortáveis. No entanto, nunca posso descartar a possibilidade de novos inimigos. Se for um garoto, ele pode me empurrar. Se for uma garota, pode me acusar de assédio após me abraçar. Ainda assim, se eu agir de forma muito evasiva, isso pode virar motivo para novas acusações. Reúno coragem e sigo em frente pelo corredor, arrastando meus pés pesados. Mas quanto mais avanço, mais perto chego da sala de aula. A cada passo, meus pés parecem ainda mais pesados. Preciso reunir coragem novamente. Finalmente, chego à porta da sala. Não consigo estender minha mão para abri-la. Mais uma vez, preciso reunir coragem. Relembro a mim mesmo que, não importa o que encontre do outro lado, devo me manter calmo. Não devo me surpreender, me apressar ou me irritar. Com essas palavras, tento abrir a porta. Antes que eu consiga, alguém a abre primeiro, e minha mão só encontra o vazio. Até mesmo esse pequeno movimento pode virar motivo de risada. Finjo que nada aconteceu, com toda a coragem que consigo reunir. Os colegas de classe evitam meu olhar assim que entro. Reúno coragem. Murmuro um "bom dia". Não recebo resposta. Com coragem, verifico se minha mesa está intacta. Com coragem, espero o toque do sinal para o início da aula.” — Hazure Skill “Nigeru” de Ore wa Kyokugenteilevel nomama Saikyou wo Mesasu, Capítulo 38: Foi Assim que me Tornei um Recluso, Akatsuki Amamiya Esse parágrafo enorme é de uma webnovel, muito boa inclusive. Nessa obra o autor costuma apresentar parágrafos de uma ou duas linhas na maioria e com tom cômico e alegre. Após o fim do primeiro arco, o autor decidiu inserir o backstory do protagonista, e esse parágrafo me pegou de surpresa. Desprevenido, comecei a ler, mesmo assustado com o tamanho, pois eu já estava engajado na história e queria saber da continuação. Quem já sofreu bullying na escola pode sentir uma carga emocional enorme no trecho, pois reflete uma realidade que muitos já sofreram, assim como eu. A forma como o texto é disposto, a ordem e o estilo sugerem a representação dessa experiência, do quanto é desgastante e desumano a rotina diária de quem sofre bullying, do quanto parece interminável e dolorido o caminho percorrido todo dia de manhã. Em minha honesta opinião, o tamanho desse parágrafo se encaixou muito bem com o propósito. Mas não é por isso que você pode sair colocando vários parágrafos enormes na sua história. Até onde li, foi o único parágrafo grande que o autor colocou nessa obra, e isso sugere que faz parte do tema e da mensagem da obra. A questão toda é mais simples do que parece. Defina seu estilo baseado nas obras que você já leu, que você se inspirou e nas que você já escreveu. Esse estilo vai incluir a média de tamanho dos seus parágrafos. Você pode ter uma média de 1 linha ou de 10 linhas por parágrafo e tá tudo bem, desde que esse seja seu estilo e adequado ao público que quer alcançar. Analise também as médias das plataformas onde quer publicar, bem como os estilos. Você também pode se adaptar dependendo da editora, mas isso não deve afetar negativamente o conteúdo. E também não venha depois falar que “o Kamo deixou eu colocar quantas linhas eu quiser”! Um estudo sobre as médias de cada plataforma pode ser considerado, sim, na hora de formular o seu, como eu publiquei em outro artigo, mas o que eu queria falar é que essa não é uma regra rígida; nem regra é. Eu poderia ter começado este artigo com a origem histórica do parágrafo, mostrando pergaminhos e tals, mas isso você encontraria em qualquer outro site por aí. Prometi que aqui não trataríamos de ENEM e eu espero ter explicado todos os aspectos, ou ao menos a maioria deles, sobre a escrita de parágrafos do gênero ficção, sobretudo de webnovel. Obrigado por lerem e até a próxima.

  • Prólogo, Prefácio, Epílogo e Posfácio, o que são?

    Diariamente nos deparamos com termos que não fazemos a mínima ideia do que são e para que servem. Esse é o caso do prólogo, prefácio, epílogo e posfácio. Sabemos que existem, mas não temos ideia do que exatamente são, por isso cá estamos. Sabemos que dentro do que chamamos de "recheio" da obra, existem elementos que a compõem e colaboram para uma compreensão mais ampla da história em si. Esses elementos têm funções distintas uns dos outros, e servem para dar uma característica a mais para o recheio como um todo. Agora, aperte o cinto e simbora!! Prólogo O prólogo sempre será apresentado antes do primeiro capítulo. E, embora nem toda obra faça uso desse elemento — o que é completamente normal —, ele é fundamental para a apresentação do universo em que seremos inseridos. Algumas pessoas, erroneamente, colocam como prólogo todo primeiro texto apresentado na obra. Talvez porque pensam que não há uma diferença entre o primeiro capítulo e o prólogo. Mas acredite se quiser, são diferentes! O que chamamos de prólogo necessariamente não é o início da história. Pode ser o meio, ou, quem sabe, o final dela. Confuso, né? Vamos veja só. O prólogo é usado, em sua maioria, para inserir o leitor no universo. Ele expõe fatos e acontecimentos presentes na obra. Por exemplo: uma obra que se passa após um acontecimento de quase fim do mundo. Uma obra pós-apocalíptica. Para colocarmos o leitor na história, podemos apresentar esse apocalipse, como começou, as consequências e como chegou até o momento atual da história. Essas informações, são fundamentais para a história como um todo, dão um chão para que o leitor possa caminhar mais seguramente pela história. Isso é o que acontece no prólogo de Venante , do escritor Rose Kethen. Outra forma interessante é usar o prólogo como migalhas do que se pode esperar da história. Sendo muito mais focado em instigar a curiosidade do leitor do que contextualizar a história. Podemos ver isso no prólogo de A Criança do Fim do Mundo , do escritor Halk. No mais, o prólogo não implica em revelar detalhes de sua essência, mas sim preparar o leitor para o universo no qual irá mergulhar através da leitura. Isso faz com que essa parte da história não seja obrigatória. Prefácio Muitas vezes confundido com o prólogo, o prefácio é algo que vem antes de tudo. Ele não faz parte dos acontecimentos da história. Quase como se fossem anotações. Ele serve para dar uma introdução sobre a história no geral. Será a opinião, pontuação de algo relacionado à história. Pode servir para compartilhar os sentimentos, dificuldades, aspirações… que o leitor deseja compartilhar. No entanto, o prefácio não necessariamente precisa ser escrito pelo próprio autor. Isso quer dizer que um escritor convidado pode ler a obra obviamente antes de sua publicação, e assim pontuar suas anotações sobre os pontos fortes do livro. É comum também alguns prefácios serem escritos por tradutores ou organizadores de livros responsáveis pelo conteúdo. Epílogo Já se perguntou o que acontece com os personagens, com o mundo, quando a história acaba? Pois bem, é no epílogo que mora essas respostas. Trata-se de um recurso utilizado para desfecho, sendo bastante útil quando não é possível deixar todas as pontas amarradinhas no último parágrafo, por exemplo. Também é usado para projetar o futuro dos personagens ou dar voz a um deles, revelando seus sentimentos a partir dos acontecimentos narrados. Algumas vezes, essa parte não servirá apenas como uma explicação do futuro da obra, mas também como um gancho para uma possível continuação. Posfácio Assim como o prefácio, o posfácio virá depois de toda a obra. Um adendo, uma explicação no encerramento final da história que pode ser escrito tanto pelo autor, como por outra pessoa. O posfácio, porém, é desnecessário quando já existe um prefácio. Hoje em dia, é difícil encontrar alguma obra com posfácio por que o prefácio é mais utilizado. Interlúdio O interlúdio é utilizado para descrever um intervalo ou pausa entre duas partes de uma obra ou evento. Na escrita, serve como um recurso para interromper a narrativa principal e apresentar uma história ou evento paralelo. Pode ser utilizado para fornecer informações adicionais sobre os personagens, explorar subtramas ou criar suspense. Pode ser apresentado como um capítulo separado, uma seção destacada ou até mesmo como uma história dentro da história. É uma forma de quebrar a linearidade da narrativa e adicionar camadas de complexidade ao enredo. E, ai? Conseguiu entender para que cada partezinha serve? Não pode mais errar!

  • O Guia quase definitivo de como pontuar corretamente Falas e Pensamentos!

    Silvia Adela Kohan, em seu livro “Como escrever diálogos: A arte de desenvolver o diálogo no romance e no conto”, fala que o bom diálogo é uma forma narrativa das mais convincentes, uma estratégia literária que aproxima o leitor dos personagens por ser uma maneira de apresentar suas falas sem intermediário aparente.   Dependendo do tipo de discurso escolhido, a formatação adequada do texto se torna importante para garantir a clareza do enunciado. No entanto, apesar de ser um recurso presente na grande maioria das obras de prosa de ficção, muitos escritores amadores acabam tendo dificuldade em pontuar e formatar corretamente seus diálogos.   Quando lemos suas obras, encontramos diversas formas erradas de expressar diálogos e discursos diretos, como por exemplo:   Personagem X: Eu não pude estar aqui quando aconteceu. [Personagem Y] Mas eu te avisei ontem! É que eu esqueci. Me desculpe. - Não te desculpo. Terá que pagar por isso. - disse Personagem Y. "Como eu posso pagar por isso se não tenho nada em mãos?" Personagem X reclama. Discutiremos sobre isso mais tarde. Termina Personagem Y. (Personagem X) "Está bem.”   Neste artigo, compilei as questões mais importantes sobre o tema — incluindo exemplos — então, sem mais enrolação, bora lá!   Tópico 1: Sinalização básica   Por sinais gráficos entende-se todos os caracteres e partes de caracteres que possuem função sem serem letras , como as pontuações e acentos. Falarei especialmente sobre os sinais que indicam discursos .   Em webnovel, e outras modalidades de escrita criativa, discursos são transcrições de frases de personagens, sendo elas as "falas" ou "pensamentos". Seguimos aqui o que se pratica comumente no português-brasileiro e adotado convencionalmente nos sites de webnovel. O sinal gráfico "Travessão" (—) é utilizado para indicar falas de personagens e é caracterizado por um traço horizontal do tamanho da letra M, também conhecido como m-dash  ou em dash  no inglês. Ele antecede todas as falas dos personagens na sua história.   Já quanto aos pensamentos , no seu texto serão delimitados pelas "Aspas inglesas" (“ ”), caracterizados por 2 pequenas vírgulas justapostas iniciando e finalizando o discurso, ou pelo itálico .   Existe uma intensa discussão acerca desses dois sinais (travessão e aspas) entre alguns autores, mas editoras e sites têm opinião unânime. Se você procura ser aprovado — e não demonstrar um posicionamento seu a respeito da escrita criativa — use-os da maneira como foi dito.   De qualquer forma, antes de falar sobre suas regras de pontuação do diálogo — que dependem do estilo de pontuação escolhido pelo autor — é válido introduzir algumas definições presentes nestas regras e apresentar também regras que possuem aplicação geral.   Verbos dicendi e sentiendi   Verbos dicendi  são verbos que indicam ou elucidam quem é o falante/locutor de um discurso direto e também podem indicar o modo como o discurso foi vocalizado.   — Adiante, a estrada se divide em dois. Siga à direita — explicou  o comerciante que encontrei no caminho.   Em outras palavras, são os verbos que explicam um ato oral, como dizer, perguntar, responder, retrucar, continuar, finalizar, concordar e exclamar,  entre outros.   Verbos sentiendi , por sua vez, são aqueles que exprimem emoções, estados de espírito ou reações psicológicas do personagem, como por exemplo balbuciar, berrar, gaguejar, gemer, suspirar ou lamentar.   — Quanta regra, Garcia! — enraiveci-me , ( dizendo )...   Porém fique atento, pois geralmente esses verbos são mais associados a pensamentos!   “Será que fiz a escolha certa?”, pensei . Será que fiz a escolha certa? , pensei . Tipos de discurso   Em função da maneira com que os verbos dicendi  e sentiendi  são inseridos nas orações, apresentarei a vocês três tipos de discurso: direto, indireto e indireto livre.   O Discurso Direto é quando o sujeito falante evoca a situação de fala/pensamento/escrita original e transmite, ou melhor, afirma transmitir , as palavras exatas (ideias) do locutor originário.   Os pronomes, tempos e palavras dêiticas (aqui/lá, hoje/ontem, etc.) do discurso original permanecem os mesmos: não foram transpostos.   Então Paul olhou para mim e disse: — Eu não quero ir. E tu?   No Discurso Indireto, o falante transpõe o enunciado original em suas próprias palavras. O discurso relatado é subordinado a um verbo relator e é introduzido por uma conjunção subordinativa (por exemplo, que, se...) e da preposição para na nossa língua.   Os pronomes, tempos e os dêiticos do discurso são deslocados para a situação de enunciação do relato.   Então Paul olhou para mim. Ele me disse que não queria ir  e me perguntou o que eu queria fazer .   O Discurso Indireto Livre é caracterizado pela presença de particularidades do Discurso Direto (perguntas diretas, exclamações, dêiticos, coloquialismos, etc.) relatado na forma do Discurso Indireto, com pronomes e tempos deslocados, mas sem ser sintaticamente dependente de uma oração para o relato — ou seja, sem estar diretamente subordinado a um verbo dicendi ou sentiendi  e sem ser coordenado com uma oração previamente reportada.   Então Paul olhou para mim: ele não queria ir. E agora? Quebra de parágrafo   Independente do estilo de pontuação escolhido, toda troca de turno conversacional — ou seja, toda alternância de locutor — deve ser marcada pela mudança de parágrafo. É recomendado manter a fala de um mesmo personagem em um só parágrafo, mas exceções podem ser abertas em caso de 1) falas interrompidas por trechos narrativos ou 2) falas muito extensas. No primeiro caso, o parágrafo pode ser quebrado e, depois do trecho narrativo, pode ser retomado com alguma indicação de continuidade como continuou, prosseguiu ou retomou. O segundo caso será abordado mais para frente neste artigo.   Posição dos sujeitos (pronomes pessoais ou substantivos)   A posição dos sujeitos (pronomes pessoais ou substantivos) é uma questão de escolha do autor: o pronome pode aparecer antes do verbo, depois do verbo ou pode até ser suprimido, caso o interlocutor já tenha sido apresentado antes. Escolha de travessão, aspas ou diálogo sem sinalização tipográfica   Esta também é uma questão de escolha do autor, porém a tradição tipográfica brasileira propõe o uso do travessão, sistema de diálogo que é definido como padrão nos manuais de redação e guias de estilo da maior parte das maiores editoras do país (isso se aplica, em geral, a todas as línguas latinas).   Em O Livro: manual de preparação e revisão , Ildete Oliveira Pinto diz que as aspas ficam restritas a dois casos: para realçar a fala que não segue uma réplica ou para assinalar um discurso direto dentro de outro discurso indireto. O segundo caso será abordado mais para frente neste artigo.   Outra possibilidade é não utilizar sinalização tipográfica alguma para demarcar os diálogos. Nesse caso, estes são introduzidos no meio da prosa sem demarcação alguma ou seguindo os padrões de pontuação de diálogos que utilizam as aspas. Os diálogos inclusos no meio do discurso livre indireto também não são demarcados. Tendo isso em mente, vamos para as regras de pontuação do diálogo! A começar pelo travessão.    Usando o travessão para sinalizar o diálogo   Antes de continuarmos, é importante saber que travessão não é hífen.   Esse é o travessão: —   Essa é a meia-risca: –   Esse é o hífen: -   Viu a diferença no tamanho?   Aqui no Brasil utilizamos o caractere chamado travessão (—) para poder substituir parênteses, vírgula, dois-pontos e também indicar discursos diretos como diálogos, além de isolar e destacar termos e frases.   O travessão fora de diálogo é utilizado para destacar trechos narrativos e palavras. O motivo pode ser para chamar a atenção ou substituir parênteses, aspas, vírgulas e até dois-pontos.   Naquela sala escura só se ouvia uma coisa — as batidas do coração. Quando Gary — o safado e sem vergonha — fugiu, Amanda tinha certeza do que iria fazer. Ele não conseguia pensar em mais nada — pelo menos à noite.   O uso mais comum do travessão, fora de diálogo, é para destacar apostos, mas há vários usos dele, como nos exemplos acima.   Agora, o travessão no diálogo tem tantas funções que podemos até nos perder, mas calma que vou explicar…   Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo com verbo dicendi/sentiendi   No caso de diálogo seguido de trecho narrativo com verbo dicendi ou sentiendi, o diálogo não deve ser pontuado com ponto final e o trecho narrativo subsequente deve sempre começar com letra minúscula, mesmo quando o diálogo termina com ponto de exclamação, ponto de interrogação ou reticências, pois se entende a parte dialógica e a parte narrativa juntas compõem uma única frase.   — Não seja tolo. Olhe aquil o  — f alou o magro apontando para o leste. — Fujam! Eles estão vindo !  — g ritou o capitão. — Você quer o quê, baixinho ?  — p erguntou a moça do balcão. — Bem …  — d isse Balfour novamente. — Talvez devêssemos ser otimistas.   Uma linha de diálogo pode ser interrompida no meio por uma oração contendo um verbo dicendi  ou sentiendi . Se entre o primeiro e segundo elemento desta uma fala houver uma vírgula, ela é colocada após o segundo travessão. Em ambos os casos, a oração intercalada contendo o verbo dicendi ou sentiendi não é pontuada. Como pontuar diálogo seguido de trecho narrativo comum   No caso de diálogo seguido de trecho narrativo comum, sem um verbo dicendi  ou sentiendi , o diálogo deve ser pontuado (com ponto final, interrogação, exclamação ou reticências) e o trecho narrativo deve ser, necessariamente, iniciado com caixa alta. — Nem mais um passo .  — A pontou a linha no chão. — Sempre quis ganhar um desse !  — P ulou de alegria, a criança. — E que confusão toda é essa ?  — E la gesticulou fracamente em direção à mesa chamuscada e aos destroços do fogo. — Meu Deus …  — T apou sua boca sem falar mais nada. Em alguns desses casos, o trecho narrativo comum pode vir em um novo parágrafo ao invés de vir diretamente depois do diálogo, com uso do travessão. — Sim, como um ator. Ah Quee estudou-o. Apesar de você provavelmente já tê-lo visto em alguma webnovel ou light novel traduzida, seu uso não é recomendado .   Como pontuar diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo dicendi/sentiendi   No caso de diálogo precedido por trecho narrativo terminado em verbo dicendi  ou sentiendi, este trecho deve ser terminado com dois pontos. Se o trecho terminado em verbo dicendi  ou sentiendi  for um parágrafo não iniciado em diálogo, depois dos dois pontos pode ou não  haver uma quebra de parágrafo para introdução do diálogo — tudo depende do estilo do autor. Finalmente meu pai adentrou e fechou a porta. Meu irmão voltou a seu lugar e juntou as mãos. Ele falou: — Se quer isso, tem que fazer por merecer. Finalmente meu pai adentrou e fechou a porta. Meu irmão voltou a seu lugar e juntou as mãos. Ele falou: — Se quer isso, tem que fazer por merecer. Por outro lado, caso o trecho seja uma interpolação do narrador, não há quebra de parágrafo . — Conversar com você nunca é trabalho — respondeu Löwenthal gentilmente, e em seguida, pela quarta vez, disse:  — Mas você precisa entrar logo. Como pontuar uma fala dividida em múltiplos parágrafos   Caso seja necessário dividir uma mesma fala em vários parágrafos, o primeiro parágrafo deve ser iniciado com travessão e todos os parágrafos subsequentes devem começar com abertura de aspas, que só se fecham ao final da fala, isto é, após o último parágrafo. Para deixar claro, em webnovels, por aspecto textual , não se recomenda fazer falas multiparagrafadas  — “tem como fazer de uma forma feia”, afirmam os especialistas no assunto.   Como pontuar diálogo dentro de diálogo   Para assinalar um discurso direto dentro de outro discurso direto, o segundo diálogo deve ser assinalado com aspas. Nesse caso, caso haja uma oração intercalada com verbo dicendi  ou sentiendi,  esta oração fica fora das aspas, entre vírgulas ou vírgula e ponto final.   Observação   As construções com verbos de ligação semântica são prioritárias por nós, escritores. A ideia não é depender de listinha ou gravar nomezinho; é se livrar de qualquer amarra e ver justamente qual tipo de verbo precisa para inter-relacionar ou finalizar o diálogo. — Como é que é? — veio cheio de marra. — Saca só — e saquei, só que não. — Página 65 — abaixou o livro. — Não dá mais... — cambaleou de cansaço. Cheguei perto deles e mandei o papo: — Tão de boa? — Toma essa — socou uma vez —, e essa! — Cai fora daqui! — ouvi de longe. Sabendo fazer a construção sintática e entendendo da ligação semântica, não tem buraco onde vocês caiam quando for aplicar qualquer verbo de costume de vocês na escrita. Porém se lembre que é circunstancial e deve haver ligação, do contrário, será dois períodos separados.   Como saber disso? Oras, todo discurso pode se converter, então basta fazer e você saberá se funciona: O moleque marreou  que ia me deitar no soco. (discurso indireto) — Vou é te deitar no soco, tá entendendo, comédia? — marreou o moleque. (discurso direto) O moleque marreou  para cima de mim, pronto para me bater. (discurso narrado)   Tem jeito não, até em gíria, se o narrador se permitir a falar com elas, encaixa certinho.   Usando aspas — e itálico — para sinalizar pensamentos   Por causa da internet, hoje em dia vemos duas predominâncias em formações de pensamentos: aspas inglesas ou itálico.   ●     Eu queria tanto aquilo , lamentou-se. ●     “Eu queria tanto aquilo”, lamentou-se.   Essas duas formas se popularizaram há décadas, principalmente porque é a maneira dos ingleses escreverem seus discursos. As aspas são usadas para diálogos e o itálico para os pensamentos, e os brasileiros só pegaram emprestado os usos para os pensamentos.   Um está mais certo que outro? Obviamente que não. Se tivessem a opção de novas sinalizações décadas atrás, com certeza veríamos muitas outras execuções para os pensamentos além dessas.   Tem regras para usar um ou outro? Seriam as mesmas para o diálogo sem o travessão. No caso das aspas, elas já atuam como travessões: — Eu queria tanto aquilo — lamentou-se.   O uso de aspas pode ser empregado também nos seguintes casos:   ●     Isolar palavras ou expressões que fogem à norma culta, como gírias, estrangeirismos, palavrões, neologismos, arcaísmos e expressões populares; e   ●     Indicar uma citação direta como o narrador descrevendo o conteúdo de um bilhete.   Enquanto que o uso do itálico também pode ser empregado nos seguintes casos:   ●     Títulos de publicações (livros, revistas, jornais, periódicos, etc.) ou títulos de congressos, conferências, slogans, lemas sem o uso de aspas (com inicial maiúscula em todas as palavras, exceto nas de ligação); e   ●     Palavras e expressões em latim ou em outras línguas estrangeiras não incorporadas ao uso comum na língua portuguesa ou não aportuguesadas.   Agora, para indicarem pensamento de personagem, segue-se algumas regrinhas… Posição das aspas   Quando o período é iniciado e terminado em aspas, a pontuação final — seja reticências, ponto final, de exclamação ou de interrogação — é colocada antes do fechamento das aspas.   ●     “Algo parecido .” ●     Algo parecido .   ●     “Você me expôs !” ●     Você me expôs !   ●     “Já tem um próximo encontro previsto ?” ●     Já tem um próximo encontro previsto ?   ●     “Se você quiser discutir sua nota com ela …” ●     Se você quiser discutir sua nota com ela …   Caso o início do período não coincida com a abertura das aspas, então a pontuação final deve vir após o fechamento das aspas, independentemente da pontuação que finaliza o diálogo (reticências, ponto final, de exclamação ou de interrogação).   ●     Seguiam por uma rua engarrafada, a poucos quarteirões de seu destino, quando ela resolveu se perguntar: “Eu nunca fui ao Entremundos, não é ?”.   ●     Seguiam por uma rua engarrafada, a poucos quarteirões de seu destino, quando ela resolveu se perguntar: Eu nunca fui ao Entremundos, não é ? .     Como pontuar pensamento seguido de trecho narrativo com verbo sentiendi   De forma análoga ao que acontece com o diálogo iniciado pelo travessão, o pensamento seguido de trecho narrativo com verbo sentiendi não deve ser pontuado com ponto final e o trecho narrativo subsequente deve sempre começar com uma vírgula do lado de fora do primeiro par de aspas seguida de letra minúscula, mesmo quando o diálogo termina com ponto de exclamação, ponto de interrogação ou reticências.   ●     “Continue ”, p ensou Jaques. ●     Continue , p ensou Jaques.   ●     “Mas é o mesmo cheiro de Fabrício !”, e la gritou internamente. “O cheiro que tinha na semana antes de morrer permanece.” ●     Mas é o mesmo cheiro de Fabrício ! , e la gritou internamente. O cheiro que tinha na semana antes de morrer permanece.   ●     “E quem lança isso hoje em dia ?”, p erguntou Jaques a si mesmo. ●     E quem lança isso hoje em dia ? , p erguntou Jaques a si mesmo.   ●     “É …”, f oi o que ele conseguiu pensar, seu coração a mil por hora. ●     É … , f oi o que ele conseguiu pensar, seu coração a mil por hora.   Como pontuar pensamento seguido de trecho narrativo comum   Ainda de forma análoga ao que acontece com o diálogo iniciado pelo travessão, o pensamento seguido de trecho narrativo comum deve ser pontuado (com ponto final, interrogação, exclamação ou reticências) e o trecho narrativo deve ser, necessariamente, iniciado com caixa alta. Nesse caso, não há vírgula entre o pensamento e o trecho narrativo.   ●     “Vamos lá, cãozinho, seja obediente .” O uviu o atacante gritar, mantendo-se firme na dissipação de energia. ●     Vamos lá, cãozinho, seja obediente .  O uviu o atacante gritar, mantendo-se firme na dissipação de energia.   ●     “Fura fila !” P or um momento, não conseguiu desviar os olhos das serpentes que saíam de sua cabeça. ●     Fura fila !  P or um momento, não conseguiu desviar os olhos das serpentes que saíam de sua cabeça.   ●     “Por que me segue, cachorro ?” J oão encarou o pequeno animal a sua frente, que latiu em resposta. ●     Por que me segue, cachorro ?  J oão encarou o pequeno animal a sua frente, que latiu em resposta.   ●     “Então foi aqui que …” E la se virou de costas e sua imagem desapareceu. ●     Então foi aqui que …  E la se virou de costas e sua imagem desapareceu.     Como pontuar pensamento precedido por trecho narrativo terminado em verbo sentiendi   No caso de pensamento precedido por trecho narrativo terminado em verbo sentiendi , este trecho deve ser terminado com dois pontos. Se o trecho terminado em verbo sentiendi  for um parágrafo não iniciado em diálogo, depois dos dois pontos pode ou não haver uma quebra de parágrafo para introdução do pensamento. Caso o trecho seja uma interpolação do narrador, não há quebra de parágrafo.   ●     Vendo que ele não se manifestaria, ela pensou : “S erá que morreram aqui dentro?” ●     Vendo que ele não se manifestaria, ela pensou : S erá que morreram aqui dentro?   ●     “Dar uma saída amanhã à noite?” Em resposta à cara de paisagem daquele que lhe fez a proposta, concluiu : “M elhor não.” ●     Dar uma saída amanhã à noite?  Em resposta à cara de paisagem daquele que lhe fez a proposta, concluiu : M elhor não.   Como pontuar um pensamento dividido em múltiplos parágrafos   Caso seja necessário dividir uma mesma fala em vários parágrafos, todos os parágrafos — inclusive o primeiro — devem começar com abertura de aspas, que só se fecham ao final do último parágrafo do pensamento.   Mas novamente repito: em webnovels, por aspecto textual , não se recomenda fazer falas multiparagrafadas — isso vale para pensamentos também. Explicado o básico, que tal agora utilizarmos a nossa criatividade para contornar algumas “regrinhas” da escrita?   Devo deixar claro que o que será abordado nos tópicos seguintes não são bem regras, são só "um pouco mais sobre essas coisas”, ok?   Tópico 2: O uso criativo de algumas pontuações que já conhecemos   Como bem sabemos, a Língua Portuguesa é cheia de pontuações para que a intensidade do que escrevemos ou falamos seja expressa. Temos:   . , ? ! : ; — “   Mas e se nenhuma dessas pontuações expressa aquilo que você deseja? Bom, aí criamos pontuações, pegamos os caracteres especiais de alguma outra língua ou então combinamos as pontuações que temos na Língua Portuguesa . Vou lhes explicar alguns casos. Interrogação com exclamação   — Quem você pensa que é para dizer o que eu tenho que fazer?!   — Como assim você não gosta de pudim?!?!!   Dessa forma, quando utilizamos o ponto de interrogação junto ao ponto de exclamação a frase pode ter sentido mais interrogativo ou mais exclamativo. Logo, o sentido vai depender da ordem em que as pontuações foram postas — ?! ou !?.   Em uma surpresa questionativa, utilizamos o !? :   — O quê!?   — Hã!?   Em uma questão exclamativa, utilizamos o ?! :   — O que você fez agora, Lucas?! Interrogação e reticências   Em uma pergunta alongada, utilizamos o ?... :   — Estou perdida. Qual caminho devo seguir?…   — Será que ele mora nessa rua mesmo?…   — Como vim parar aqui?...   Em uma pergunta cortada, utilizamos o …? :   — Como voc…? Interrogação multiplicada   Assim como a exclamação (!), o ponto de interrogação pode aparecer multiplicado, geralmente duas ou três vezes. Embora essa repetição não seja prevista na gramática, ela possui a intenção de enfatizar e intensificar o sentimento daquilo que está sendo expresso na pergunta. Por exemplo:   — O quê??? — perguntou ela, cheia de espanto.   — Então, eu posso?? Já é a quinta vez que peço isso!   O polêmico   Saindo agora das interrogações, vamos para as reticências. Para quem lê muita Webnovel e/ou Light Novel, acredito que é até comum verem construções como:   — …   — … Sei.   — … Tendi nada…   É feio para escritores mais regristas? Sim, mas saibam que é permitido fazer isso .   Eu nunca fiz, mas com certeza resume uma narração chata de "Então ele ficou calado.” ou "Eu não tinha o que dizer.”.   Veja bem, em novels  é importante encurtar caminhos para fácil leitura.   … Você ainda não deve estar aceitando isso, né?   Bom, em contrapartida você aceita o uso de onomatopeias, correto? Mas os dois possuem o mesmo propósito! Ao invés de descrevermos o som, nós apenas jogamos uma onomatopeia ali e é isso, certo?   Além dessas formas, temos mais dois formatos de diálogos com reticências no começo   — ...oão! ACORDA, JOÃO!   — ... E foi assim.   Em suma, o primeiro é quando o personagem não ouve o que foi falado, enquanto que o segundo é o uso do autor de dizer que a fala de algo que já sabemos — ou não precisamos saber — foi resumida.   Há dois casos de censura de algo: uma é a omissão e a outra é a censura de fato.   Vamos falar da omissão. Essa primeira é feita normalmente em narradores de terceira pessoa, uma vez que a censura não funciona em muitos dos casos — ou melhor, quebra a própria noção de perspectiva.   Ocorrem em situações de resumo, tensão e revelação.   Um caso é aquele do protagonista ter feito algumas coisas que o leitor já leu, mas outro personagem lhe perguntou. Nisso, vamos ver um resumo com omissão do discurso.   "— Por favor, me conte como fez aquilo.   O protagonista sabia que não podia mais esconder seu segredo. Essa era a pessoa que mais confiava nele, de tal forma que seria uma traição que não se perdoaria. Após um longo suspiro, decidiu contar.   — ... E foi dessa forma. Espero que entenda porque escondi.”   Temos também o caso de tensão/revelação que podem ser a mesma coisa na hora da omissão, mas diferentes no seu resultado.   Digamos que estamos prestes a chegar no final do capítulo, onde o vilão decide então trazer à tona uma informação extremamente absurda ao protagonista.   "Após tentar de tudo e se sentir cada vez mais fraco, o já caído protagonista agora tentava apenas levantar com seu fôlego irregular. No entanto, um pé o espreme de volta ao chão.   — Finalmente no seu lugar... Sabe, sempre imaginei como seria essa vitória. — Ele olhava para baixo com escárnio estampado. — Parece que finalmente posso te contar.   — Co-contar...?   — É... O que eu fiz naquele dia. Escute com atenção... — Ele se aproximou do ouvido do caído e proferiu.   Cada palavra que saiu daquela boca, uma a uma, a sentença fora mortal. Mesmo sem energia, após um embate absoluto até ali, ele sentiu algo queimar dentro de si."   Mesmo que o narrador ainda expresse um resultado, a verdade por trás da omissão ainda não é visível ao leitor. E dessa forma que termina o capítulo ou mesmo pode ocorrer no meio, é comum termos dois caminhos. Um onde essa revelação é contada no próximo capítulo ou em um trecho próximo com as exatas palavras do personagem, ou uma onde só sabemos a conclusão pelo personagem e seu entendimento, mas não as verdadeiras palavras do discurso até ali.   Então é fácil entender que uma omissão por tensão não tem uma relação em dar respostas, e mesmo que dê, acaba virando uma omissão para revelação.   E nessa decisão de dar essa informação ou não, é por pura escolha do narrador.   Pode-se dizer que há ainda um terceiro formato   — Quanto mais matarmos...   — … Mais forte ficamos.   A reticências pode iniciar um diálogo quando outro alguém completa a frase de um personagem.   Quando a mesma pessoa completa a própria frase, usamos:   — Quanto mais matarmos...   Com um sorriso no rosto, eu agarrei aquela espada.   — Mais forte ficamos.   Não há necessidade de reticências se a fala estiver muito próxima uma da outra. No entanto, se tiver a uns 2~5 parágrafos de distância, é bom deixar claro que essa fala é ligada com a anterior do mesmo personagem.   Hífen   Sabiam que, para gaguejo, é recomendável o uso de hífen?   No entanto, em vez de recortada em consoantes que não conseguem produzir um som completo, o gaguejo fica melhor se for em separação silábica:   C-claro. / M-morra! (errado) Cla-claro. / Mo-morra! (certo)   Perceba que a letra maiúscula (caso se inicie a frase) só ocorre no começo, nunca na palavra completa.   Agora, e se quisermos fazer uma divisão silábica numa frase, qual o jeito correto? Que-ri-do, Que. Ri. Do. ou Que... ri... do?   Bom, as duas primeiras funcionam, exceto a última que podemos dizer que parece ter pausas muito maiores, talvez arfando, talvez com dificuldade na fala.   A primeira entendemos a velocidade mais rápida, diferente do gaguejo, ela não tenta completar a palavra do começo, mas é uma sequência direta.   Já a segunda é mais devagar que a primeira, mas mais rápida que a última, e claro, falando esteticamente, causa um efeito de estranhamento, já que não temos costume de fechar com ponto as separações silábicas. Outros exemplos podem ser:   Que~ri~do.  (carinho) Q-u-e-r-i-d-o. (raiva)   Tópico 3: Sinalização criativa     Aqui, verificaremos pontuações, caracteres especiais, disposições gráficas e linguagem de um texto considerado webnovel , mas que também pode ser utilizado na — e somente na — Escrita Criativa .   Quanto a pontuações, a webnovel permite a utilizar todas da Língua Portuguesa e também algumas estrangeiras que fazem sentido, como:   〜 ♪ ☆ ♡   O caractere 〜 (não confundir com o nosso til ~) é utilizado em falas melódicas ou onduladas, por exemplo:   — Lalala〜   O caractere ☆ é utilizado em gritos alegres ou vozes encenadas, por exemplo:   — Iupiiii☆   O caractere ♡ é utilizado em fala gemida, podendo combinar com o caractere 〜 , por exemplo:   — Ain〜♡   O caractere ♪ é utilizado em canto, por exemplo:   — Salve o Corinthians♪   É bom deixar claro que não existe regra pra isso, nem na língua onde esses caracteres pertencem, a japonesa. Autores estão usando e leitores aceitando. É só isso.   Por que o leitor aceita? Porque é fácil entender. Não confunde, não ilude, não ambígua (guardem bem isso).   Alguns caracteres especiais, como o colchete [ ], os sinais de menor e maior < > e a barra vertical |, podem ser utilizados em casos específicos, como mensagem de sistema ou texto de placas. Outro sinal gráfico — que nesse caso não é um caractere, mas que sinaliza graficamente uma função, que vale a pena explicar aqui — é o separador. Também conhecido como "divisor de texto", o separador tem a simples função de separar o tempo e/ou local do enredo, de um parágrafo a outro. Comumente encontramos autores escrevendo datas, locais, dizeres como "2 horas depois" e "Na casa de XYZ" com a função de separador, ou seja, ocupando 1 parágrafo com apenas esses dizeres. Veja um exemplo: Em muitas histórias, a data e horário exatos são irrelevantes para a narrativa, a não ser que se saiba de um evento futuro com data e horário marcado e essa própria informação cause uma tensão necessária na narrativa, como é o caso do Volume 2 de A Caixa Vazia e a Zerézima Maria: Nos demais casos, utilizar um separador e mencionar "No dia seguinte de manhã cedo,..." no parágrafo seguinte já seria o suficiente. Podem ser feitos separadores com praticamente qualquer caractere. O importante é que não se faça um que ultrapasse o tamanho horizontal da linha, não dividindo o separador em duas linhas devido ao tamanho da tela de leitura. Podem ser feitas também imagens personalizadas no lugar de caracteres, como feito ali em cima logo que comecei a falar de separador.   Recomenda-se então o uso de 3 caracteres, com espaços, travessões e outros caracteres auxiliares entre eles, não correndo o risco de quebrar a linha do separador. O separador também deve estar centralizado, assim como títulos.   E, claro, não se recomenda o uso de separadores com emojis ou com cores. A cor do separador deve ser adaptável ao padrão visual do próprio site. Se preparar separador com imagem, tenha um que facilite a troca de cores como inversão de preto e branco ou tons de cinza. Se mesmo assim optar por separador colorido, consulte previamente o site quanto a isso. Eles costumam ser abertos quanto a este quesito, desde de que não seja tão discrepante do visual do site ou que eles verifiquem o visual do separador possa atrapalhar a sua obra.   Em todo caso, quanto ao separador, é só você inserir os caracteres desejados como parágrafo e alterar o alinhamento para "Centralizado". Tópico 4: Casos específicos   Disposições gráficas de discursos diretos, como falas e pensamentos, deve respeitar as pontuações travessão —, para falas, e aspas “ ”, para pensamentos, podendo ambas serem substituídas pela formatação em itálico do texto, mas não em qualquer caso. Vou lhes dar um exemplo:   Imagine que um de seus personagens possui telepatia, a capacidade de se comunicar mentalmente, sem a necessidade de usar palavras ou ações físicas.   Ele utiliza sua habilidade para conversar com o protagonista, e você, autor(a), deseja sinalizar que esse diálogo está acontecendo dentro da cabeça do protagonista.   Bom, aí vai da sua escolha, mas, veja bem, se você definiu que fala é travessão e que pensamento é aspas, então sobra o itálico para isso — a não ser que você utilize itálico para pensamento, então o que sobra são as aspas.   Alô, alô, está me escutando, capitão?   Jamais usaremos travessão e aspas juntos para algo específico como isso, por exemplo, a menos que   já tenhamos utilizado aspas, travessão e itálico em alguma coisa específica , daí a mistura é bem-vinda.   Pronto, definido isso, saibam agora que todo discurso direto pode ser demarcado com qualquer pontuação .   Se você quiser, por exemplo, indicar a fala de um alto-falante, ou algo parecido, nas seguintes formas:   [ATENÇÃO! PROMOÇÃO IMPERDÍVEL!]   >> ATENÇÃO! PROMOÇÃO IMPERDÍVEL! <<   Estaria correto, da mesma forma que:   — ATENÇÃO! PROMOÇÃO IMPERDÍVEL! — O alto-falante berrava.   ATENÇÃO! PROMOÇÃO IMPERDÍVEL!   ou   — ATENÇÃO! PROMOÇÃO IMPERDÍVEL!   Tudo correto. Claro, lembre-se de colocá-los na esquerda, deixe o centralizado para sistema mesmo.   Outro exemplo interessante de comentar é o caso de você querer representar o diálogo de duas ou mais pessoas conversando na internet.   Diálogos por internet podem ser de muitas formas, como por exemplo: (Ou até mesmo a sua própria, caso crie uma!)   Fato importante a considerar é que discursos isolados, ou seja, sem trecho narrativo, também são parágrafos e devem seguir a mesma formatação de um parágrafo comum, inclusive considerando o tamanho. Com trecho narrativo é a mesma coisa.   Falas no mesmo parágrafo são do mesmo personagem, e, quando muda de parágrafo são de outro personagem, assim como o pensamento.   Para contornar tal recurso, e ter um discurso longo dividido em mais de 1 parágrafo, para pensamento pode ser utilizado o itálico e para falas pode ser intercalado com parágrafo comum.   Quanto à linguagem, em webnovel deve ser utilizada o texto em prosa, podendo ser intercalada com poemas, descrições cruas em casos específicos ou trechos de cartas ou diários, como é o caso de “Cheat da Figurante: Tenho que Destruir Todas as Rotas!?”: De qualquer forma, lembre-se: a prosa deve ser o texto principal e o determinante de estruturas de parágrafos.   Tópico 5: Estilos de fontes tipográficas   Assim como tudo na escrita criativa, cada estilo de fonte tipográfica imprime um significado diferente e pode facilitar ou complicar sua mensagem.   Para escolher certo, é essencial aprender a diferenciar estilos, então segue abaixo algumas características das fontes que tanto usamos no dia a dia e o que cada uma significa.   Negrito   Usa-se em situações de destaque, por exemplo: poderes (de preferência não usar), mudança de local ou tempo em destaque no texto (recomendável usar um separador e não negrito), profundidade de voz no diálogo — em caso de nervosismo, raiva, ódio, fúria ou loucura — e em palavras que o leitor deve se atentar.   O negrito é um ótimo modificador de tom, assim como o itálico (mas é mais difícil encontrar utilidade a ele).   — Você me  pertence.   — Não… ele não fez isso!   Sublinhado   Mesmo caso para o negrito, exceto que não modifica o tom, mas pode ser útil em situações de texto, mensagens ou discursos por internet.   Segue abaixo um exemplo de sublinhado utilizado para destacar palavras que o leitor deve se atentar, na Light Novel japonesa “A Caixa Vazia e a Zerézima Maria”:   Riscar palavras   Usa-se apenas em casos especiais, como brincadeira do narrador em errar/ocultar uma palavra ou mesmo em conversa de chat. Por exemplo:   Censu ██   Censura ocorre em caso de primeira pessoa, onde sabemos que o narrador (personagem) de fato não conseguiu ouvir aquilo.   — O nome dele é ██████.   Dá para fazer censura em terceira? Sim, em fala, digamos que numa gravação a parte essencial está corrompida e não dá para ouvir certos trechos. Aí, daria para fazer de formas diferentes, como por exemplo:   — E eles vieram até nós. E eles fiz... Chzhhtz... e também levaram... Bbsshhz…   Em caso de um personagem saindo de um desmaio, sono ou atordoamento:   — ...corda! Acorda, vamos!   Perceba que a reticências é grudada na palavra no meio, diferente do caso da omissão de resumo de antes.   CAIXA ALTA   Quando utilizada em toda a frase, é apenas o uso estilístico para aumento de tom completo. Não é o mesmo que engrossar a voz como seria o negrito:   — Vem cá, Lucas .   Mas um berro:   — LUCAS, DESCE AQUI, AGORA!   Alterar fonte É permitido diminuir a fonte para indicar sussurro, mas nenhum site tem suporte para essa função (inclusive o desse artigo😒), apenas na diagramação do pdf. Um exemplo de obra que utiliza o aumento e diminuição de fonte é a "Como Treinar o Seu Dragão".   Agora, quando o assunto é trocar de fonte toda vez que um personagem for falar, não falamos sobre permissão, mas sobre conveniência e uso digno.   Se fica bom, não tem problema, mas todo personagem utilizar uma fonte única, perde o sentido de fazer isso.   Uma obra que utiliza um recurso assim é a "Until Death?", que a novel é uma sequência de outras obras do autor onde há um casal de personagens que reencarnam em todas histórias e seus espíritos são os mesmos, então em uma eles são deuses, outra reencarnados em algum mundo, mas eles não sabem que um e o outro foi seu casal (alma gêmea) em todas histórias, mas o leitor sim, porque cada um dos personagens tem seus diálogos colorido da mesma cor em todas obras do autor, para indicar ao leitor que essencialmente aquelas almas são as mesmas.   Termino este artigo dizendo que a utilização das pontuações variam de autor para autor — pois dependem do estilo escolhido por ele — que, uma vez definida uma pontuação, ela deverá permanecer assim, a mesma, até o final da obra e que tudo que foi falado aqui não passa da pontinha do iceberg.   Conforme a forma como nos comunicamos evolui, a maneira como nos expressamos também, abrindo espaço na escrita para o uso de emojis, kaomojis, imagens, gifs e por aí vai.   Por isso, afirmo que este é um guia quase definitivo e que o céu não é o limite, meus caros. Então voem o mais alto que puderem! Agradecimentos: Rose Kethen Kamo Kronner

  • SENTIENDI É UMA FARSA

    A partir do momento em que eu entrei no servidor da Novel Brasil, não demorou muito até ser martelado algumas dezenas de vezes pelas estruturas básicas de um texto narrativo — dos quais eu era totalmente ignorante. Um desses artifícios foi o verbo de elocução — declarandi ou dicendi — o indicador de um discurso direto. — Fujam! É mais um artigo de gramática! — gritaram os tutorandos. Calma! Não fujam de mim ainda. Eu prometo: este será divertido. Pra início de conversa, vocês já devem estar careca de saber que “gritaram” é o dicendi da frase. Se não sabe, vá imediatamente ler o artigo introdutório escrito pelo nosso amado Velho — Kamo Kronner — pois hoje o nosso papo será sobre o irmãozinho do dicendi: o verbo sentiendi . O problema dos diálogos internos Para amarrar as pontas soltas logo de início, precisamos nos lembrar que o discurso direto é uma forma de transmitir a fala de um personagem exatamente como foi dita, isso é, quando o próprio personagem diz algo. Enquanto, por outro lado, um discurso indireto é caracterizado por um falante o qual reproduz a mensagem, transpondo-a com suas palavras. Certo, sabemos a definição de dicendi e de discurso direto e como esses dois se relacionam. Mas uma fala é o único meio pelo qual um personagem tem de se comunicar? Ou melhor, a única forma do personagem emitir uma mensagem é a partir de uma fala? Como já devem imaginar: não, não é. E qual seria uma outra forma do personagem se comunicar de forma direta, então? “Quem é aquela mulher do lado do Carlos Alberto?” Percebam: isso não foi verbalizado por Maria, isso é, não saiu da boca dela. Ela não declarou essa frase, mas pensou nela. Sim, nós vamos falar sobre pensamentos. E, logo de cara, nós temos um problema. Devemos, então, usar dicendi para sinalizar pensamentos? Não. Ou melhor, não exatamente. Seria estranho se os pensamentos fossem acompanhados pelo exato mesmo tipo de verbo que as falas. “Quando ele vai parar de falar?”, disse João. “Finalmente!”, gritou Sandra. Não parece certo, não é? Bom, não seria correto dizer que não estão. Para ser mais preciso, o desconforto aqui é: não parecem pensamentos . E a questão fica ainda mais complicada se relembrarmos como algumas das regras de sinalização funcionam. Lembram-se que, por convenção, usa-se travessão para indicar um diálogo e aspas e itálico para indicar pensamentos? Pois é, textos escritos em inglês seguem regras um pouco diferentes. A nossa espada de Dâmocles surge quando percebemos os diálogos na gringa sinalizados pelas mesmas aspas que por aqui, no português, sinalizam pensamento. Ou seja, um leitor acostumado com livros em inglês provavelmente confundiria os trechos do exemplo com falas , enquanto um leitor acostumado com a sinalização brasileira — isso é, o travessão — simplesmente ficaria confuso. Para ilustrar melhor, vamos voltar ao primeiro exemplo deste tópico. “Preciso fugir! É mais um artigo de gramática!” Ótimo. Agora transformada uma fala em um diálogo interno, precisamos de uma forma de indicá-lo. “Falar”, “dizer”, “gritar” e outros dicendi mais comuns não conseguirão fazer esse trabalho, visto que tudo vai simplesmente parecer uma fala. E é aqui onde os verbos sentiendi surgem. O que é um verbo sentiendi? SENTI endi são verbos de SENTI mento, ou pelo menos é assim que ensinam por aí — tenha calma, pois já já chegamos lá. Isso quer dizer que ao invés de indicar uma fala, como “disse” e “falou”, eles sinalizam ações ligadas ao interno do personagem, à parte mental dele. Percebam: assim como o dicendi, os verbos “adivinhar” e “lembrar” demonstram quem está pensando (3ª pessoa, ou seja, um personagem fora o narrador), quando ela pensou (pretérito perfeito) e de qual forma essa ação ocorreu (lembrar, adivinhar, lamentar…). Verbos de elocução só existem quando enunciam discurso? Assim como o dicendi, que tem regrinhas de pontuação — regrinhas essas pelas quais eu tenho certeza que você já teve alguma dor de cabeça —, o sentiendi também tem algumas convenções. Antes disso, no entanto, precisamos clarear uma coisa: como identificá-lo. Se é assim, então tente me dizer em quais desses exemplos existe um verbo sentiendi: 1,2,3… em todos! Sim, em todos. Apesar da pontuação ser diferente, ela não importa quando a métrica é “há dicendi/sentiendi nessa frase?”. Se existe um verbo indicando pensamento ou sensação que estimule um dos 5 sentidos, então existe um sentiendi. E o mesmo, aliás, se aplica ao dicendi. Tendo verbo de elocução, há dicendi. Sentiendi é uma farsa Farsa? Espera, você me explicou tudo isso pra no fim me dizer que é mentira? Não! Digo, sim. Ou melhor: calma! Não é bem assim. Se eu lhe disser: “sentiendi são verbos de sentir” — isso é, indicadores de que o personagem experimentou algum sentimento —, isso estaria correto? Sim? Não? Mais ou menos? Bom, a verdade é que essa é a definição em grande parte dos sites de português e gramática. A questão aqui é que essa não é uma explicação exata e muito menos satisfatória para nós, escritores com o desejo de aprender o seu melhor funcionamento. Se pesquisarmos a etimologia da palavra, entenderemos que sentiendi está muito mais ligado à ideia de ter a sensação de  algo , ter a percepção de alguma coisa , e não de um sentimento. A partir dessa linha de pensamento, “perceber pelos sentidos” e “experimentar uma sensação ” estão muito mais próximos de uma definição real do sentiendi do que “Ter um sentimento”. Lembram-se do que eu falei antes sobre os 5 sentidos? Pois é. Eu adicionei uns exemplo propositalmente confusos lá em cima para podermos aprofundar essa ideia agora. Gabriela entrou na igreja em prantos. “Por quê? Por que, Deus?”, ajoelhou-se no chão e começou a orar. “Por favor, meu querido Deus! Tenha misericórdia dessa sua fiel serva.” Provavelmente você leu esse exemplo uma ou duas vezes e se perguntou: “Ora… mas cadê o maldito sentiendi nesse trecho?”. Para entender isso, vamos voltar alguns anos no tempo. Lembro-me da tia Claudinha, professora do jardim de infância que me ensinou que o meu nariz podia sentir cheiros — e esse era o olfato —, minha boca podia sentir o gosto das coisas — o paladar —, minha pele sentir o toque — o tato —, meus olhos podiam ver — a visão — e meus ouvidos captar os sons — a audição. Quando eu digo, portanto, que a personagem “ajoelhou-se”, não seria essa uma ação a qual estimula a sensação sensorial do tato, como tocar, olhar, pegar, sentir e tantos outros? Se é, então é um sentiendi. Sendo um sentiendi, vem em minúsculo. Mas vem mesmo? Entre os escritores e linguistas, há aqueles que não acham correto o sentiendi vir em minúsculo se não exprime um sentido de fala. Por esse motivo, uma saída para esse problema — isto é, uma outra forma de interpretá-los — proposta pelos gramáticos é que quando utilizamos esse tipo de verbos para indicar uma reação sensorial do personagem a alguma ação ou acontecimento após uma fala, o dicendi ainda existe e está, na verdade, elipsado. — Olha o quão bonita ela é, mãe! — pegou a boneca. — Olha o quão bonita ela é, mãe! — pegou a boneca [depois de falar]. Tendo elucidado a questão sobre os verbos sentiendi, agora podemos entender mais como eles funcionam e então aplicá-los da forma correta em nossa escrita. Mas lembre-se: há uma diferença entre um verbo sentiendi e um verbo que é usado como sentiendi — posto como sinalizador de pensamento/percepção; assim como há uma diferença entre um verbo dicendi e um verbo colocado como dicendi. Por exemplo: — Ela deve estar me traindo! — teorizou. Ela deve estar me traindo!, teorizou. Como pode ver, “teorizar” serve tanto para falas como para pensamentos. Ele é “neutro”, digamos assim. É aceitável usá-lo tanto para um quanto para o outro, diferente de “anunciar”, por exemplo, que seria bem estranho se usado para pensamentos. E é bom esclarecer que “teorizar” é um sentiendi em sua definição , pois retrata um processo mental realizado pelos sentidos/pela percepção. Por que estou falando isso? Porque, quando usamos um verbo de percepção/pensamento (sentiendi) no lugar de um verbo de elocução (dicendi), este sentiendi se torna um dicendi — não em sua definição própria e individual, mas em sua execução —, tendo em vista que passa a referir-se à elocução de alguém — à expressão de um pensamento através da fala (“elocução” segundo a Oxford Languages ). E o mesmo acontece para verbos dicendi postos como sentiendi. Por isso, mais uma vez eu digo: o sentiendi é uma farsa . Dito isso, lhe agradecemos, caro leitor, por ter lido até aqui. Esperamos que você continue estudando cada vez mais para aprender o máximo possível. Nos vemos no próximo artigo!

  • Crie um capítulo 1 perfeito em 7 passos

    Você já olhou para o primeiro capítulo da sua história e pensou: "Tem algo errado aqui, mas não sei exatamente o quê" ? Talvez a cena inicial esteja arrastada, os diálogos pareçam um pouco... cringe (palavra tão obsoleta quanto suas ideias), ou pior: sente que o leitor simplesmente droparia  antes de chegar na segunda página. Dói, né? O capítulo 1 é tipo um teste de química : ou bate de primeira e prende o leitor, ou ele some para nunca mais voltar. Precisa apresentar personagem, ambientação e conflito sem parecer um tutorial de MMORPG mal feito. Parece difícil? Bom, porque é. Se você escreve webnovels, romances seriados ou qualquer história que dependa de engajamento , sabe que um começo ruim pode condenar até a melhor das tramas. Afinal, não adianta ter um final épico se ninguém chega até lá. Mas calma, não precisa entrar em modo "reescrevendo eternamente o capítulo 1". Neste artigo, vamos direto ao ponto: 7 passos para criar um capítulo 1 perfeito , que prende o leitor e faz ele implorar pelo próximo. Passo 1: A Primeira Frase Deve Ser Única O que faz um leitor dropar  no primeiro parágrafo? Um início genérico. Se sua primeira frase for previsível ou esquecível, o leitor sente que já leu essa história antes e perde o interesse . “A primeira vez que abrimos um arquivo pra escrever e não sabemos o que externar é o problema. Temos a ideia e não surge a palavra inicial.” — Rose Kethen A missão da primeira frase (e do primeiro parágrafo) é ser memorável . Algo que grude na mente do leitor e o obrigue a continuar . Para isso, ela deve ser única , carregada de curiosidade  e ter uma promessa embutida  sobre o tom e o rumo da história. 🚫 Erros comuns em primeiras frases Para evitar armadilhas, veja alguns tipos de abertura que NÃO FUNCIONAM : ❌ Genérico e sem vida: "Era uma manhã fria e chuvosa na cidade." → Parece a descrição de um boletim meteorológico. Um cenário sem um gancho narrativo não diz nada sobre a história. ❌ Personagem acordando sem propósito: "Acordei com o som do despertador e me espreguicei." → Se a história não for sobre um despertador assassino, ninguém se importa. ❌ Exposição sem mistério: "Lucas era um rapaz comum de 17 anos que morava no interior." → Se ele é comum , qual o interesse do leitor em continuar? ❌ Monólogo filosófico sem conexão: "O tempo é uma ilusão. Tudo que conhecemos é apenas um reflexo do que desejamos." → Sem contexto, frases assim só parecem pretensiosas e desconectadas. ✅ Como criar uma primeira frase memorável? Agora que vimos o que não  fazer, vamos ao que funciona . A primeira frase pode causar impacto de várias formas. Algumas abordagens eficazes incluem: ✔ Introduzir um mistério imediato "Três dias depois de morrer, acordei sem saber onde estava." → Quem morreu? Como está vivo? O que aconteceu? ✔ Criar um choque ou contradição "Eu não sabia que matar um deus era tão fácil." → Ação inesperada. Por que foi fácil? O que acontece agora? ✔ Revelar um detalhe bizarro "Os olhos de meu pai estavam no prato, me observando." → Que cena é essa?! O leitor quer saber o que está acontecendo. ✔ Usar um tom cômico ou sarcástico "Se eu soubesse que ia morrer hoje, teria pelo menos tomado café da manhã." → Mistura humor e mistério de um jeito envolvente. ✔ Criar uma atmosfera envolvente "O cheiro de sangue ainda estava na parede quando abriram o bar naquela manhã." → Já estabelece um clima sombrio e levanta perguntas. 🔥 Dicas para um começo forte 🔹 Teste sua frase:  Leia em voz alta. Se parecer uma frase que qualquer outro livro poderia ter, repense. 🔹 Evite ser expositivo:  O leitor não precisa saber tudo  logo na primeira frase. Mas precisa sentir que vale a pena continuar. 🔹 Mantenha o tom da sua história:  Uma comédia pode começar engraçada, um thriller pode chocar, uma fantasia pode instigar mistério. 🔹 Foque no inesperado:  Se sua frase for previsível, mude até que ela pareça algo único . 🔹 Não tenha medo de reescrever:  Grandes histórias nascem de reescritas. Sua primeira frase pode (e deve) evoluir. Agora que sua primeira frase está pronta para agarrar o leitor pelo colarinho e não soltar, é hora de garantir que o restante do capítulo 1 sustente esse impacto . De nada adianta um começo eletrizante se, logo depois, a história cai num marasmo de exposição sem propósito. No próximo passo, vamos falar sobre como estruturar a cena inicial para manter o ritmo e a curiosidade do leitor acesos . Passo 2: A Cena Inicial Já que a primeira frase fisga o leitor, a cena inicial é onde você mantém a linha tensionada. A tensão deve ser criada sem pressa de explicar tudo , mas em vez disso, convidando o leitor a seguir as pistas que você está deixando no caminho. E isso pode ser feito de várias formas. Ação em vez de exposição Não caia na tentação de explicar tudo logo de cara. Dê ao leitor pedaços de informação  enquanto a história acontece, não antes. A ação  é o motor do envolvimento. A exposição  vem como um bônus, no momento certo. Diálogos que revelam, não apenas conversam Diálogos são uma excelente forma de mostrar  a personalidade dos personagens e introduzir o conflito  de forma orgânica. Evite diálogos onde os personagens só contam  coisas sem relevância ou sem emoção. Introdução de personagens através de ação, não descrição O leitor pode construir a aparência de um personagem ao longo do tempo  com base em como ele age, fala e pensa, sem uma grande apresentação inicial. Dê um motivo para se importar com esse personagem logo de cara. Evite fórmulas O começo de uma história não deve se parecer com o de outras já vistas. Se você já leu algo parecido, talvez seja hora de reinventar. Evite clichês como o "herói comum"  ou "uma manhã normal que vai ser interrompida" . 🚫 Gafes da cena inicial Eu sei que muitos autores ficam empolgadíssimos de apresentar tudo que prepararam para a obra logo de início, mas pare, respire e pense. Veja só as maiores gafes que você pode cometer: ❌  Exposição Excessiva "Nos mil anos de história do Reino de Ventárica, existiam três grandes famílias que governavam a magia da terra: os Nobis, os Auror, e os Setor." Isso é um exemplo clássico de explicação  antes de qualquer ação. O leitor não se importa com essa informação no início, especialmente se ainda não tem um conflito  ou uma razão para estar interessado . O perigo de começar com longas passagens explicativas é que você perde o engajamento imediato . ❌  Exposição Desnecessária "Ela era uma mulher com sonhos grandes, mas sempre havia algo que a impedia de avançar: uma rotina entediante no escritório e uma vida amorosa medíocre... Mas aquele dia mudaria tudo." Aqui, a exposição emocional  não tem base ainda. O leitor não sabe quem é essa mulher  e nem tem informações suficientes para se importar com a jornada dela. Esse tipo de frase é fácil de encontrar em qualquer romance comum, mas ela não instiga curiosidade  nem conecta emocionalmente  com o leitor logo de cara. ❌  Monólogo Excessivo "O universo é vasto e cheio de possibilidades. De todos os planetas que foram descobertos ao longo dos séculos, nenhum se compara à Terra, com sua diversidade e caos. Mas eu, agente especial de Zendar, sou um dos poucos a realmente compreender a complexidade do cosmos." Esse monólogo é totalmente desconectado da ação  e serve apenas para expor ideias  sem realmente cativar  o leitor. Não há uma conexão emocional  ou um motivo claro  para o leitor continuar. Parece mais uma dissertação de alguém querendo mostrar seu conhecimento, o que é o oposto de engajar a curiosidade de quem lê. ✅ Como conquistar o leitor logo no início! Se você já conhece agora o que não fazer na cena inicial, aqui vai alguns exemplos do que você pode fazer: ✔  Ação e Imersão "A flecha atravessou o ar com um grito sibilante, fincando-se no peito de um dos guardas. O homem caiu sem sequer soltar um som, enquanto Renia recuava na penumbra da floresta." Aqui, já estamos dentro da ação . O leitor já sabe o que está acontecendo e sente a tensão da perseguição . Não precisamos de nenhuma explicação sobre a sociedade ou o histórico de Renia ainda, porque ela está agindo  e o conflito já começou . ✔  Diálogo Revelador e Imersivo "— Se você não contar a verdade agora, vou embora. E dessa vez, sem voltas. — A voz de Clara estava tão baixa que mal podia ser ouvida, mas o gelo no tom fez com que ele recuasse. O silêncio se arrastou por minutos até ele finalmente falar. O diálogo  introduz diretamente o conflito: desconfiança e uma ameaça emocional . O leitor é imediatamente puxado para dentro da situação  e começa a questionar o que está acontecendo. Isso cria curiosidade  e também um tom dramático , sem cair em explicações desnecessárias. ✔  Pensamento Introspectivo e Ação "A nave deslizou pela atmosfera com a suavidade de um espectro. Mas eu sabia que em algum ponto a gravidade faria o trabalho dela. A ansiedade me apertava no peito: 'E se eu errar a manobra?' A resposta, como sempre, era clara. Se eu errasse, não haveria volta." Aqui, a introspecção  do personagem cria uma sensação de tensão psicológica imediata. O leitor já sabe que ele está em uma situação difícil e está emocionalmente conectado com o personagem. O que está em jogo  é mais importante do que qualquer explicação científica sobre como a nave funciona. Agora que sua cena inicial está criada com ação  e curiosidade , o próximo passo é construir a imagem inicial do protagonista. Ele é o personagem mais importante da trama e merece um passo inteirinho pra ele. Passo 3: Apresentando o Protagonista O protagonista é a âncora da história. Se ele for insosso como mingau sem açúcar, o leitor vai pular fora antes mesmo de dar uma chance para o enredo. Então, como garantir que a apresentação dele seja cativante, envolvente e, acima de tudo, natural? O momento certo para apresentá-lo Nem sempre o protagonista precisa dar as caras logo na primeira linha. Às vezes, o cenário ou uma cena intrigante vêm antes. Mas quando ele aparecer, que seja de um jeito marcante. ✅ Bom exemplo:  O protagonista surge no meio de uma negociação clandestina, suas palavras carregam tensão, e cada gesto seu revela algo sobre sua personalidade. ❌ Mau exemplo:  "Olá, eu sou o João, tenho 22 anos, sou órfão e gosto de tocar violão." (Nada contra o violão, mas isso não gera impacto.) Introdução natural e orgânica Nada de despejar informações como um vendedor de enciclopédia nos anos 90. A aparência, o histórico e a personalidade do personagem devem ser descobertos gradualmente, por meio de ações e diálogos. ✅ Dica:  Use a interação do personagem com o ambiente e outras pessoas para mostrar quem ele é. ❌ Evite:  "Lucas olhou no espelho e viu seu cabelo castanho bagunçado, os olhos verdes cansados e a cicatriz que ganhou na infância." (Se o personagem não tem amnésia, ele já sabe como é. O leitor não precisa desse espelho expositivo.) Personalidade e voz narrativa Cada protagonista deve soar único. Sarcástico, melancólico, ingênuo, indiferente... Qualquer que seja seu tom, ele deve estar claro desde o começo. ✅ Bom exemplo:  "A fumaça do cigarro desenhava espirais no ar. Eu odiava esse cheiro, mas odiava ainda mais parecer fraco diante dos outros." ❌ Mau exemplo:  "Meu nome é Alex e sou muito determinado." (Mostrar > Contar.) Escolha do ponto de vista A forma como a história é narrada influencia a conexão do leitor com o protagonista. 🔹 Primeira pessoa:  Mais intimista, mergulha nos pensamentos do personagem. ✅ "A sala estava quente, e minha camisa grudava no corpo. Péssimo dia para brigar." ❌ "Meu nome é Pedro, tenho 17 anos e sempre fui muito corajoso." 🔹 Terceira pessoa limitada:  Mostra as ações do protagonista sem mergulhar diretamente em sua mente. ✅ "Lucas apertou os punhos. O frio na barriga era insuportável, mas ele não podia recuar." ❌ "Lucas era tímido e sempre teve medo de palco." 🔹 Terceira pessoa onisciente:  Dá uma visão mais ampla, mas precisa ser bem dosada para não afastar o leitor. ✅ "Ninguém na cidade sabia o que se passava na cabeça de Helena, mas se observassem de perto, veriam suas mãos inquietas e a tensão nos ombros." ❌ "Helena tinha um passado trágico e muitas decisões difíceis pela frente." (Muito vago.)O problema nesse último é que o narrador denota muito que sabe, mas não conta e fica segurando. Ninguém quer ler João Kléber em novel. Erros clássicos na apresentação ❌ Infodump:  "Léo cresceu em um orfanato, foi expulso da escola, trabalhou como mecânico e agora vive em fuga." (Isso pode ser inserido ao longo da trama.) ❌ Protagonista passivo:  Se o personagem só reage e nunca age, ele se torna desinteressante. ❌ Clichês desgastados:  "Acordei atrasado para a escola e bati de cara na garota mais bonita da turma." ✅ Melhor abordagem:  "O cheiro de pólvora ainda pairava no ar quando Léo abaixou a arma. Ele deveria se sentir aliviado, mas o peso daquela decisão ainda pressionava seu peito." O protagonista não precisa ser apresentado como um formulário de inscrição. Deixe que o leitor o descubra aos poucos, por meio de ações e interações. Quanto mais natural essa revelação for, mais forte será a conexão com a história. Agora que o protagonista está no palco, é hora de falar sobre os conflitos que vão movimentar a trama . Afinal, um bom personagem sem um problema para resolver é como um herói sem vilão. Vamos para a próxima seção! Passo 4: Conflito e Motivação Agora que temos um protagonista bem apresentado, falta aquele empurrãozinho para fazer o leitor se importar com ele. E o que faz alguém se importar com um personagem? Conflito e motivação. Seu protagonista pode ser carismático, forte, engraçado ou misterioso, mas se ele não tiver um propósito e um problema para resolver, a história simplesmente não anda. O primeiro capítulo não precisa entregar toda a treta de uma vez, mas deve pelo menos plantar as sementes de algo que vai desestabilizar a vida do personagem. ☠️ O perigo da vida sem problemas Imagine que você está lendo um capítulo 1 assim: "Pedro acordou, bocejou e escovou os dentes. Depois foi para a escola, conversou com os amigos e voltou para casa. Mais um dia normal." Se não há conflito, o leitor pula fora. Nenhuma história começa com um protagonista que tem tudo sob controle. Mesmo que ele ainda não saiba, algo está prestes a tirar sua vida dos trilhos. ✅ Bom exemplo:  Pedro acorda, mas percebe que seu reflexo no espelho não está imitando seus movimentos.❌ Mau exemplo:  Pedro acorda e segue sua rotina sem nenhum evento que gere tensão. 🚀 Motivação: por que ele não volta pra casa e dorme? Conflito sem motivação também não funciona. Imagine que seu protagonista descobre que um assassino está solto na cidade… e decide ignorar. Isso quebra a imersão porque um personagem sem um motivo forte para agir parece um boneco sem vida. ✅ Bom exemplo:  Pedro descobre que seu reflexo está desincronizado e decide investigar, pois teme estar enlouquecendo.❌ Mau exemplo:  Pedro percebe algo estranho no espelho, mas decide que não tem importância e segue o dia normalmente. O leitor precisa entender por que  o protagonista faz o que faz. Ele está buscando algo? Fugindo de algo? Lutando contra algo? ⚡ Como introduzir o conflito e a motivação no capítulo 1 O conflito pode surgir de várias formas, mas aqui estão algumas maneiras eficazes de jogá-lo no primeiro capítulo: Uma descoberta inesperada  → O protagonista descobre que sua família esconde um segredo. Uma ameaça iminente  → Um vilão aparece, uma tragédia acontece, um evento muda tudo. Um dilema pessoal  → O protagonista precisa tomar uma decisão difícil. Um objetivo claro  → Ele quer vingança, quer fugir, quer conquistar algo importante. Uma reviravolta  → Algo que parecia normal muda drasticamente. ✅ Bom exemplo:  Um estudante recebe uma carta anônima dizendo que ele morrerá em sete dias. ❌ Mau exemplo:  Um estudante recebe uma carta anônima e pensa “que estranho” antes de jogá-la no lixo e seguir a vida. 🔥 Tipos de conflito para escolher Nem toda história precisa de batalhas épicas ou perseguições frenéticas. O conflito pode ser mais sutil e psicológico. Aqui estão os tipos mais comuns: Contra um antagonista:  Um vilão, um rival, uma entidade que se opõe ao protagonista. Contra o ambiente:  Uma cidade decadente, um apocalipse zumbi, um navio à deriva. Contra si mesmo:  Medos, traumas, dilemas morais, insegurança. Contra o destino:  Profecias, ciclos de tragédias, tentativas de mudar o futuro. Misturar dois ou mais desses conflitos cria histórias mais complexas. 📌 Evite conflitos forçados Se o conflito parecer artificial, o leitor percebe. Não force o protagonista a agir de forma irracional só para criar drama. ✅ Bom exemplo:  Um garoto pobre decide entrar no submundo do crime porque precisa salvar sua mãe doente. ❌ Mau exemplo:  Um garoto pobre decide entrar no submundo do crime porque sim. O capítulo 1 deve responder duas perguntas essenciais: “O que está errado?”  e “Por que o protagonista se importa?” . Se o leitor entender isso, ele terá um motivo para continuar lendo. Agora que temos um protagonista que quer algo e enfrenta obstáculos, precisamos falar sobre onde tudo isso acontece: o cenário, o tom e o ritmo da história. Passo 5: Moldando a Identidade da Narrativa – Tom, Ritmo e Atmosfera Um capítulo não é apenas um conjunto de eventos encadeados; ele tem identidade própria . O leitor precisa sentir que está mergulhando em um ambiente único , com um ritmo adequado  e um tom coerente  com a história. Se a cena inicial fisgou o leitor e o conflito o intrigou, o que mantém esse envolvimento agora é a forma como a narrativa respira e transmite emoções. ⛈️O tom define a experiência O tom  de uma história determina como os eventos serão sentidos pelo leitor. Um romance pode ser sombrio, cínico, otimista, melancólico, sarcástico ou enigmático. Para estabelecer o tom certo: ✔ Use a escolha de palavras  – Compare estas frases: A tempestade devorava o céu como um monstro faminto.  (Tom sombrio) A chuva tamborilava no vidro, dançando ao ritmo do vento.  (Tom poético) ✔ Construa a percepção do protagonista  – Ele vê o mundo com ironia, medo, deslumbramento? Sua perspectiva filtra a narrativa , influenciando o tom geral. ✔ Mantenha a coerência  – Se um thriller começa com tensão e urgência, manter um tom leve e descontraído logo em seguida pode quebrar o impacto emocional. 👻A atmosfera dá profundidade à cena Se o tom  define a emoção, a atmosfera  cria a imersão sensorial . Um erro comum é descrever demais ou de menos. O segredo está em ativar os sentidos certos para o momento certo. ✅ Bons exemplos: “A madeira queimada ainda perfumava o ar, enquanto cinzas dançavam sob a luz mortiça da fogueira.” (Traz cheiro , visão , movimento ) “As paredes do corredor pareciam se estreitar a cada passo e o silêncio sufocante só era interrompido pelo gotejar insistente no teto.” (Cria claustrofobia sem precisar dizer “era um lugar claustrofóbico”) ❌ Maus exemplos: “O lugar era assustador e sombrio.” (Muito vago e genérico) “O ar cheirava a mofo e madeira queimada, o chão rangia a cada passo, a luz piscava intermitentemente, um rato correu pelo canto, a porta rangeu…” (Muita coisa ao mesmo tempo, criando poluição sensorial) 📌 Dica:  Em vez de listar tudo, escolha dois ou três elementos sensoriais  que melhor representam a cena. 🚀O ritmo mantém o leitor preso A velocidade com que uma cena se desenrola influencia diretamente a imersão do leitor. 📌 Como ajustar o ritmo? Frases curtas e diretas aceleram a leitura.  Ótimo para ação, tensão ou diálogos rápidos. O vidro estilhaçou. Ele correu. Não olhou para trás. Frases mais longas e descritivas criam pausa e contemplação.  Funcionam para momentos reflexivos ou atmosferas densas. O vidro se estilhaçou em milhares de pedaços brilhantes, espalhando-se pelo chão como um céu estrelado caído. ⚠️ Varie o ritmo!  Uma narrativa monótona, seja rápida ou lenta demais, cansa o leitor. 🧐Clareza: evite prolixidade e ambiguidade Uma escrita envolvente não significa ser rebuscada ou complexa. Se o leitor precisar voltar uma frase para entender , há um problema de clareza. ✅ Bons exemplos: Ele hesitou. A faca tremia em sua mão. Seu reflexo no metal mostrava olhos que não reconhecia.  (Claro, direto e evocativo) ❌ Maus exemplos: No limiar de um dilema existencial, sua psique ecoava em um vórtice de confusão enquanto a lâmina refletia a inexorável marcha do destino.  (Confuso, dramático demais e sem impacto emocional real) 📌 Dica:  Leia em voz alta! Se uma frase soar truncada ou exagerada, reescreva. O tom, a atmosfera, o ritmo e a clareza formam um equilíbrio essencial  para manter a leitura envolvente. Uma narrativa densa precisa de pausas. Um momento de impacto exige uma frase precisa. Um mundo rico deve ser revelado sem excessos. Agora que a identidade narrativa está moldada, é hora de garantir que a história continue crescendo sem perder força. No próximo passo, exploraremos como sustentar a progressão do capítulo com arcos narrativos e tensão crescente. Passo 6: Construindo Miniarcos – O Pulso Narrativo Que Mantém o Leitor Preso Agora que estabelecemos o tom, a atmosfera e o ritmo , surge uma questão essencial: como garantir que o capítulo 1 tenha impacto contínuo e não apenas um bom começo?  A resposta está nos mini-arcos narrativos, de personagem e emocionais , que transformam cada trecho da cena em algo vivo e significativo. A ideia aqui não é apenas seguir uma estrutura rígida de história, mas entender que cada capítulo pode conter ciclos menores de tensão e resolução  para sustentar o envolvimento. 🦴Arcos narrativos – O esqueleto invisível Antes de tudo, um capítulo precisa ter estrutura interna . Mesmo que a obra completa siga um modelo de três atos ou Freytag, o capítulo em si pode conter um micro-arco narrativo . Modelos aplicáveis ao capítulo 1: 📌 Ato único  – Introduz um problema e o resolve (ou piora) rapidamente. Ótimo para cenas de abertura intensas , que fisgam o leitor. 📌 Três atos  – Estabelece a cena (1), apresenta um conflito (2) e termina com uma virada (3). Ideal para capítulos introdutórios. 📌 Pirâmide de Freytag  – Exposição → Ascensão → Clímax → Queda → Desfecho. Usado para capítulos que simulam uma jornada curta dentro da maior narrativa. 📌 Kishotenketsu  – Introdução → Desenvolvimento → Reviravolta → Conclusão. Perfeito para histórias que brincam com contrastes ou surpresas inesperadas. Imagine que um capítulo 1 começa com um personagem fugindo de algo desconhecido. O autor pode estruturar a tensão assim: 1️⃣ (Introdução)  Ele corre por uma floresta, sem saber o que está atrás dele. 2️⃣ (Desenvolvimento)  Ele acha que está seguro, encontra uma casa abandonada e entra. 3️⃣ (Reviravolta)  Dentro da casa, percebe que não estava sendo seguido por um monstro... mas por outra versão de si mesmo. 4️⃣ (Conclusão)  O capítulo termina com a revelação desse duplo se aproximando. Isso cria uma narrativa encapsulada , mantendo o leitor imerso sem exigir explicações longas. 🎭Arcos de personagem – O crescimento dentro do capítulo Um erro comum no capítulo 1 é apresentar o protagonista de forma estática . O leitor precisa ver um traço dinâmico , mesmo que seja sutil. Aqui entram os mini-arcos de personagem , que podem ocorrer dentro do próprio capítulo , antes de se expandirem na história. Tipos de mini-arcos de personagem em um capítulo inicial: 📌 Transformação  – O protagonista começa com uma visão de mundo e, ao final do capítulo, percebe que algo estava errado. (Exemplo: um soldado que acredita que está lutando do lado certo, mas descobre evidências do contrário.) 📌 Crescimento  – Ele aprende algo sobre si mesmo ou o mundo. (Exemplo: um órfão que rouba para sobreviver, mas no final do capítulo decide ajudar outro mais necessitado.) 📌 Queda  – Começa com esperança e termina pior do que antes. (Exemplo: um personagem que finalmente encontra um lugar seguro... só para descobrir que caiu em uma armadilha.) 📌 Estagnação  – O personagem tenta mudar, mas falha. (Exemplo: ele quer fugir da cidade, mas algo o prende ali, revelando sua impotência.) 📌 Redenção  – Pequenos atos iniciais que preparam uma futura redenção maior. (Exemplo: um assassino de aluguel que poupa um alvo pela primeira vez.) Dica:  Um capítulo sem arco de personagem pode parecer sem propósito . Mesmo que seja um detalhe pequeno, o leitor precisa sentir que o protagonista passou por algo , mesmo que ele não perceba no momento. ❤️‍🩹Arcos emocionais – O impacto no leitor Além do que acontece na história e com o protagonista, há o que o leitor percebe sobre o que o personagem sente , o estado emocional do personagem, ao longo do capítulo. Essas sensações seguem arcos emocionais , que podem ser explorados em microescala. Os 6 principais tipos de arco emocional em um capítulo: 📌 Da riqueza à pobreza  – O protagonista começa com algo valioso (dinheiro, poder, amor) e perde. (Exemplo: um empresário bem-sucedido perde tudo após uma traição.) 📌 Da pobreza à riqueza  – O contrário: ele começa na miséria e encontra algo valioso. (Exemplo: um mendigo descobre que tem poderes mágicos.) 📌 Homem no buraco  – O personagem cai em um problema, sofre e depois encontra um jeito de sair... ou piora. (Exemplo: um piloto cai em um planeta deserto e precisa sobreviver.) 📌 Ícaro  – Ele sobe rápido demais e sofre uma queda drástica. (Exemplo: um jovem hacker invade um sistema poderoso e se torna um alvo perigoso.) 📌 Cinderela  – Um momento de glória que logo se desfaz. (Exemplo: um desconhecido ganha fama repentina, mas perde tudo por um erro.) 📌 Édipo  – O personagem faz algo acreditando ser certo, mas sem saber que está cavando sua própria ruína. (Exemplo: um policial investiga um crime e, sem perceber, está incriminando alguém que tentou salvá-lo.) Dica:  Um capítulo não precisa seguir apenas um  desses arcos emocionais. Misturar dois ou mais pode gerar uma experiência mais rica. ✅Como integrar os miniarcos ao capítulo Para que tudo isso funcione sem parecer mecânico , podemos usar um modelo simples  de estruturação de cenas dentro do capítulo: 1️⃣ Estabeleça uma situação inicial (tom, atmosfera, status do protagonista) 2️⃣ Apresente um conflito ou problema menor (ativando arco emocional e narrativo) 3️⃣ Deixe o protagonista agir e gerar consequências (mini-arco de personagem) 4️⃣ Termine com uma mudança, aprendizado ou virada (preparando o cliffhanger do capítulo 7) Quando um capítulo 1 é construído com miniarcos internos, ele não apenas apresenta a história, mas já conta uma pequena narrativa dentro dela . Isso mantém o leitor constantemente engajado , pois cada página contém um ciclo de expectativa, tensão e resolução. Agora que o capítulo tem estrutura, progressão emocional e arco de personagem , resta garantir que ele termine da forma mais impactante possível . No próximo passo, exploramos como finalizar o capítulo 1 com um cliffhanger, virada inesperada ou fechamento memorável. Passo 7: O Último Soco – Como Fechar o Capítulo 1 de Forma Épica Se o leitor chegou até aqui, parabéns. Você já venceu 90% da batalha. Agora vem a parte mais crucial: garantir que ele precise  continuar. Um erro comum entre escritores iniciantes é confundir introdução do conflito/incidente incitador  com um final impactante . Mas são duas engrenagens diferentes : 🖊️ O conflito inicial  faz o protagonista entrar no enredo. 🖊️ O final do capítulo 1  prende o leitor emocionalmente e o obriga a virar a página. ✅ Capítulo 1 precisa dos dois. 🤩O que torna um final de capítulo irresistível? O segredo está na abertura de loops emocionais . O leitor deve terminar com perguntas na cabeça, não com a sensação de encerramento. As três formas mais eficientes de garantir isso são: 📌 Cliffhanger  – Suspende a cena no auge da tensão. 📌 Reviravolta (twist)  – Apresenta uma nova informação que muda o contexto. 📌 Dissonância cognitiva  – Cria um paradoxo ou algo inesperado que exige explicação. Cada um pode ser aplicado de formas diferentes, dependendo do tipo de história. 😱Cliffhanger – Segurando o leitor pelo pescoço O cliffhanger  é um corte abrupto que deixa o leitor em suspense. Ele pode ser: 📌 Físico  – O protagonista está prestes a morrer ou algo drástico acontece. 📌 Psicológico  – O personagem descobre algo chocante e o leitor quer ver a reação. 📌 Informacional  – Algo é revelado, mas sem explicação imediata. Exemplos: ✅ Físico:  O personagem abre uma porta e dá de cara com uma arma apontada para sua cabeça. FIM DO CAPÍTULO. ✅ Psicológico:  Ele lê uma carta com uma revelação que muda tudo, mas o leitor não vê o conteúdo. FIM DO CAPÍTULO. ✅ Informacional:  O vilão menciona um nome que ninguém conhece, mas que claramente tem um peso enorme na trama. FIM DO CAPÍTULO. Dica:  Um cliffhanger não pode ser gratuito . Se o leitor perceber que é só um truque barato para esticar a história, ele perde a força. O ideal é que a resposta para ele esteja no próximo capítulo, mas gere novas perguntas no processo. 🤯Reviravolta – O tapa na cara narrativo Se o cliffhanger suspende a tensão, a reviravolta  vira o jogo. É uma informação inesperada que muda o entendimento da história até aqui . 📌 Traição:  Um personagem confiável se revela um inimigo. 📌 Falsa percepção:  Algo que parecia X era na verdade Y. 📌 Conexão inesperada:  Dois eventos aparentemente desconexos se unem. Exemplos: ✅ Traição:  O parceiro do protagonista o entrega para o inimigo no final do capítulo. ✅ Falsa percepção:  A garota que o herói salvou não era vítima, mas a verdadeira vilã. ✅ Conexão inesperada:  O assassino procurado pelo protagonista sempre esteve ao seu lado – ele é seu irmão perdido. Dica:  A reviravolta não precisa ser gigante  no capítulo 1. Pode ser algo sutil que apenas planta uma pulga atrás da orelha  do leitor. 😵‍Dissonância Cognitiva – A quebra da expectativa Esse é um truque menos óbvio, mas incrivelmente eficaz. Em vez de um suspense explícito, ele cria um desconforto psicológico  no leitor, fazendo com que ele precise continuar lendo para entender. 📌 Algo não faz sentido:  O protagonista encontra sua própria foto em um lugar onde nunca esteve. 📌 Algo contradiz o que foi estabelecido:  Um personagem morto aparece vivo. 📌 Uma reação inesperada:  O herói descobre uma traição, mas sorri em vez de ficar furioso. Exemplos: ✅ O protagonista foge de algo que nunca foi visto... até que percebe que está fugindo de si mesmo. ✅ Alguém diz para ele: "Você é a última pessoa que eu esperava ver aqui". Mas ele nunca viu essa pessoa antes. ✅ Uma mãe chora abraçando o filho que acaba de voltar da guerra... mas o leitor sabe que ele morreu meses antes. Dica:  Esse tipo de final funciona muito bem para histórias de mistério, terror psicológico e ficção científica . ✅Como escolher o melhor tipo de final para o seu Capítulo 1? Depende do gênero e do tom  da história. 📌 Thrillers e Suspense  → Cliffhangers físicos e informacionais  (corte no meio da ação ou revelação incompleta). 📌 Ficção Científica e Mistério  → Dissonância cognitiva  (algo que não faz sentido, mas exige explicação). 📌 Fantasia e Aventura  → Reviravoltas e conexões inesperadas  (novas descobertas que mudam a jornada). 📌 Drama e Romance  → Cliffhangers psicológicos  (emoções em ebulição, tensões pessoais). Se o livro mistura gêneros , a melhor abordagem é usar dois desses elementos ao mesmo tempo . (Aqui é só uma recomendação, não uma regra.) Checklist do final de capítulo perfeito Antes de encerrar o capítulo, pergunte-se: ✅ Esse final gera uma pergunta na mente do leitor? ✅ Ele fecha um mini-arco, mas abre outro maior? ✅ O leitor tem um motivo emocional para continuar? ✅ Eu evitei soluções fáceis ou previsíveis? ✅ Se eu fosse o leitor, eu conseguiria fechar o livro sem curiosidade? Se a resposta for "não" para qualquer uma dessas perguntas , volte e ajuste. O capítulo 1 é um contrato  entre autor e leitor. Ele promete que vale a pena continuar. O final do capítulo é a assinatura desse contrato . Se feito corretamente, o leitor não apenas seguirá para o próximo capítulo, mas fará isso sem perceber que virou a página . E com isso, encerramos a estrutura do capítulo 1 perfeito ! Dicas complementares para refinar seu capítulo Aqui vão algumas dicas extras para consolidar tudo o que discutimos e deixar sua estreia no mundo das webnovels ainda mais afiada. Então, preste atenção, porque pequenos ajustes podem ser a diferença entre uma história esquecível e uma que vicia leitores. O gênero que você escolheu é um atalho ou um trampolim? Cada gênero tem suas convenções, mas você quer surfar na onda ou criar sua própria? Muitos autores caem na armadilha de simplesmente replicar tendências. O problema? O público já viu isso antes. Em vez de só seguir a cartilha, entenda por que certas fórmulas funcionam e subverta expectativas. Misturar gêneros também pode ser um diferencial. Seu romance pode ter uma pegada de thriller psicológico? Seu isekai pode ser um drama realista em vez de um RPG ambulante? O primeiro capítulo fisgou; mas e o segundo? Você pode ter a melhor introdução do mundo, mas se o segundo capítulo for só um bloco de explicações, o leitor vai embora. Sempre pergunte: “Se alguém só ler até o capítulo 2, ele vai sentir que perdeu algo se não continuar?” A transição entre os primeiros capítulos deve ser um fluxo contínuo de tensão, mistério e desenvolvimento. Ritmo de leitura e quebra de expectativa Em webnovels, o fluxo de leitura é diferente dos romances tradicionais. Parágrafos curtos e diálogos ágeis ajudam a manter o dinamismo. Mas não confunda ritmo rápido com pressa — momentos de respiro bem posicionados aumentam o impacto dos picos de emoção. Além disso, todo capítulo deve ter pelo menos uma quebra de expectativa, seja ela um detalhe sutil ou uma revelação bombástica. O protagonista é um espelho ou uma janela? Alguns leitores querem se ver no protagonista (espelho), enquanto outros querem observar alguém fascinante e diferente deles (janela). O ideal? Um equilíbrio. Protagonistas muito genéricos podem parecer vazios, mas se forem distantes demais do leitor, podem ser difíceis de se conectar. Encontre maneiras de humanizar e, ao mesmo tempo, manter um certo magnetismo narrativo. Cliffhanger é uma arte, não um truque barato Tem uma linha tênue entre um bom gancho e uma manipulação óbvia. Se todo capítulo terminar com algo como “E então, a porta se abriu…”, o leitor começa a ver o padrão e perde o impacto. A melhor forma de criar cliffhangers é garantir que cada um deles tenha peso narrativo e uma sensação de urgência real — não só um susto gratuito. Publicação consistente vale mais do que perfeição É melhor lançar capítulos regularmente do que passar meses tentando deixá-los impecáveis. Leitores online são impacientes e preferem um autor ativo a um perfeccionista sumido. Melhor ainda se você puder criar um pequeno estoque de capítulos para emergências. Nunca confie na sua própria percepção Se você reler um capítulo logo depois de escrevê-lo, vai parecer incrível. Se reler uma semana depois, vai ver defeitos. Um mês depois? Talvez você nem goste mais dele. Seu cérebro te engana. Sempre dê um tempo antes da revisão e, se possível, peça feedback externo. No fim das contas, webnovels são sobre prender leitores na sua teia, um capítulo de cada vez. Se o primeiro capítulo for forte, ótimo. Se o segundo mantiver o nível, melhor ainda. Mas se você conseguir transformar cada capítulo em um evento imperdível, parabéns — você acabou de criar uma história que as pessoas não vão conseguir largar. E eu vou ficando por aqui. Muito obrigado por ler mais um artigo que fiz com carinho e te espero no próximo! Escrito por Kamo Kronner

  • Padrão Webnovel

    Uma coisa que não havíamos feito até agora, mas que com apoio dos nossos parceiros podemos fazer, é mostrar a vocês como vocês podem formatar o documento para publicar a sua história . A primeira coisa a ser considerada é que seu texto, no final, ficará no formato HTML dentro do site, sendo que isso importa muito na hora de você formatar seu documento. Além disso é importante saber que os padrões que mostrarei a seguir é referente a webnovel, sendo específico do ramo, mas pode se estender a outros formatos, pois são baseados neles. Então vamos lá para os padrões e também dicas de formatação para a sua história. Formato do arquivo Antes de falarmos do corpo do texto, é preciso saber onde se pode escrever seu texto e assim enviar o arquivo para os sites. É bem costumeiro os autores utilizarem duas aplicações: o Word e o Google Docs . Os sites de webnovel geralmente aceitam o formato padrão desses programas, que são o DOCX e ODT. Em alguns é solicitado o link do Google Drive contendo os arquivos nesse formato. Na dúvida, tenha tudo em mãos! Se você não tem ainda em uso nenhum desses programas, ao menos comece a utilizar o Google Docs, pois você o acessa de forma gratuita. Formato do arquivo: docx, odt e link do Google Drive Aviso: Alguns sites aceitam que você copie e cole direto o texto somente para avaliação, mas solicitam o arquivo em DOCX ou ODT para publicação. Se você quer ser um escritor, o mínimo é trabalhar com editor de texto decente com todos os recursos necessários, inclusive com corretor se precisar. Formato da página Diferentemente dos formatos como e-book e livros, que aceitam o formato A5 (14,8 cm x 21 cm), o arquivo da webnovel tem o intuito de mostrar ao editor do site o seu trabalho e por fim ele o levará para publicação em outro formato que é o HTML. Tendo isso em vista, o melhor formato que os editores aceitam é o A4 (21 cm x 29,7 cm), sendo que alguns sites aceitam o formato A5 também. Além disso é recomendável utilizar margens de página utilizados em livros: margens superior e inferior a 2,57 cm e margens direita e esquerda a 1,91 cm. Também é aceita as margens superior e inferior a 2,54 cm que é padrão tanto do Word (margem Moderada) quanto do Docs, então prefira a de 2,54 cm, mesmo. Formato da página: A4; Margens: superior 2,54 cm, inferior 2,54 cm, direita 1,91 cm, esquerda 1,91 cm. Vamos ver como configura em cada programa: Configuração de página no Word Para configurar no Word do PC o formato da página, vá na aba "Layout" (1) → no botão "Tamanho" (2) → na opção "A4" (3) . O padrão do Word é a página em A4. Faça a alteração somente se estiver em outro formato. Para configurar no Word do PC as margens da página, vá na aba "Layout" (1) → no botão "Margens" (2) → na opção "Moderada" (3) , caso queira utilizar um dos formatos padrões do Word que é aceito na comunidade. Configuração de página no Google Docs no PC Para configurar no Google Docs do PC o formato da página, vá no botão "Arquivo" (1) → na opção "Configuração de página" (2) → expanda o campo "Tamanho de papel" (3) → selecione a opção "A4 (21 cm x 29,7 cm)" (4) → finalize no botão "OK" (5) . Para configurar no Google Docs do PC as margens da página, siga os passos (1) e (2) anterior → altere os valores das "Margens" (3) → finalize no botão "OK" (4) . Configuração de página no Google Docs no smartphone Para configurar no Google Docs do smartphone o formato da página, após criar o documento vá nos 3 pontinhos (1) → selecione a opção "Configuração de página" (2) → selecione opção "Tamanho do papel" (3) → selecione a opção "A4 (21 cm x 29,7 cm)" (4) . Para configurar no Google Docs do smartphone as margens da página, após criar o documento siga os passos (1) e (2) anterior → selecione opção "Margens" (3) → selecione a opção "Personalizado" (4) → Insira os valores em mm (milímetros) com ponto (.) para separar o decimal (5) (se não tiver o ponto no teclado, escreva o valor em outro local e cole em cada campo, pois a vírgula não serve)→ finalize com "Aplicar" (6) . Sinceramente, configurar as margens pelo smartphone dá muito trabalho. Execute essas ações somente se o site ou editora exigir , senão utilize a margem padrão (25,4 mm em todos os lados) ou configure pelo PC que é muito mais fácil. Deixarei a informação acima apenas para quem precisar fazer isso. Na maioria dos sites isso não é exigido a não ser que você esteja utilizando uma margem muito diferente dos 2 padrões. Fonte do texto Agora que temos a página em branco configurado do tamanho certo, vou explicar sobre as fontes, ou seja, o formato das letras que serão utilizadas no seu texto. A maioria dos sites não possuem muita exigência sobre isso, apenas rejeitando aquelas muito cansativas de ler ou que dificultam a leitura. A recomendação é que você utilize fontes padrões dos aplicativos ou que mude pouca coisa. As fontes não serifadas, como Arial e Verdana, e as serifadas, Georgia e Times New Roman, são as mais recomendadas. Quanto ao tamanho da fonte, a recomendação é utilizar o tamanho padrão dos aplicativos, 11 pt , ou 12 pt que é bem aceito. Para os títulos, utilize o tamanho 14 pt a 18 pt . Não é necessário que seja muito grande. Fonte: Arial, Verdana, Georgia ou Times New Roman; Tamanho do texto normal: 11 pt ou 12 pt; Tamanho do título: 14 pt a 18 pt; Cor da fonte: preta; Fundo: Branco. Um alerta importante é não alterar a cor da fonte. A publicação no site utiliza seleção automática de cor dependendo do fundo que o usuário escolher, portanto mantenha a cor padrão. Não recomendo também alterar a cor do fundo. Faça o básico: fonte preta, fundo branco. Também não é recomendável alterar o tamanho da fonte no meio do texto. Se for necessário destacar algo, utilize as opções de negrito ou itálico. É importante definir a fonte logo no começo também. Caso queira alterar a fonte depois, você deve selecionar todo o texto para fazer a alteração, mas pode ser que altere o tamanho visual do seu texto pela diferença de tamanho das próprias letras. Além disso essa alteração gera uma enorme sujeira no código do seu texto, visível somente quando importar para o HTML, deixando seu texto mais lento de ser carregado pelos leitores. Jamais tente fazer diferente nessas horas. O importante é o conteúdo do seu texto e não o quão bonito é a sua fonte ou o fundo. Você pode redigir o texto na cor que você preferir, mas para enviar utilize o padrão. Vamos ver como configura isso nos programas. Configuração de fonte no Word Para configurar a fonte no Word do PC, vá na aba "Página inicial" (1) → clique no campo da fonte (2) (geralmente o primeiro à esquerda) → selecione a fonte escolhida nas opções (3) . Se for alterar a fonte de texto já escrito, não esqueça de selecionar o texto todo (Atalho Ctrl + T) antes de realizar a operação acima. Para configurar o tamanho da fonte no Word do PC, vá na aba "Página inicial" (1) → clique no campo do tamanho da fonte (2) (ao lado do campo da fonte) → selecione o tamanho escolhido nas opções (3) . Configuração de fonte no Google Docs do PC Para configurar a fonte no Google Docs do PC, vá no campo da fonte (1) → selecione a fonte escolhida nas opções (2) . Da mesma forma que no Word, no Google Docs também terá que selecionar todo o texto já escrito para selecionar a fonte, caso não tenha feito no começo. O atalho é Ctrl + A. Para configurar o tamanho da fonte no Google Docs do PC, vá no campo do tamanho da fonte (1) (ao lado do campo da fonte) → aumente ou diminua o tamanho nos botões - e + (2) que ficam ao lado do número para o tamanho escolhido. Configuração de fonte no Google Docs do smartphone Para configurar a fonte no Google Docs do smartphone, aperte o botão de configuração de fonte (1) (símbolo A na parte superior) → selecione a opção "Fonte" (2) da aba de "Texto" → escolha a fonte da lista de fontes (3) . No smartphone é muito mais complexo e contraproducente realizar alterações de fonte após o texto estiver escrito. Selecionar o texto para realizar a operação acima é uma tarefa muito penosa comparada a se fazer no PC. Prefira escolher a fonte antes de começar a escrever o texto. Para configurar o tamanho da fonte no Google Docs do smartphone, repita o (1) da operação anterior → aumente ou diminua o tamanho nos botões ∨ e ∧ (2) que ficam ao lado do número para o tamanho escolhido. Parágrafos Uma das maiores diferenças entre um livro e uma webnovel, podemos dizer que, é com certeza a estrutura de parágrafos. Uma boa parte dessa diferença é graças à formatação , não excluindo, claro, o seu conteúdo. A configuração de página e da fonte é bem similar na webnovel com relação aos livros, mudando pouca coisa. Aqui já é bem diferente. Então tenha um certo cuidado com isso. Em webnovel a formatação do texto é baseada na leitura em dispositivos móveis, como disse antes. Mais do que em como o texto se encaixa na dimensão das páginas, o foco é em como será visualizado nas telas do smartphone. Em livros há a preocupação de conter mais texto em menos folhas , pensando na economia. Aqui o foco é o conforto do leitor em identificar os parágrafos e não se perder na leitura. Por esses motivos a webnovel se utiliza do recurso de espaçamento entre parágrafos, o mesmo recurso utilizado em textos de internet, como blogs e jornais digitais. Além disso utiliza o alinhamento do texto à esquerda, que facilita a diferenciação dos parágrafos até pelo alcance relativo à borda direita da tela. Quantas vezes nos perdemos em uma leitura longa e tivemos que ler desde o começo da página para achar onde estávamos? Enquanto que em livros a identificação da mudança de parágrafos é indicada pelo recurso de "recuo", em webnovel o recuo é opcional, podendo colocar ou não, visto que o espaçamento já indica. Sim, a formatação de parágrafos de uma webnovel é igualzinha a deste e de outros artigos do nosso blog, mas não só de formatação se faz um parágrafo de webnovel. O que geralmente encontramos em livros é a enorme extensão vertical, como o paredão das bordas deste mundo (kek), de letras encontradas em suas páginas. Em webnovel as ideias contidas em parágrafos costumam ser mais diretos e resumidos e, portanto, mais curtos. Por esse motivo encontramos novels que tenham seus parágrafos limitados a 5 linhas e ocasionalmente a 8 linhas no máximo. A recomendação é que se faça parágrafos de 2 a 5 linhas em sua maioria, sendo permitido frases dramáticas isoladas de 1 linha e grandes explicações em 8 linhas, de vez em quando. Visualmente falando, a página acima seria um formato padrão de página de webnovel que poderia facilmente ser migrada ao formato HTML de publicação em site. Observa que tanto o formato quanto o tamanho dos parágrafos, difusos, os permitem identificar com facilidade além do seu próprio conteúdo. Alinhamento do parágrafo: à esquerda; Espaçamento entre parágrafos: X pt depois do parágrafo, sendo X igual ao tamanho da fonte; Recuo especial na primeira linha: 0 cm ou 1 cm; Linhas por parágrafo: 2 a 5 linhas. Sabendo disso, vamos ver como configura os parágrafos no Word e no Docs. Configuração de parágrafos no Word Para configurar a formatação de parágrafos no Word do PC, vá na aba "Página inicial" (1) → encontre e clique no botão "Espaçamento de Linha e Parágrafo" (2) → escolha a opção "Opções de Espaçamento de Linha" (3) . Na janela que se abrir, você pode configurar por aqui o "Alinhamento" (4) à esquerda, configurar o "Recuo Especial na Primeira linha" (5) , configurar o "Espaçamento" entre parágrafos (6) pra 12 pt "Depois" e configurar o espaçamento "Simples" entre as linhas (7) . (Esse último é opcional) Se aplicar com a página vazia, tudo bem, mas se for aplicar depois de escrever tudo, não esqueça de selecionar os parágrafos antes de realizar as operações acima, como nas outras instruções. Configuração de parágrafos no Google Docs do PC Para configurar o alinhamento de texto no Google Docs do PC, encontre o botão "Alinhar à esquerda" (1) na barra de ferramentas e clique. Para configurar o recuo na primeira linha no Google Docs do PC, vá em "Formatar" (1) → escolha a opção "Alinhar e recuar" (2) → clique em "Opções de recuo" (3) . Na janela que se abrir, ajuste o "Recuo especial" para "Primeira linha" (3) → Ajuste o valor do recuo para "1.00" (4) . Para configurar o espaçamento de linhas e parágrafos no Google Docs do PC, encontre o botão "Espaçamento entre linhas e parágrafos" (1) → escolha a opção "Espaçamento personalizado" (2) . Na janela que se abrir, ajuste o "Espaçamento entre linhas" para "1.00" (3) , podendo deixar como 1.15 que é o padrão e é aceito também → ajuste o "Espaçamento entre parágrafos para "Depois 12 pt" (4) . Opcionalmente você pode "Adicionar espaço depois do parágrafo" (op) no próprio menu anterior. Fazendo isso o espaçamento fica com 10 pt, não sendo tão diferente do padrão e a maioria aceita. Configuração de parágrafos no Google Docs do smartphone Para configurar a formatação de parágrafos no Google Docs do smartphone, aperte o botão de configuração de fonte (1) (símbolo A na parte superior) → vá na aba "Parágrafo" (2) → selecione "Alinhamento à esquerda" (3) → Ajuste "Espaçamento entre linhas" (4) . Infelizmente na versão mobile não há opções de configuração de recuo especial e espaçamento entre parágrafos. Sinais Gráficos Até esse ponto nós temos tudo configurado sem ter escrito uma letra sequer. Já está pronto a configuração básica do seu documento com toda a formatação necessária. Agora vamos para o conteúdo em si. Por sinais gráficos entende-se todos os caracteres e partes de caracteres que possuem função sem serem letras , como as pontuações e acentos. Falarei especialmente sobre os sinais que indicam discursos . Em webnovel, e outras modalidade de escrita criativa, discursos são transcrições de frases de personagens, sendo elas as "falas" ou "pensamentos". Seguimos aqui o que se pratica comumente no português-brasileiro e adotado convencionalmente nos sites de webnovel. O sinal gráfico "Travessão" (—) é utilizado para indicar falas de personagens e é caracterizado por um traço horizontal do tamanho da letra M, também conhecido como m-dash ou em dash no inglês. Ele antecede todas as falas dos personagens na sua história. Veja aqui mais sobre o travessão. Já quanto aos pensamentos , no seu texto serão delimitados pelas "Aspas inglesas" (“ ”), caracterizados por 2 pequenas vírgulas justapostas iniciando e finalizando o discurso. Não utilizamos as aspas portuguesas (« »), pois brasileiros preferem as inglesas. E essa (" ") que uso no artigo é chamada de aspas ASCII, usadas em linguagens de programação. Existe uma intensa discussão acerca desses dois sinais (travessão e aspas) entre alguns autores, mas editoras e sites têm opinião unânime. Se você procura ser aprovado, e não demonstrar um posicionamento seu a respeito da escrita criativa, use-os da maneira como foi dito acima. Outro sinal gráfico — que nesse caso não é um caractere, mas que sinaliza graficamente uma função — que vale a pena explicar aqui é o separador. Também conhecido como "divisor de texto", o separador tem a simples função de separar o tempo e/ou local do enredo, de um parágrafo a outro. Comumente encontramos autores escrevendo datas, locais, dizeres como "2 horas depois" e "Na casa de XYZ" com a função de separador, ou seja, ocupando 1 parágrafo com apenas esses dizeres. Veja um exemplo: Em muitas histórias, a data e horário exatos são irrelevantes para a narrativa, a não ser que se saiba de um evento futuro com data e horário marcado e essa própria informação cause uma tensão necessária na narrativa. Nos demais casos, utilizar um separador e mencionar "No dia seguinte de manhã cedo,..." no parágrafo seguinte já seria o suficiente. Caso queira saber mais sobre isso, pesquise sobre o efeito da "bomba em baixo da mesa" de Alfred Hitchcock. Podem ser feitos separadores com praticamente qualquer caractere. O importante é que não se faça um que ultrapasse o tamanho horizontal da linha, não dividindo o separador em duas linhas devido ao tamanho da tela de leitura. Podem ser feitas também imagens personalizadas no lugar de caractere, como feito ali em cima logo que comecei a falar de separador. Recomenda-se então o uso de 3 caracteres, com espaços, travessões e outros caracteres auxiliares entre eles, não correndo o risco de quebrar a linha do separador. O separador também deve estar centralizado, assim como títulos. Não se recomenda o uso de separadores com emojis ou com cores. A cor do separador deve ser adaptável ao padrão visual do próprio site. Se preparar separador com imagem, tenha um que facilite a troca de cores como inversão de preto e branco ou tons de cinza. Se mesmo assim optar por separador colorido, consulte previamente o site quanto a isso. Eles costumam ser abertos quanto a este quesito, desde de que não seja tão discrepante do visual do site ou que eles verifiquem o visual do separador possa atrapalhar a sua obra. Diálogos: iniciar com — (travessão); Pensamentos: delimitados por “ ” (aspas inglesas); Transição de tempo ou local: paragrafar com separador (3 caracteres UTF-8 à escolha, podendo ter espaços ou outros sinais intercalando, ou utilizar imagem). Vamos ver agora como inserir travessão e aspas em cada programa. Quanto ao separador, é só você inserir os caracteres desejados como parágrafo e alterar o alinhamento para "Centralizado" . Inserir travessão no Word e no Docs Pelo PC, o travessão é obtido inserindo o comando de teclado numérico: Alt(Esquerdo)+0151(Teclado numérico) No Word é possível utilizar essas opções: AltGr+Num - Ctrl+Alt+Num - Na ferramenta "AutoCorreção" adicione a entrada "Substituir "--" por "—": Ao utilizar o travessão no Word, recomendo desativar a ferramenta de Autocorreção para marcadores de listas. Assim o Word não vai transformar, toda hora, o seu travessão em marcador de lista. Para fazer isso, vá em "Arquivo" → "Opções" → "Revisão de texto" → "Opções de AutoCorreção" → aba "Formatação Automática ao Digitar" → desmarque "Listas com marcadores automáticos" . No Google Docs somente funciona a opção do comando do teclado numérico (Alt(Esquerdo)+0151) ou a substituição automática pelo menu "Ferramentas" na opção "Preferências" . No smartphone, em algumas versões do Android e no iOS, pressionando -(hífen), irá surgir opções de meia-risca(–) e travessão(—). Caso não tenha a opção, alguns aplicativos substituem o duplo hífen (--) por travessão, automaticamente. Você também pode copiar e colar de qualquer canto e sair colando. Inserir aspas no Word e no Docs Antes de falar das aspas inglesas, as aspas ASCII (" "), que são 2 traços verticais, também são aceitas em webnovel, como substitutos, visto que a inserção de aspas inglesas é tão complexa quanto o travessão no PC. No smartphone é bem fácil. Explicarei a inserção dos 2. Tanto no Word quanto no Docs, as aspas inglesas são inseridas com comando de teclado numérico: Alt(Esquerdo)+0147 para “ (abertura) e Alt(Esquerdo)+0148 para ” (fechamento). Já as aspas ASCII é o que vem de padrão no teclado ABNT2, com Shift ⇧ + " '. No smartphone as aspas inglesas já é o padrão no teclado português-brasileiro, mas você também pode manter pressionado a tecla pra escolher livremente entre as aspas ASCII e as inglesas. (Aspas ASCII é a que está encostada à direita) Formatação de Palavras Muitas vezes queremos destacar palavras e trechos por algum motivo, mas sem poder usar as aspas já que está usando como indicador de pensamento. É aí que vem a formatação especial de palavras. Os conhecidos itálico e negrito são utilizados e aceitos na comunidade de webnovel para isso. O itálico deve ser utilizado, por regra, em: títulos de livros, periódicos, peças, filmes, óperas, músicas, pinturas, esculturas, entre outros citados no texto; nomes científicos de espécies; onomatopéias e interjeições; palavras e locuções em outros idiomas; e palavras ou expressões em português citados no texto aos quais se queira dar ênfase. Já o uso de negrito no texto é pouco recomendado e deve ser usado apenas para dar destaque a letras ou a palavras quando não for possível destacá-las de outra forma. O uso do itálico também é recomendado em citações longas. Onde a regra pede a estrutura com aspas de múltiplos parágrafos, o itálico faz um papel melhor e muito aceito em webnovel. Veja: O texto acima mostra o uso do itálico tanto para citar o conteúdo do e-mail quanto destacar palavras de origem inglesa mouse e link. Se não utiliza-se o itálico, com aspas ficaria da seguinte forma: Vamos ver bem rapidinho como utilizar o itálico e o negrito no Word e no Docs. Formatar em itálico e negrito no Word e Google Docs Tanto o Word quanto o Docs tem atalhos na barra de ferramentas que facilita esse trabalho. O símbolo " I " é o atalho de itálico e os símbolos " N " no Word e " B " no Docs é o atalho de negrito. Em todos os casos você deve selecionar o texto ou ativar antes de escrever o texto em itálico ou negrito. Também é possível utilizar teclas de atalho no PC: Itálico: Ctrl + I (no Word e no Docs) Negrito no Word: Ctrl + N Negrito no Docs: Ctrl + B Contagem de palavras Por fim, e não o menos importante, o terror de muitos autores, tanto para mais quanto para menos, é: a quantidade de palavras, métrica utilizada em qualquer escrita criativa, que deve ter em cada capítulo de sua história. Por todos os motivos citados anteriormente, pensando principalmente no conforto do leitor, os sites estabelecem um parâmetro de quantidade de palavras exigidas por capítulo. Não há preocupação relativo à quantidade de capítulos em si. Alguns sites estabelecem o mínimo de 1.000 (mil) palavras e outros 1.500 (mil e quinhentas) palavras. Geralmente eles não estabelecem o máximo, mas alguns recomendam que não ultrapassem as 4.000 (quatro mil) palavras. Uma quantidade ideal e recomendada, segundo análise de um site, é de entorno de 1.700 palavras por capítulo. Quantidade de palavras por capítulo: Em média 1.700; mínimo de 1.500; máximo de 4.000. Isso diverge bastante da escrita tradicional de livros em que facilmente ultrapassam 10.000 palavras por capítulo, sendo que alguns tem quase a mesma quantidade de webnovels. Capítulos curtos, mas lançados com frequência é uma das principais características marcantes da webnovel. Antes de realmente escrever sua história, é recomendável que você consulte a documentação do site para verificar a quantidade mínima de palavras que o site exige. Vamos ver como verificar a quantidade de palavras em cada programa. Contagem de palavras no Word Para verificar a contagem de palavras no Word do PC, vá na aba "Revisão" (1) → clique no botão "Contagem de Palavras" (2) . Surgirá a janela com esta informação (3) contendo. Contagem de palavras no Google Docs do PC Para verificar a contagem de palavras no Google Docs do PC, acesse o menu "Ferramentas" (1) → clique na opção "Contagem de palavras" (2) . Também surgirá uma janela com esta informação. Opcionalmente poderá utilizar a tecla de atalho Ctrl + Shift ⇧ + C no Docs. Contagem de palavras no Google Docs do smartphone Para verificar a contagem de palavras no Google Docs do smartphone, acesse o menu "..." (1) → toque na opção "Contagem de palavras" (2). A quantidade de palavras aparecerá em seguida. Resumo Vamos resumir o padrão de escrita de webnovel que vimos nesse artigo: Formato do arquivo: docx, odt e link do Google Drive. Formato da página: A4; Margens: superior 2,54 cm, inferior 2,54 cm, direita 1,91 cm, esquerda 1,91 cm. Fonte: Arial, Verdana, Georgia ou Times New Roman; Tamanho do texto normal: 11 pt ou 12 pt; Tamanho do título: 14 pt a 18 pt; Cor da fonte: preta; Fundo: Branco. Alinhamento do parágrafo: à esquerda; Espaçamento entre parágrafos: X pt depois do parágrafo, sendo X igual ao tamanho da fonte; Recuo especial na primeira linha: 0 cm ou 1 cm; Linhas por parágrafo: 2 a 5 linhas. Destaque de palavras e citações longas: itálico. Quantidade de palavras por capítulo: Em média 1.700; mínimo de 1.500; máximo de 4.000. E vou me despedindo com uma imagem resumindo tudo.

  • Tempos Verbais: O segredo que esconderam de você!

    Quando a gente entra no mundo da gramática, logo percebe que tem uma classe de palavras que rouba a cena: o verbo . Ele é complexo, cheio de camadas e, às vezes, parece um verdadeiro quebra-cabeça. Diferente de outras partes da gramática, o verbo é como aquele personagem que aparece em todas as cenas importantes — ele dá as caras na fonologia, na semântica, na estilística e principalmente na sintaxe. E sim, às vezes dá vontade de perguntar: “Esse estudo tem fim?” Spoiler: o verbo não é um figurante no palco da gramática. Ele é o protagonista que organiza o tempo, o aspecto, o modo e a forma das ações, estados e processos. Só que explicar tudo isso sem parecer uma matéria chata pode ser um desafio, e muita gente acaba simplificando tanto que o tema perde a graça ou fica confuso — um problemão para quem quer usar bem o verbo, principalmente na escrita de webnovels e outras histórias. Este guia nasceu justamente para isso: trazer clareza e prática para um tema que parece complicado. Aqui, não vamos só falar de regras; vamos explorar como usar tempos verbais para dar vida às suas narrativas. Longe das regras, vamos aprender aqui quais são as influências que devemos considerar e quais são os efeitos que buscamos expressar através dos verbos. Então, bora deixar de lado qualquer conceito que você tenha aprendido até aqui sobre verbos, pois eu vou mostrar para você um novo ângulo, uma nova forma de olhar sobre o assunto. O Mito dos Tempos Verbais Desde que aprendemos gramática, somos apresentados à ideia de tempos verbais como algo simples e direto. Passado, presente e futuro — três tempos básicos, certo? Parece fácil, mas essa "simplicidade" esconde uma série de atalhos e meias-explicações que, na prática, acabam mais confundindo do que ajudando. É como assistir a um filme e só saber o começo, o meio e o fim, sem entender as cenas mais emocionantes ou os detalhes que dão profundidade à história. Essa abordagem lembra o famoso "Mito do Grito do Ipiranga" . Lembra? Nos livros, aprendemos que Dom Pedro I proclamou a independência do Brasil com a lendária frase "Independência ou Morte!" , e pronto. Heróico, simples, direto. Mas, quando crescemos, descobrimos que a verdade é muito mais complexa: havia intrigas, negociações e um contexto histórico que transforma o evento em algo muito mais rico e interessante. A história foi reduzida a um ponto fácil de lembrar, mas perdemos o quadro completo. Com os tempos verbais, acontece a mesma coisa. Aprendemos que o presente  é usado para ações que ocorrem no momento em que se fala, mas isso é só a ponta do iceberg. Na verdade, o presente pode ser muito mais versátil e complexo do que parece. Por exemplo, você já ouviu falar do presente histórico  ou presente narrativo ? Ele é usado para descrever eventos passados como se estivessem acontecendo agora, criando uma sensação de imersão e vivacidade. Ou seja, o presente não é apenas sobre o "agora". Ele pode ser uma ferramenta poderosa para trazer o passado à vida, como se o leitor estivesse vivenciando os eventos em tempo real. Mas, como tudo na escrita, o segredo está no equilíbrio. Usar o presente narrativo de forma exagerada pode tirar o impacto da narrativa, tornando-a monótona. O truque é saber quando e como usá-lo para maximizar seu efeito. E isso não para por aí. Você provavelmente já ouviu falar de "pretérito perfeito"  e "pretérito imperfeito" . Parece algo subjetivo e vago, não é? E ainda tem essa história de "perfeição". Mas o que isso significa na prática? Pense em duas frases: "Eu estudei"  e "Eu estudava" . Ambas falam sobre o passado, certo? Mas cada uma pinta uma imagem completamente diferente. A primeira nos mostra algo que foi feito e concluído, enquanto a segunda nos coloca no meio de um processo, algo que era parte de uma rotina ou que acontecia enquanto outra coisa rolava. Essa diferença é pequena, mas fundamental. Na escrita, ela muda o ritmo, o tom e até a maneira como o leitor se conecta com o que está acontecendo. Também já vi outro mito de que só há duas formas de contar uma história: no tempo passado  e no tempo presente . Eu consigo sentir algumas pessoas se contorcendo ao eu afirmar categoricamente que isso é mais um mito. Convenhamos, escrevemos ficção e temos uma arma poderosa na mão chamada narrador, um ser tão incrível que consegue narrar para os leitores a qualquer momento da história, seja ele personagem ou não. Por que só existiriam 2 momentos em que ele poderia contar uma história? Nos moldes clássicos, um narrador sempre conta uma história que já havia acontecido há tempos, mas a modernidade trouxe consigo todos os mecanismos de comunicação capazes de sanar isso. Um narrador pode contar uma história que aconteceu há anos, que aconteceu no dia anterior ou que aconteceu agorinha, agorinha mesmo. Uma narração em tempo real na verdade se trata de narrar os eventos enquanto eles ocorrem de forma comitativa; o narrador conta, a princípio, a cada evento ocorrido ou a cada um conjunto de eventos. Há um ledo engano por parte de alguns autores de que narração em tempo real implique em tempo verbal no presente. Mito. O contrário também não é verdade, de que narração no passado signifique que o narrador já conhece a história toda. A figura abaixo mostra duas formas de contar uma história, uma sendo com a narração ocorrendo ao mesmo passo (paralelamente) dos eventos e na outra a narração ocorre seguida de cada evento. O que estou dizendo é que a primeira forma é surrealista, ou seja, irreal e imprópria, uma forma de contar que não se faz, parece estranho e principalmente INCOMODA. Já a segunda forma é simples e direta, própria do tempo real. Antes de mergulharmos nas aplicações práticas dos tempos verbais na sua história, precisamos desfazer esses mitos. Os tempos verbais não servem apenas para marcar quando  algo aconteceu. Eles são a maneira de mostrar ao leitor como  você quer que ele sinta o momento: como um fato distante, uma experiência fluida ou algo tão vivo que ele quase pode tocar. Entender isso é o primeiro passo para transformar os verbos nos seus aliados mais poderosos na escrita. Delimitando O Passado, O Presente e O Futuro Se tem uma coisa que bagunça a cabeça de qualquer um ao explorar os tempos verbais é a ideia de que passado, presente e futuro são pontos bem separadas no tempo. Parece lógico, não? Passado é o que já foi há tempos, presente é o agora, e futuro é o que está por vir lá na frente. Mas aqui vai o choque: isso é mais mito do que verdade. Vamos esclarecer: o passado  não precisa ser algo remoto e cheio de poeira histórica. O futuro  também não é, obrigatoriamente, um horizonte distante. E o presente ? Esse é o mais escorregadio de todos — um momento fugaz, que existe apenas no instante da fala ou da ação. Você já ouviu que o "passado" é algo encerrado, resolvido, como se história como um todo já chegou ao fim? Pois bem, pense em um evento que aconteceu um segundo atrás. Ele é tão passado quanto algo que rolou há milhares de anos. A diferença não está no tempo em si, mas no impacto emocional e na relevância que damos a esses eventos. Da mesma forma, o futuro não é exclusivamente uma promessa distante; pode ser o próximo instante, algo que ainda não aconteceu, mas está prestes a. Em resumo, passado, presente e futuro são ideias muito mais fluidas do que a gramática escolar costuma nos ensinar. Vamos ver o que ocorre no futuro. O futuro do presente projeta uma ação que ainda vai acontecer, enquanto o futuro do pretérito traz aquele ar de possibilidade ou consequência de algo que já foi. Aqui, não é sobre o "quão longe" no tempo, mas sim sobre como o narrador usa essas conjugações para criar expectativas e explorar consequências. Sabe quem pode indicar o futuro também? O presente! Ele pode dar aquele toque de proximidade ou urgência, seja como futuro iminente ("Estou saindo agora mesmo") ou como presente prospectivo, sugerindo algo que está prestes a acontecer ("Viajo amanhã"). Essa substituição dinâmica transforma o presente em uma ferramenta narrativa poderosa, permitindo que o autor jogue com a antecipação e a intensidade do momento. É por isso que, na escrita de ficção, reconhecer a dinâmica de passado, presente e futuro é fundamental, senão você pode cometer a gafe de achar que, só porque está usando pretéritos, o narrador já sabe o final da história. Esses tempos verbais não são só marcadores cronológicos; são ferramentas para mexer com a percepção do leitor e dar vida à narrativa. Quando você pára de enxergá-los como simples linhas do tempo ou, pior, pontos no tempo, abre uma porta para explorar nuances e criar experiências muito mais profundas na sua história. As Dimensões dos Tempos Verbais Quem escreve sabe que os tempos verbais são muito mais do que simples “regras” para organizar eventos numa linha do tempo. Eles são como pincéis para pintar a narrativa, cada um oferecendo uma perspectiva diferente que vai além do clássico “antes”, “agora” e “depois”, que expliquei até então. Aqui, vamos explorar as dimensões mais profundas, que ajudam você, escritor, a transformar a linguagem em arte. Primeiro, vem a dimensão da atitude comunicativa . Imagina que você tem dois mundos: o narrado  e o comentado . No mundo narrado, o foco é contar a história – é aqui que o pretérito perfeito simples e o pretérito imperfeito brilham, como em “Ele chegou ontem”. Já no mundo comentado, você avalia ou descreve – “Ele costuma chegar cedo”. Esses mundos não são apenas sobre “o que aconteceu”, mas sobre como você, narrador, quer que o leitor enxergue os eventos. Kamo do Céu! Como assim não tem PRESENTE no mundo narrado?! Sentiu, né? Esse quadro mostra o uso comum da língua, principalmente da língua falada, e, sim, é exatamente isso, não há lugar para o presente na narração. Não existe narração no tempo verbal presente.  Essa pode ser uma verdade que muita gente não quer ouvir, até porque nem percebeu que se trata de uma meia verdade, visto que estamos falando da linguagem comum . Eu li uma tese sobre linguagem falada atual, de Maria Alice de Mello Fernandes, onde ela cita esse modelo do mundo narrado e mundo comentado proposto por Harald Weinrich, escritor e filólogo alemão. A minha conclusão sobre a tese é que, apesar da linguagem escrita filtrar muito da linguagem falada a favor da clareza e fluidez, muito dos usos soa mais claro e natural quando coincidem. O fato é que, quando narramos um evento que presenciamos, fica tudo no passado, mesmo sendo o passado mais próximo do presente. E vamos continuar que esse assunto ainda vai dar muito pano pra manga. Depois, temos a perspectiva comunicativa , que é como ajustar a lente de uma câmera. No tempo zero , o narrador é neutro e objetivo, como em “Ele vive na cidade”. Mas com perspectiva, você mexe no tempo – projetando avanços (“Ele viverá no campo”) ou retrocessos (“Ele viveu em outra cidade”). Essa flexibilidade é o que dá dinamismo à sua história. Temos também o relevo narrativo . Aqui você cria camadas. No primeiro plano, está o que importa. No segundo plano, vem o contexto que dá cor à cena. Por exemplo, imagine uma cena de perseguição: "Ele disparou pela rua" (plano principal) enquanto "a chuva caía forte, tornando o chão escorregadio" (plano secundário). Alternar entre esses planos é o que diferencia uma história rígida de uma que flui com naturalidade. Por outro lado, temos os níveis de tempo. No nível atual , tudo está conectado ao presente. Você usa o pretérito perfeito para olhar para trás (“Ele completou o trabalho”), o presente para o agora (“Ele trabalha agora”) e o futuro do presente para o que vem (“Ele completará o trabalho”). Já no nível inatual , você sai dessa linha principal: o pretérito mais-que-perfeito traz algo anterior ao passado (“Ele já havia terminado”), o pretérito imperfeito dá aquele ar de continuidade ou costume (“Ele trabalhava enquanto conversava”), e o futuro do pretérito joga possibilidades no ar (“Ele completaria se tivesse tempo”). Como visto logo acima, além do nível temos as perspectivas primária e secundária  de cada nível. A primária define o passado, presente e futuro como os pontos centrais da história. A secundária vem para refinar, trazendo fases mais detalhadas, como em “tenho feito” (um passado que ainda ressoa), “farei” (um futuro definido), ou “vou fazer” (aquele futuro que já parece palpável). Essas nuances criam ritmo e prendem o leitor, tornando sua narrativa inesquecível. No fim das contas, os tempos verbais são suas ferramentas para mexer na percepção do leitor, para mostrar e esconder, para dar foco ou desfoque. Eles são sua paleta de cores em um quadro que você pinta com palavras. Aspecto Verbal, A Dimensão Oculta Sabe aquela ideia genial que você teve para uma cena cheia de emoção e impacto? Pois bem, ela pode perder muito do seu brilho se o uso dos tempos e aspectos verbais não for bem trabalhado. Aspecto verbal parece um termo complicado, mas calma! Vamos descomplicar tudo e mostrar como essa ferramenta pode transformar sua narrativa em uma experiência, não uma tortura. O que é aspecto verbal, afinal? Pense no aspecto verbal como o filtro de uma câmera: ele define como o leitor percebe as ações na sua história. Você pode mostrar se a ação foi concluída, está em progresso, se repete ou é pontual. Tudo isso depende de como você usa os verbos e suas nuances. Imagine a diferença entre "Ele abriu a porta" e "Ele estava abrindo a porta". No primeiro caso, você dá a ideia de uma ação rápida e resolvida. No segundo, cria uma atmosfera de suspense e movimento. Essa diferença faz toda a diferença!. Lembra da classificação dos verbos como transitivos e intransitivos? Aqui acontece quase a mesma coisa. Tudo vai depender do verbo que estará usando, levando em conta o lexema , o semantema  e o morfema . Lexema O lexema é o elemento lexical, ou seja, a unidade básica de significado que compõe uma palavra. No caso dos verbos, o lexema é a raiz que carrega o sentido principal da ação. No entanto, um mesmo lexema pode adquirir nuances diferentes dependendo do contexto em que é usado. Exemplo:O verbo "jogar" é um único lexema, mas seu aspecto semântico muda conforme o contexto: "Jogar uma pedra" → Ação pontual e física. "Jogar futebol" → Ação contínua e relacionada a uma atividade esportiva. Aqui, o lexema "jogar" permanece o mesmo, mas o aspecto semântico varia conforme o contexto. Semantema O semantema é o significado específico que uma palavra adquire em um contexto particular. No caso dos verbos, o semantema está diretamente ligado ao aspecto verbal, que define como a ação é percebida (concluída, em progresso, repetida, etc.). Exemplo:Dois lexemas diferentes podem ter o mesmo aspecto semântico dependendo do contexto: "Prosseguir no caminho" e "Continuar no caminho" → Ambos expressam a ideia de uma ação em andamento, embora os lexemas sejam diferentes ("prosseguir" e "continuar"). O semantema, portanto, é o que define a percepção da ação, independentemente do lexema utilizado. Morfema O morfema é a parte variável da palavra, responsável por transformar o lexema em uma forma verbal específica. Ele inclui desinências que indicam tempo, modo, número, pessoa e aspecto. No caso dos verbos, o morfema é essencial para expressar o aspecto verbal. Exemplo:No verbo "abrir", o morfema é o que transforma o lexema "abr-" em uma forma verbal específica: "Ele abriu a porta." → Morfema: "-iu" (indica pretérito perfeito, 3ª pessoa do singular, ação concluída). "Ele abria a porta." → Morfema: "-ia" (indica pretérito imperfeito, 3ª pessoa do singular, ação em progresso). O morfema, portanto, é o que "ativa" o lexema como verbo, permitindo que ele se ajuste ao contexto gramatical e expresse o aspecto verbal desejado. Principais categorias do aspecto verbal Agora, vamos explorar algumas categorias essenciais para que você domine o aspecto verbal como um mestre da escrita: Perfectivo e Imperfectivo: Perfectivo:  “Ele saltou sobre a vala.” — Ação observada como concluída. Imperfectivo:  “Ele saltava sobre a vala quando notou o erro.” — Ação em curso no momento da referência (outra ação). Pontual e Durativo: Pontual:  "A porta se abriu." — Ação rápida, direta, sem rodeios. Durativo:  "A porta estava se abrindo lentamente." — Perfeito para criar tensão ou detalhar o movimento. Contínuo e Descontínuo: Contínuo:  "Ele está caminhando pela praia." — Uma cena calma, fluida, em andamento. Descontínuo:  "Ele caminha pela praia, para de vez em quando, e retoma." — Transmite uma dinâmica mais variada. Incoativo e Conclusivo: Incoativo:  "Ela começou a cantar." — Indica o início de algo. Conclusivo:  "Ela terminou de cantar." — Enfatiza que a ação chegou ao fim. Iterativo, Repetitivo, Frequentativo e Habitual: Iterativo:  "O cachorro latiu várias vezes. / O cachorro deu latidos." — Mostra repetição dentro de um período curto. Repetitivo:  "O cachorro sempre late ao ver estranhos." — Ação recorrente. Frequentativo:  “O cachorro late todo dia.” — Ação programada. Habitual:  "O cachorro costuma latir à noite." — Um hábito estabelecido. Terminativo e Completivo: Terminativo (subjetivo): “Escrevi muito.” — Denota o estado do sujeito, se está ou não fazendo. Completivo (objetivo): “Escrevi o livro.” — Denota o estado do objeto, se fez ou não o que tinha que fazer. Esses aspectos permitem que você escolha o ritmo e o tom certos para cada cena. Dominar o aspecto verbal é um passo essencial para tornar sua narrativa mais rica e impactante. Além de controlar o ritmo e a emoção, ele abre caminho para explorar nuances mais complexas, como as que surgem com o uso de locuções verbais. Esses elementos oferecem ainda mais ferramentas para aprofundar a conexão do leitor com sua história, como veremos a seguir. O Aspecto e A Locução Verbal Quando se fala em "aspecto verbal", entra em cena uma dupla imbatível: os tempos compostos e as locuções verbais. Pera... Acho que são a mesma coisa. Eles não só dão uma mão para tornar sua escrita mais rica, como também ajudam a transmitir com exatidão como e quando ações acontecem. Bora mergulhar fundo nesse tema e aprender a usar essas ferramentas! Locuções verbais: a arte de combinar verbos As locuções verbais são como aquele tempero especial que deixa sua cena mais saborosa. Elas combinam um verbo auxiliar com um infinitivo, gerúndio ou particípio de um verbo principal. Vamos aos exemplos práticos: Infinitivo:  “hei de lutar” — passa a ideia de uma intenção ou destino. Gerúndio:  “está correndo” — destaca uma ação em progresso. Particípio:  “deve ter vencido” — dá aquele toque de conclusão ou especulação. Aqui, o verbo auxiliar é o responsável pelas flexões (pessoa, tempo, etc.), enquanto o verbo principal é o coração da ação. Juntos, eles formam estruturas que deixam sua narrativa muito mais flexível e precisa. Quando a forma composta faz toda a diferença Você quer destacar que algo terminou, está em andamento ou ainda vai acontecer? Aí entram os tempos compostos, formados com os verbos ter , haver  e até mesmo ser  e outros verbos. Olha só alguns exemplos poderosos: No Indicativo: P. Perfeito Composto:  “Eu tenho lutado” — mostra esforço ou continuidade até agora. Futuro Composto:  “Eu terei vencido” — indica algo que estará concluído no futuro. No Subjuntivo: P. Perfeito Composto:  “Espero que ele tenha estudado” — expressa um desejo ou suposição sobre algo terminado. Futuro Composto:  “Quando ele tiver chegado...” — marca um evento futuro condicional. Passividade e emoção na dose certa Quer destacar a passividade? Aposte nos verbos ser , estar  e ficar  com o particípio. Exemplos: Ação:  “Ela foi premiada.” Estado:  “Ele está cansado.” Mudança:  “Eles ficaram chocados.” Essas formas não apenas comunicam informação; elas evocam emoção e contexto, fazendo seu leitor se sentir parte da cena. Verbos auxiliares: seus melhores aliados Esses caras ajudam a trazer nuances que simples palavras não conseguem transmitir. Confira: Início de ação:  “Começou a escrever.” Iminência:  “Está para sair.” Continuidade:  “Continua estudando.” Gradualidade:  “Vem melhorando.” Repetição:  “Costuma ler antes de dormir.” Finalização:  “Acabou de enviar o manuscrito.” Modalidade: dá para fazer ou não? Quer expressar possibilidade, necessidade ou vontade? Use os auxiliares modais: Necessidade:  “Deve terminar hoje.” Possibilidade:  “Pode ser que funcione.” Vontade:  “Quero explorar novos gêneros.” Essas combinações adicionam camadas à sua história, tornando as interações entre personagens ou com o ambiente mais reais e dinâmicas. Agora que você domina o básico sobre locuções verbais e formas compostas, chegou a hora de dar um passo adiante. Na próxima parte, vamos explorar como a "Visão e Fase do Verbo" pode transformar seu jeito de descrever ações e eventos. Pronto para abrir mais uma porta secreta para o mundo dos aspectos verbais? Então, vamos lá! Visão e Fase do Verbo Você sabia que os verbos têm a capacidade de mostrar diferentes “ângulos” de uma ação e até o seu momento específico no tempo? Essa é a ideia por trás da visão e da fase do verbo. No mundo da escrita, isso pode ser um recurso incrível para dar mais profundidade à narrativa, sem o qual reinará a monotonia de ações completas. Esse é um modelo proposto por Eugenio Coseriu, linguista romeno e pai da linguística integral e também de outras teorias que já expus aqui. A partir desse ponto vou apresentar a divisibilidade do verbo e da ação , que até então foram tratados como blocos de vários formatos e tamanho, porém indivisíveis. Visão do Verbo A visão do verbo é como um zoom que decide se a ação será vista como um todo ou apenas em partes. Imagine um microscópio: você pode observar a estrutura completa de uma célula ou focar em um detalhe específico, como o núcleo ou as mitocôndrias. Da mesma forma, a visão do verbo permite que você mostre a ação de maneira ampla ou detalhada, dependendo do efeito que deseja criar. Aqui estão algumas formas de usar essa ideia: 1. Visão Angular Significa a própria consideração que se faz quando a ação é retratada entre dois pontos específicos, A (início da ação) e B (final da ação), diferente da visão simples que considera apenas um ponto (momento do evento). Esses pontos podem coincidir em um único momento (C, meio da ação), provando sua linearidade: “Estive lendo o dia todo.” Em português, essa ideia aparece com construções como: Estar + gerúndio:   Estou fazendo. Estar a + infinitivo:   Estou a fazer. 2. Visão Comitativa Aqui, acompanhamos a ação em diferentes momentos. Isso pode trazer uma sensação de continuidade ou persistência: Andar + gerúndio:   Ando fazendo. Andar a + infinitivo:   Ando a fazer. E, se quiser um toque mais descritivo: Andar enfermo. Andar desesperado. 3. Visão Prospectiva Essa é a ação que se projeta para o futuro, com aquele climão de expectativa: Ir + gerúndio:   Vou fazendo. 4. Visão Retrospectiva Volte no tempo e mostre como a ação veio acontecendo até o presente: Vir + gerúndio:   Venho fazendo. 5. Visão Continuativa Para ações que simplesmente continuam rolando: Seguir + gerúndio:   Sigo fazendo. Continuar + gerúndio:   Continuo fazendo. 6. Visão Global Quer capturar toda a ação de uma vez? Use construções como: Estar + gerúndio:   Estou escrevendo.  (captura ação em curso focado no momento referido) Tomar, pegar ou agarrar + verbo:   Pego a caneta e escrevo a carta; tomo coragem e escrevo o artigo; agarro a oportunidade e escrevo pra ela.  (captura ação súbita ou hipotética global) A primeira forma é a mais usual, principalmente quando se quer narrar em tempo real ou contextualizar o momento exato de outro evento (estava escrevendo a carta quando…), sendo uma descrição temporal mais exata. Já a segunda forma consegue acentuar a globalidade, olhando para a ação como um todo com impacto. Para dar mais ênfase, acrescente palavras como “decidido”, “rápido” ou “inesperado” ( Pego a caneta e escrevo a carta decidido ). Em alguns casos, a primeira forma pode ser substituída pela forma simples (neutral), considerando o aspecto. Está passando a hora / Passa a hora. Estava partindo da estação / Partia da estação. Deve-se tomar cuidado que a forma neutral carece de exatidão, não informando se trata de ação cursiva ou não e se é parcializante ou não, que dependendo do contexto pode gerar ambiguidade, assim como qualquer outra forma mais ampla, sendo portanto recomendável em casos de exceção, não como escolha padrão. Fase do Verbo Agora, vamos falar de “fases”. Elas mostram onde exatamente a ação está em seu ciclo – no início, no meio ou no fim. Esse conceito é ótimo para dar ritmo às suas cenas! 1. Fase Iminente (Ingressiva) A ação está prestes a começar: Estar para (ou por) + infinitivo:   Estou para escrever; estou por escrever. 2. Fase Inceptiva Marque o início da ação com intensidade: Começar a + infinitivo:   Começo a escrever. Pôr-se a + infinitivo:   Ponho-me a escrever. Meter-se a + infinitivo:   Meto-me a escrever. Pegar a (ou de) + infinitivo:   Pego a escrever. Sair + gerúndio:   Saio dizendo. Dá pra fazer com construção aditiva também: Ele pegou e foi-se embora. 3. Fase Progressiva A ação está rolando no meio do caminho: Ir + gerúndio:   Vou dizendo. 4. Fase Continuativa Quando a ação segue firme e forte: Seguir + gerúndio:   Sigo escrevendo. Continuar + gerúndio:   Continuo a escrever. 5. Fase Regressiva e Conclusiva Chegando ao fim da ação, dá para usar: Terminar de + infinitivo:   Termino de escrever. Essa construção combina muito bem com projeções: Mais tarde termino de escrever. 6. Fase Egressiva Para indicar o que vem logo após o término: Acabar de + infinitivo:   Acabo de escrever. E o interessante aqui é que, mesmo no presente, essa forma indica algo que já aconteceu. Sincretismo: Visão e Fase Uma dica útil é combinar visão e fase para enriquecer a narrativa. Algumas possibilidades: Visão Comitativa:   Ando fazendo. Progressivo Retrospectivo:   Venho fazendo (de algum tempo até agora). Progressivo Prospectivo:   Vou fazendo (desde agora para o futuro). Continuativa:   Sigo fazendo. Enquanto a visão compara o momento da fala com o momento de referência, a fase compara o momento do evento com o momento da fala. Combinando os 2, temos uma ampla noção verbal suficiente para descrever uma ação de qualquer ângulo. Só por essa variedade de opções, os verbos são ferramentas incríveis para dar mais vida às suas histórias. Você ainda vai continuar a falar que só existem 2 tempos verbais para novels? Na próxima seção, vamos explorar os Momentos Verbais , uma extensão ainda mais rica desse tema, que acabei de mencionar. Está pronto? NÃO, KAMO, PELO AMOR DE DEUS!!!  Vamos nessa! Momentos Verbais Em toda história, o tempo é uma das ferramentas mais poderosas para criar atmosfera, intensificar emoções e conduzir o leitor pelo enredo. Seja um salto dramático para o futuro ou um mergulho nostálgico no passado, compreender os momentos verbais pode transformar uma narrativa comum em algo extraordinário. Então, vamos explorar como os tempos verbais operam, utilizando a perspectiva linguística de três momentos principais: o Momento da Fala (MF) , o Momento do Evento (ME) e o Momento de Referência (MR) . Parece complicado? Relaxa, vou te guiar com exemplos que fazem tudo parecer natural. O Relógio dos Tempos Verbais Cada tempo verbal tem uma forma de organizar esses três momentos, criando relações únicas. Veja como isso funciona: Presente (ME, MF, MR) : “Eu escrevo webnovels todos os dias.” O evento ocorre agora, junto com a fala e o referencial, mas não necessariamente em seus limites temporais. Pretérito Perfeito (ME – MR, MF) : “Ontem finalizei o prólogo.” O evento aconteceu antes do referencial e da fala. Pretérito Imperfeito (ME, MR – MF) : “Quando era jovem, sonhava em ser escritor.” O evento coincide com o referencial, mas ambos são anteriores à fala. Pretérito Mais-que-perfeito (ME – MR – MF) : “Já tinha escrito o capítulo quando recebi feedback.” O evento ocorreu antes do referencial, que também antecede a fala. Futuro do Presente (MF, MR – ME) : “Amanhã lançarei um novo capítulo.” O evento acontecerá depois do referencial e da fala. Futuro do Pretérito (MR – MF – ME) : “Se tivesse mais tempo, terminaria aquele arco.” O evento ocorreria após o referencial, que é posterior à fala. Referência e Observador: Como o Tempo Molda a Narrativa A forma tradicional de pensar no tempo verbal costuma ser simplificada demais: considera-se apenas dois momentos — o da fala e o do evento. No entanto, o terceiro elemento, o Momento de Referência (MR) , baseado na Teoria da Relatividade do Tempo de Albert Einstein, altera completamente a dinâmica narrativa, abrindo possibilidades que vão além da mera sequência de fatos. Pense no MR como um ponto fixo que determina o enquadramento do tempo na história. Dependendo da escolha desse ponto, a percepção dos eventos pode mudar drasticamente. O narrador pode destacar o efeito de uma ação já concluída, prolongar um momento ou até criar tensão ao antecipar algo que ainda não aconteceu. Essa perspectiva ampliada permite transformar a forma como a história é contada. Compare estas frases: Sem um MR explícito:  “Ele chegou e saiu logo em seguida.” (Apenas uma sucessão de eventos.)Isso ocorre quando o momento da fala e o momento de referência coincidem, no presente, no pretérito perfeito e no futuro do presente. Com MR antes da fala:  “Quando cheguei, ele já havia saído.” (O evento é visto de um ponto anterior ao momento da fala, mas posterior ao evento que o referencia.) Com MR antes da ação:  “Ele chegou, mas naquele momento eu ainda não sabia o que aconteceria.” (A ação se desenrola com suspense.) A escolha do MR é especialmente útil para manipular a tensão narrativa, revelar informações gradualmente e criar conexões emocionais com o leitor. E pra dizer a verdade, a existência de uma referência torna o observador mais humano e realista, não só lidando com os tempos simples, mas atribuindo uma missão de evocar sentimentos dos leitores. Quanto mais a ficção se assemelha à realidade, tirando as partes realmente chatas, mais conexão o leitor terá com a obra. Transformações Narrativas e Possibilidades Criativas Com um melhor entendimento dos momentos verbais, o escritor pode explorar novas formas de estruturar a narrativa. Algumas estratégias incluem: Efeito de antecipação:  Utilizar o MR para sugerir eventos futuros sem revelá-los totalmente. “Naquela noite, ele não fazia ideia de que seria sua última apresentação.” (Esse é clássico e só tá aqui para exemplo.) Construção de retrospectiva:  Alterar o MR para que o leitor descubra os fatos junto com o narrador. “Somente anos depois, percebi que aquele foi o dia em que tudo mudou.” Narrativas sobrepostas:  Aplicar múltiplos MRs para criar camadas de tempo que se complementam. “Enquanto eu relembrava o dia em que o conheci, ele já fazia planos para nos reencontrarmos.” Dominar os momentos verbais significa entender que a relação entre passado, presente e futuro é flexível e manipulável. Usá-los estrategicamente permite que sua narrativa tenha mais profundidade e impacto emocional. Pronto para explorar ainda mais possibilidades? Na próxima seção vamos mergulhar nos exemplos mais detalhados e aprender a manipular os efeitos dos tempos verbais para deixar suas histórias ainda mais envolventes! Guia de Aspectos Bem-vindo a um verdadeiro tesouro de possibilidades linguísticas! Nesta seção, exploraremos situações específicas em que você pode brincar com os momentos , aspectos , visões  e fases  dos verbos para enriquecer sua narrativa. Imagine ter uma paleta de tintas verbais que dão vida aos seus personagens, criam atmosferas marcantes e conduzem sua história com estilo. Vamos direto ao ponto: aqui estão as situações mais comuns e como você pode usá-las para destacar sua escrita. 1. Exposição de um Fato Atemporal Tempo verbal:  Presente do Indicativo Uso:  Para verdades universais, leis naturais ou fatos que não dependem de contexto temporal. Exemplos: “A gravidade faz  os corpos caírem.” “O sol nasce  no leste.” 2. Ação Habitual Tempo verbal:  Presente ou Pretérito Imperfeito Uso:  Para rotinas ou padrões que ocorrem repetidamente. Exemplos: Presente:   “Ele treina  todas as manhãs.” Pretérito Imperfeito:   “Quando era criança, lia  todos os dias antes de dormir.” 3. Narrativa de Ação Concluída Tempo verbal:  Pretérito Perfeito Uso:  Para eventos concluídos até o momento da fala e indicar ações em sequência. Exemplos: “Ela descobriu  a verdade e enfrentou  o vilão.” “Ele pulou  o muro, rolou  pelo chão e saiu  em disparada.” 4. Contexto de Fundo ou Ação Paralela no Passado Tempo verbal:  Pretérito Imperfeito Uso:  Para descrever o cenário ou ações simultâneas no passado. Exemplos: “Enquanto a tempestade rugia , ele escrevia  suas memórias.” “O Sol se punha  quando eles se conheceram.” 5. Evento Anterior a Outro no Passado Tempo verbal:  Pretérito Mais-que-Perfeito Uso:  Para ações passadas que ocorreram antes de outro evento passado. Exemplos: “Ela já tinha partido  quando a mensagem chegou.” “Antes dele enfrentar o desafio, o herói garantira  a vitória.” 6. Ação Futura e Determinada Tempo verbal:  Futuro do Presente ou Presente Uso:  Para eventos previstos ou planejados. Exemplos: “Amanhã, o herói confrontará  o dragão.” “Quando chegar a hora, eu quebro  o bastão e salvo  a todos nós.” 7. Condicional ou Hipotético no Passado Tempo verbal:  Futuro do Pretérito Uso:  Para ações que teriam ocorrido sob certas condições. Exemplos: “Se tivesse mais tempo, teria  explorado o castelo.” 8. Momento Atual com Continuidade Tempo verbal:  Presente Contínuo ou Estar + Gerúndio Uso:  Para ações em andamento no momento da narração. Exemplos: “Ela está buscando  respostas enquanto o caos se desenrola.” “Ela busca  por respostas enquanto o caos se desenrola.” 9. Mudança de Estado Tempo verbal:  Ficar + Particípio ou Tornar-se Uso:  Para descrever transições emocionais, físicas ou circunstanciais. Exemplos: “Ao ouvir a notícia, ficou atordoado .” “A verdade se tornou esquecida , em razão da mentira ser muito mais atraente.” 10. Progressão no Passado ou Presente Tempo verbal:  Vir + Gerúndio ou Ir + Gerúndio Uso:  Para ações que se desenvolvem gradualmente. Exemplos: Passado:   “Ele vinha descobrindo  pistas ao longo do caminho.” Presente:   “Os aliados vão se aproximando  da fortaleza.” 11. Ação Iminente Tempo verbal:  Estar para + Infinitivo ou Ir + Infinitivo Uso:  Para indicar algo prestes a acontecer. Exemplo: “A batalha está para começar .” “A ajuda logo vai chegar .” 12. Ênfase no Início da Ação Tempo verbal:  Pôr-se a + Infinitivo, Começar a + Infinitivo Uso:  Para destacar o momento inicial de uma ação. Exemplos: “O cavaleiro pôs-se a caminhar  pela floresta.” “O rei começou a suspeitar  do cavaleiro.” 13. Término da Ação Tempo verbal:  Acabar de + Infinitivo ou Terminar de + Infinitivo Uso:  Para ações que acabam de ser concluídas. Exemplos: “ Acabei de escrever  a última página do manuscrito.” “Ele terminou de preparar  a armadilha.” 14. Narrativa Descritiva (Tom Contemplativo) Tempo verbal:  Pretérito Imperfeito ou Presente Uso:  Para descrever paisagens, personagens ou situações. Exemplos: Pretérito:   “O castelo erguia-se  imponente no topo da montanha.” Presente:   “O sol brilha  intensamente sobre o campo de batalha.” 15. Tom Enfático e Decisivo Tempo verbal:  Pegar + Verbo ou Tomar + Verbo Uso:  Para reforçar a decisão ou resolução de um personagem. Exemplos: “Ele pega e parte  sem olhar para trás.” 16. Uso Dramático de Tempo Relativo Tempo verbal:  Combinação de momentos (Presente, Pretérito, Futuro) Uso:  Para alternar entre tempos e criar tensão ou emoção. Exemplos: “Ontem, ela hesitou ; hoje, ela avança  com determinação; amanhã, será  vitoriosa.” 17. Uso Dramático do Presente Tempo verbal:  Presente Uso:  Para destacar momentos ou cenas impactantes. Exemplos: “Eu enxerguei a beleza na sua forma mais primitiva, ali, naquele instante. Pingos de suor e de sangue cintilam em volta daquele ser supremo, formando um caleidoscópio de luzes e terror. Os olhos do ser brilha em vigor pela conquista, mostrando a prova carnal entre seus dentes.” Isso aqui são só os principais. Na próxima seção, vamos abordar um assunto cujo foco será garantir que os tempos verbais escolhidos estejam perfeitamente alinhados com a lógica interna da sua narrativa. Consistência Temporal Verbal Chegou a hora de falarmos de algo essencial: a consistência temporal verbal . Este nome pode soar como algo supercomplexo e difícil de executar, mas calma! Prometo que não é um bicho de sete cabeças. Trata-se, simplesmente, de como você articula os tempos verbais para criar uma narrativa coesa e coerente. Afinal, ninguém quer deixar o leitor perdido na linha do tempo, não é mesmo? Mas, Kamo, minha novel se passa tudo no passado. Nem preciso estudar tanto. É só usar somente os pretéritos. Tá maluco, mermão!? A essa altura do campeonato, você ainda insiste nisso? Mais do que repetir mecanicamente o mesmo tempo verbal – coisa que alguns teóricos  até recomendam, mas que é uma baita duma armadilha – a verdadeira maestria está em calcular todos os pontos referenciais . Isso significa que você deve considerar: Os eventos na linha temporal : O que aconteceu, o que está acontecendo e o que ainda vai acontecer. O falante e o momento da fala : Quem está narrando ou falando e em que ponto do tempo ele se encontra. A postura e atitude comunicativa : O narrador está narrando os eventos como um cronista imparcial ou fazendo comentários diretos sobre o que acontece no mundo narrado? O ponto de vista e limites de visão : O narrador sabe de tudo e dá o panorama completo dos eventos, ou está limitado a um único personagem ou momento? Além disso, o narrador vai abordar a ação como um todo ou prefere se ater a um detalhe? E aqui vai a dica de ouro: consistência temporal verbal não é sinônimo de monotonia!  Não é sobre usar o mesmo tempo verbal para todos os eventos, mas sobre fazer com que a transição entre eles seja clara e natural. Vamos entender melhor isso com exemplos. Exemplos de erros de consistência verbal Erro no conflito entre advérbio e tempo verbal: Errado: Ontem, vou à biblioteca e leio um livro muito interessante. Corrigido: Ontem, fui à biblioteca e li um livro muito interessante. Erro na quebra temporal da relação condicional: Errado: Se ele não ligasse para mim, eu vou ficar chateada. Corrigido: Se ele não ligasse para mim, eu ficaria chateada. Corrigido 2: Se ele não ligar para mim, eu vou ficar chateada. Erro na transição entre passado e presente: Errado: Ele terminou de escrever o livro e agora publicava em um site de webnovels. Corrigido: Ele terminou de escrever o livro e agora publica em um site de webnovels. O uso do aspecto perfectivo ressalta que "terminar" é uma ação pontual, enquanto "publica" reflete continuidade no presente. Corrigido 2: Ele terminou  de escrever o livro e agora publicou  em um site de webnovels. O advérbio agora  pode ser interpretada como mudança de estado recente, permitindo o perfectivo. Sim, é isso mesmo! O advérbio agora não significa necessariamente agora! Hahahahaha! Agora o Kamo ficou louco de vez… Erro de transição entre presente e passado em eventos simultâneos: Errado: Ela olha  para a janela e viu  a tempestade se aproximar. Corrigido: Ela olha  para a janela e vê  a tempestade se aproximar. Erro na sequência temporal de ações concluídas e contínuas: Errado: Enquanto ele resolveu  o problema, ela ainda estava conversando com o cliente. Corrigido: Enquanto ele resolvia  o problema, ela ainda estava conversando com o cliente. Erro de transição entre passado e presente mesmo com referência no passado: Errado: Assim que ele viu a criatura, ele corre  para se esconder. Corrigido: Assim que ele viu a criatura, ele correu  para se esconder. Erro na distinção do momento da fala e ambiguidade: Errado: Agora que passou  o susto, percebi que eu corro  e me esgueiro  sem olhar pra trás. Corrigido: Agora que passou  o susto, percebi que eu corri  e me esgueirei  sem olhar pra trás. A não ser que tenha falado de um hábito, deve ser colocado no perfectivo . Erro no uso do tempo futuro a partir do momento da fala: Errado: Daqui a pouco, quando eles chegaram , vou pedir  ajuda. Corrigido: Daqui a pouco, quando eles chegarem , vou pedir  ajuda. Erro no uso da reflexão imediata em eventos contínuos: Errado: Enquanto ele terminava  o discurso, eu já vou saindo  da sala. Corrigido: Enquanto ele terminava  o discurso, eu já saía  da sala. Erro na distinção entre narração e comentário: Errado: Ele abriu a porta com força e, sinceramente, ele é muito descuidado. Corrigido: Ele abriu a porta com força. (Comentário separado: Ele era realmente muito descuidado.) Erro na troca entre mundo narrado e mundo comentado: Errado: Ela chegou atrasada ao evento, mas deve ter ficado surpresa ao ver que ninguém ligava para isso. (Isso não é exatamente um erro, pois depende do tipo de narrador.) Corrigido: Ela chegou atrasada ao evento, mas parecia surpresa ao ver que ninguém ligava para isso. Erro de coerência entre o observador e a capacidade de presenciar eventos: Errado: Ele saiu  da sala, mas viu  quando o chefe encerrou a reunião com um gesto triunfal. Corrigido: Ele saiu  da sala antes que o chefe encerrasse a reunião. Erro ao descrever ações que o observador não poderia testemunhar: Errado: Ela fechou a porta e viu sua irmã apagar as luzes e deitar-se para dormir. Corrigido: Ela fechou a porta e, do lado de fora, ouviu o som da cama rangendo, imaginando que sua irmã estava se deitando para dormir. Erro na alternância de tempos verbais com diferentes posturas narrativas: Errado: Ele correu  pela rua, olhava  para os lados e percebe  uma figura misteriosa no final da rua. Corrigido: Ele correu  pela rua, olhou  para os lados e percebeu  uma figura misteriosa no final da rua. Erro de consistência ao transitar entre ações principais e secundárias: Errado: A tempestade começou a cair enquanto o vento soprava forte, e os galhos quebram  como se fossem gravetos. Corrigido: A tempestade começou a cair enquanto o vento soprava forte, e os galhos quebravam  como se fossem gravetos. Como acertar na consistência verbal Trace a linha do tempo da narrativa : Identifique onde cada evento está na cronologia. Está no passado, no presente ou no futuro? Isso ajuda a escolher o tempo verbal certo. Observe o ponto de vista do narrador : Um narrador onisciente pode brincar mais com os tempos verbais, enquanto um narrador limitado a um personagem precisa manter a coerência com o ponto de vista dele. Dê atenção ao momento da fala : Um narrador pode estar contando algo no passado, mas comentando no presente, ou o narrador pode estar contando algo logo depois de acontecer. Isso é permitido, desde que a transição seja clara. Use marcadores temporais : Palavras como ontem , agora  e amanhã  ajudam a situar o leitor, mas precisam ser compatíveis com o tempo verbal escolhido. Teste a fluidez da leitura : Leia em voz alta. Se alguma transição de tempo soar confusa ou abrupta, vale a pena revisar. Agora que você dominou a consistência temporal verbal, está pronto para dar ainda mais vida à sua narrativa! Sua história vai fluir de forma natural e prender o leitor do começo ao fim. Dito isso, na próxima seção, vamos explorar exemplos de todos os empregos dos tempos verbais para finalizar a nossa conversa. Emprego dos Tempos Verbais Meus parabéns para você que chegou até aqui. Sou muito grato a você por me dar ouvidos (olhos na verdade), mas agora chegou a hora de vermos um por um os pormenores dos tempos verbais. Neste artigo vou falar apenas do modo indicativo do verbo, visto que nosso foco é sobre o tempo verbal, não o modo. Se você está escrevendo uma história, vai perceber que o indicativo é a sua âncora na hora de situar os eventos no tempo e criar um fio condutor lógico para o leitor. Bora ver como funciona. Presente do Indicativo Emprego Descrição Exemplo Fato atual Indica uma ação ou estado que se verifica ou que se prolonga até o momento da fala. "Ele estuda para a prova agora." Fato permanente Refere-se a um estado ou condição que não muda ao longo do tempo. "O ser humano é mortal." Ação habitual Expressa ações que se repetem regularmente, formando um hábito ou rotina. "Eu acordo cedo todos os dias." Verdade universal Indica fatos ou leis naturais que são considerados invariáveis. "A água ferve a 100 graus Celsius." Presente histórico Usado para narrar eventos passados com o objetivo de dar mais vivacidade ou dramaticidade. "Em 1822, Dom Pedro declara a independência do Brasil." Presente gnômico Expressa máximas, provérbios ou generalizações atemporais. "Quem cedo madruga, Deus ajuda." Futuro próximo Refere-se a ações ou eventos que acontecerão em breve, geralmente com o apoio de marcadores temporais. "Amanhã eu viajo para o Rio." Estado resultante Indica um estado que resulta de uma ação anterior e ainda persiste no presente. "Ele está cansado depois de tanto trabalhar." Ação no discurso direto Relata uma fala ou pensamento em tempo real. "Ele diz: 'Eu não concordo com você.'" Ação pontual no presente Refere-se a um evento que ocorre imediatamente ou em tempo muito curto no momento da fala. "O telefone toca e todos olham para ele." Presente atemporal em comentários Usado para comentar ou descrever ações de forma geral, sem ligação a um tempo específico. "Em histórias épicas, o herói enfrenta desafios." Considerações sobre o presente do indicativo “Ao utilizarmos o presente histórico ou narrativo (denominações provenientes do seu tradicional e largo uso nas narrativas históricas), imaginamo-nos no passado, visualizando os fatos que descrevemos ou narramos. É um processo de dramatização linguística de alta eficiência, se utilizado de forma adequada e sóbria, pois o seu valor expressivo decorre da aparente impropriedade, de ser acidental num contexto organizado com formas normais do pretérito. O abuso que dele fazem  alguns romancistas contemporâneos é contraproducente: torna invariável o estilo e, com isso, elimina a sua intensidade particular.” – Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha & Lindley Cintra Aqui é eu concordando plenamente com os referidos autores. O aspecto pontual é aceito no presente, porém é uma característica favorável mais do pretérito perfeito do que do presente; a clareza é maior no perfectivo. O que resta ao presente é o efeito dramático e narrativo onde a quebra gerada pela aparente impropriedade (parecer estar errado) acaba por imergir o leitor à cena. De forma simples, uma pitada de pimenta oferece profundidade ao sabor da comida, mas se fizer a comida só com pimenta… bem, se torna intragável. Assim é o uso do presente momentâneo, histórico e narrativo. Tomarei a liberdade de conceber um outro nome aqui: presente emoldurado , porque esta transmite a função deliciosa na dose. O presente emoldurado é quando queremos parar o tempo da cena para tirar uma foto e pendurá-la em moldura na parede. Quando sentimos que uma cena merece um destaque, diria apenas 1 situação dessas a cada volume , uma foto mostrando o clímax da obra, tensionamos e tencionamos a narrativa para atingir aquele momento especial. Então o autor congela o tempo intencionalmente e contempla a sua criação através de descrições das ações no presente. Portanto cuidado:  você só estará sendo tosco e monótono se achar que colocar todos os verbos no presente vai causar a imersão  do leitor. Imersão do leitor se ganha com o enredo, não com seus tempos verbais, inclusive provocando efeito contrário por causa desse abuso, como destacado na citação acima. A polivalência do presente já provocou inúmeros desastres na literatura brasileira. Não seja mais um. É por esse abuso que muitos acham que o tempo verbal presente seria uma forma de contar histórias, e não é. Pode até forçadamente funcionar em visual novels, correndo o risco de soar antinatural, mas em webnovels não. O tempo verbal presente pode participar em todas as histórias, inclusive as que contam uma saga já encerrada. Simplesmente não é o tempo verbal que vai dizer se algo ocorreu há tempos ou se acaba de acontecer contada em tempo real. Quer ver a diferença? “Naquele dia eu entendi tudo. Por anos pensava que a culpa era minha.” “Agora eu entendi tudo. Até segundos atrás pensava que a culpa era minha.” “Agora eu entendo tudo. Até segundos atrás pens... pens... AAAAAAAAAAAA Entendeu onde realmente está a diferença? Contexto e advérbios! Sim! O verbo possui outra função que não é o de mostrar quando se passa o evento com exatidão. O verbo, na verdade, molda a perspectiva  e a continuidade  da ação dentro do contexto estabelecido. O que define a sensação de tempo na narrativa não é apenas a conjugação verbal, mas sim os elementos ao redor: advérbios, estrutura da frase e o enquadramento da cena. Se alguém diz “Agora eu entendi tudo” , há uma noção de passado recente, mesmo usando o pretérito perfeito. Já em “Agora eu entendo tudo” , o presente do indicativo dá um ar de revelação contínua, um estado em que o falante se encontra no momento da fala. Isso significa que o tempo verbal sozinho não carrega a responsabilidade total pela sensação temporal da narrativa. Ele atua junto a marcadores temporais, ao ritmo da frase e à intenção do narrador para criar diferentes efeitos no leitor. É aí que mora o verdadeiro poder dos verbos: não apenas indicar quando   algo acontece, mas como   essa informação chega até quem lê. Eu não estou dizendo para parar de usar o presente em suas histórias. Quando bem aplicado, ele pode criar impacto, imersão e intensidade, sim. Mas, convenhamos... eu fico puto quando alguém usa garfos pra tomar sopa, sabe? Fique com uma sequência de 3 parágrafos em que utilizei esse tal de presente emoldurado (o capítulo se chama "O caleidoscópio de sangue e suor"): "Então eu me virei e vi o cabelo dela esvoaçando no ar após arrancar com os dentes parte do pescoço do homem caído. Eu enxerguei a beleza na sua forma mais primitiva, ali, naquele instante. Pingos de suor e de sangue cintilam em volta daquele ser supremo, formando um caleidoscópio de luzes e terror. Os olhos do ser brilha em vigor pela conquista, mostrando a prova carnal entre seus dentes. A presa se debateu no chão e, após alguns espasmos banhados em vermelho, ficou imóvel. Em seguida Gabriela cuspiu no chão o que estava na boca, se levantou e me encarou. Eu senti que ela não estava ali. Ela deu respiradas rápidas pelo nariz e me analisou dos pés à cabeça." — por Kamo Kronner Pretérito Perfeito do Indicativo Emprego Descrição Exemplo Ação concluída em momento específico do passado Indica uma ação que ocorreu e foi concluída em um ponto definido no passado. "Ele terminou o livro ontem." Ação pontual concluída Refere-se a um evento que ocorreu de forma rápida ou única em um momento anterior. "O trem chegou na hora certa." Sequência de ações concluídas Usado para narrar uma série de eventos concluídos, geralmente em ordem cronológica. "Ele entrou, sentou-se e começou a falar." Fato novo e relevante no contexto atual Relata uma ação passada que ainda tem relevância ou impacto no presente. "Acabei de receber uma notícia importante." Ação habitual ou repetida no passado (com advérbios específicos) Expressa ações repetidas no passado, mas delimitadas por marcadores de tempo. "No último mês, visitei o parque várias vezes." Fato genérico ocorrido no passado Indica ações ou eventos que ocorreram em algum momento do passado, sem especificar quando. "Já viajei para Paris." Ação inicial de uma sequência futura (em discurso direto) Pode ser usado para introduzir uma sequência futura em narrativas de fala direta. "Ela disse: — Já terminei, agora podemos sair." Considerações sobre o pretérito perfeito do indicativo Enquanto o presente tende ao imperfectivo na maioria dos empregos, o pretérito perfeito é o tempo mais perfectivo, isto é, que indica ações já concluídas. Não se engane, como já disse milhões de vezes, a ação pode ser concluída logo antes do momento da fala. O que na verdade isso quer dizer é que não há mais preocupação quanto à conclusão da ação, retirando a dúvida sobre a continuidade dela. Isto pode ser muito confuso, mas o verbo em si não altera a duração de uma ação . Seria o mesmo que um termômetro indicar a temperatura de algo, mas o termômetro em si não alterar a temperatura daquilo. Portanto, fica estabelecido que o evento narrado é totalmente independente do tempo verbal, e, por sua vez, o leitor só tem noção do evento através do verbo. Isso torna o falante o responsável por dizer se a ação foi concluída ou ainda continua. Essa questão pode ser evidenciada na seguinte situação: Uma criança estudando com a lição atrasada sem conclusão ao ser indagada, se já terminou de fazer a lição de casa para poder sair pra passear, responde: — Já terminei! O efeito resultante certamente seria diferente de “— Estou terminando!” ou “— Estou fazendo!” . O estado de avanço da lição em si é “não concluída” , mas o ouvinte/leitor não sabe. Além disso, o pretérito perfeito simples  é predominantemente usado em ações pontuais e concluídas, enquanto sua versão composta  (como em tenho feito ) indica continuidade ou repetição de ações no passado que se conectam ao presente. Isso pode colocar à prova o aspecto perfectivo desse tempo verbal, porém é largamente utilizado a forma composta para indicar sucesso nas ações, como em “tenho estudado gramática” ou “tenho notado meus erros” que não coloca em dúvida que as ações foram executadas no passado. Por último, sobre a "sequência de ações" listada na tabela, o cuidado deve ser redobrado na nossa área de ficção. Quando o objetivo é somente relatar um ocorrido fidedignamente, como em um boletim de ocorrência policial, não há por que se preocupar. No entanto, a sequência de pretéritos perfeitos torna monótona a narrativa, assim como o presente. Para continuarmos com o leitor engajado, a variação entre 1º plano (perfeito) e 2º plano (imperfeito) e entre narração e comentário vai tornar a narrativa mais fluida, natural e interessante o suficiente para o leitor continuar. A máxima é “use todos os tempos verbais”, ponderando quanto à necessidade e efeito esperado. Pretérito Imperfeito do Indicativo Emprego Descrição Exemplo Ação contínua no passado Indica uma ação que estava em andamento em um momento anterior. "Ele estudava enquanto chovia lá fora." Descrição do que era presente no passado (presente do passado) Usado para descrever situações, ambientes ou características no passado. "A casa era pequena, mas acolhedora." Ação habitual ou repetida no passado Refere-se a hábitos ou ações que se repetiam regularmente em um período anterior. "Quando criança, eu brincava no parque todos os dias." Ações simultâneas no passado Indica duas ou mais ações que ocorriam ao mesmo tempo no passado. "Enquanto ele corria, ela fazia anotações." Cortesia ou atenuação Usado para suavizar pedidos ou expressar cortesia, mesmo que não se refira a um passado real. "Eu queria um pouco de água, por favor." Expressão de desejo ou suposição no passado Refere-se a situações imaginadas ou desejadas em um contexto anterior. "Eu gostaria de ter ido à festa." Ação interrompida no passado Indica uma ação que estava em progresso e foi interrompida por outro evento. "Ele falava ao telefone quando a luz apagou." Tom narrativo em histórias Amplamente usado para criar ritmo e continuidade em narrativas literárias. "Era uma noite escura e chuvosa, e os cães uivavam ao longe." Expressão de continuidade atemporal Descreve ações que pareciam se estender indefinidamente em um contexto passado. "Ele sempre acreditava que tudo daria certo." Considerações sobre o pretérito imperfeito do indicativo O pretérito imperfeito é um tempo verbal que expressa ações contínuas, habituais ou simultâneas no passado. Diferente do pretérito perfeito, que indica eventos pontuais e concluídos, seu uso deve ser bem delimitado para evitar incoerências na narrativa. Continuidade e pano de fundo : Esse tempo verbal descreve ações ou estados em andamento, funcionando como um suporte narrativo. Exemplo: “A casa estava vazia e as luzes apagadas.” Construção do cenário : Essencial para criar um ambiente detalhado, mas o uso excessivo pode tornar o ritmo lento. Exemplo: “O vento soprava forte, enquanto as árvores balançavam ao longe.” “O imperfeito faz ver sucessivamente os diversos momentos da ação, que, à semelhança de um panorama em movimento, se desenrola diante de nossos olhos: é o presente no passado.” Citado no livro de Cunha & Cintra, o texto revela o significado elementar do imperfeito, tendo praticamente os mesmos empregos que o presente, mas no passado. Simultaneidade : Quando duas ações ocorrem ao mesmo tempo no passado, o pretérito imperfeito mantém a coerência entre elas. Exemplo correto: “Ele caminhava pela rua enquanto pensava no que fazer.” Erro comum: “Ele caminhava pela rua e pensou no que fazer.”  (Aqui, o perfeito sugere uma conclusão abrupta.) Por outro lado, seria um exemplo correto quando queremos introduzir uma mudança na ação contínua pela interferência. Esta interferência seria sempre causada por uma ação perfectiva. Tom cortês e hipótese : Comum para suavizar pedidos ou sugerir possibilidades. Exemplo: “Eu queria um café, por favor.” Exemplo condicional: “Se você me ajudasse, eu agradeceria.” Em descrições longas, o uso excessivo pode gerar ambiguidades, especialmente quando várias ações sobrepostas precisam ser diferenciadas. Alternar com o pretérito perfeito pode melhorar a clareza. Ruim: “Ele falava, olhava para todos, gesticulava e andava pela sala.” Melhor: “Ele falava, olhava para todos e gesticulou enquanto andava pela sala.” Melhor ainda: “Ele falava olhando para todos e gesticulava andando pela sala.” O pretérito imperfeito precisa ser equilibrado com outros tempos verbais para garantir fluidez e evitar monotonia ou confusão. Pretérito Mais-que-perfeito do Indicativo Emprego Descrição Exemplo Ação anterior a outra no passado Indica uma ação que ocorreu antes de outra já mencionada no passado. "Quando cheguei à festa, ele já tinha saído." Conclusão remota de uma ação Usado para expressar ações concluídas há muito tempo antes de outra referência no passado. "Eles haviam terminado o projeto antes mesmo de eu começar." Expressão de causalidade no passado Relaciona um evento passado que explica ou causa outro. "Como já estudara o suficiente, conseguiu passar no exame." Estilo literário ou formal Utilizado em textos formais e literários, frequentemente com a forma simples do mais-que-perfeito. "Assim que terminara o jantar, retirou-se para o quarto." Ênfase em eventos sequenciais remotos Enfatiza a cronologia de eventos distantes, com uma ação precedendo outra. "Ele dissera tudo antes que alguém pudesse reagir." Narrativa com tom reflexivo ou analítico Usado para adicionar profundidade à análise de eventos passados. "Ela perceberia mais tarde que já cometera o mesmo erro antes." Considerações sobre o pretérito mais-que-perfeito do indicativo O pretérito mais-que-perfeito indica uma ação passada que ocorreu antes de outra ação também passada. Seu uso é essencial para marcar anterioridade de forma clara e pode aparecer tanto na forma simples quanto na composta. Expressão de anterioridade : Destaca um evento concluído antes de outro já mencionado no passado. Exemplo: “Quando cheguei, ele já saíra.” Forma composta: “Quando cheguei, ele já tinha saído.” Ênfase na ordem dos eventos : Ajuda a estruturar a sequência cronológica das ações. Exemplo correto: “Ele já terminara a tarefa quando os outros começaram.” Erro comum: “Ele terminou a tarefa quando os outros começaram.”  (Aqui, perde-se a noção de anterioridade.) Exemplo coloquial: “Ele já tinha terminado a tarefa quando os outros começaram.”  (Mais reconhecível dessa forma) Uso formal e literário : A forma simples (saíra, fizera, dissera) é pouco usada na fala cotidiana, sendo mais comum em textos narrativos e literários. Na linguagem do dia a dia, a forma composta (tinha/havia feito) prevalece. Exemplo formal: “Ele fizera a promessa antes de partir.” Exemplo coloquial: “Ele tinha feito a promessa antes de partir.” Uso na criação de flashbacks : Essencial para inserir memórias ou eventos passados sem confundir o leitor. Exemplo: “Lembrou-se de que já visitara aquele lugar antes.” Uso fixo em frases exclamativas : Na linguagem corrente, esse tempo verbal se consolidou em certas expressões cristalizadas, onde mantém um sentido enfático. Quem me dera! (Quem me desse!) Prouvera a Deus!  (Prouvesse a Deus!) Pudera! Tomara (que)! O pretérito mais-que-perfeito é uma ferramenta poderosa para estruturar o passado dentro do passado. Seu uso correto garante clareza na sequência dos eventos e evita que a narrativa pareça desorganizada ou sem referência temporal. Futuro do Presente do Indicativo Emprego Descrição Exemplo Ação futura certa ou prevista Indica algo que certamente ocorrerá ou é esperado no futuro. "Amanhã, viajarei para o interior." Promessas ou compromissos Expressa um compromisso ou intenção de realizar algo no futuro. "Eu farei tudo o que for preciso para ajudar." Previsões ou suposições Usado para fazer suposições sobre eventos futuros. "Você se formará no próximo ano." Tom enfático ou categórico Enfatiza a certeza de algo que ocorrerá, dando força à afirmação. "Eu resolverei isso de uma vez por todas!" Incerteza ou probabilidade no presente Pode ser usado para expressar dúvida ou suposição sobre o presente (em substituição ao futuro do pretérito). "Será que ele está em casa agora?" Narrativa formal ou literária Aparece em narrativas formais, criando uma sensação de solenidade ou continuidade futura. "Um dia, ele alcançará a redenção que tanto busca." Contexto jurídico ou regulatório Muito comum em textos legais ou formais para indicar obrigações ou determinações futuras. "Os candidatos apresentarão os documentos na próxima semana." Condicional com subordinadas temporais Usado em sentenças subordinadas que condicionam ou descrevem eventos futuros relacionados. "Quando você chegar, discutiremos os detalhes." Considerações sobre o futuro do presente do indicativo O futuro do presente do indicativo expressa ações que ocorrerão posteriormente ao momento da fala. Ele pode indicar uma previsão, uma intenção, uma consequência ou até mesmo um fato inevitável. Seu uso é direto e objetivo, marcando um tempo posterior com clareza: “Amanhã viajaremos  para o interior.” Além da função básica de marcar eventos futuros, esse tempo verbal pode ser empregado para indicar suposições sobre o presente, funcionando como um recurso de incerteza: “Onde estará  João a esta hora?”   Nessa construção, o futuro substitui o presente para sugerir dúvida ou conjectura. Em contextos formais ou polidos, o futuro do presente pode ser usado para expressar ordens e exigências de maneira mais cortês: “O senhor preencherá  este formulário e aguardará a chamada.” Na comunicação cotidiana, esse tempo é frequentemente substituído pelo presente do indicativo ou por construções com ir + infinitivo  ( “Amanhã vou viajar” ), o que o torna menos comum na fala espontânea. Seu uso contínuo em textos narrativos pode criar um efeito artificial ou distante, exigindo equilíbrio para manter a naturalidade da linguagem. Já na literatura, alguns escritores modernos fizeram a tentativa de incluir o uso em ação posterior a outra no passado: “João casou-se em 1922, mas Pedro esperará  ainda dez anos para constituir família.” Este uso se assemelha ao presente histórico, que mostrei antes. Futuro do Pretérito do Indicativo Emprego Descrição Exemplo Ação futura condicionada a outra no passado Expressa um evento que poderia ter ocorrido se uma condição passada tivesse sido cumprida. "Se ele estudasse mais, passaria no concurso." Cortesia ou tom polido Usado para suavizar pedidos, sugestões ou recusas. "Você poderia me ajudar com isso?" Expressão de dúvida ou incerteza no passado Indica algo que talvez tenha acontecido, mas não é certo. "Ele teria chegado mais cedo se o trânsito não estivesse tão ruim." Narrativa formal ou hipotética Aparece em histórias ou relatos que exploram possibilidades hipotéticas no passado. "Naquela situação, ele reagiria com coragem." Conjeturas sobre o futuro em relação ao passado Refere-se a ações futuras em relação a um ponto de referência anterior. "Disseram que ele chegaria amanhã, mas nunca apareceu." Expressão de surpresa ou decepção Usado para relatar eventos que não aconteceram conforme o esperado. "Eu esperava que ele fosse mais compreensivo." Tom analítico ou reflexivo Explora alternativas ou pondera sobre o que poderia ter sido diferente. "Eu teria feito outra escolha, se soubesse das consequências." Considerações sobre o futuro do pretérito do indicativo Um fato interessante é que o futuro do pretérito representa o mais inatual dos tempos, isto é, descreve ações que estariam totalmente em outra linha temporal, dependendo do contexto. Também é chamado de modo condicional, principalmente quando o momento de evento é após a fala: “Eu ficaria  feliz se você me chamar  pra sair.”  (O momento de evento é após a fala) “Eu ficaria  feliz se você me chamasse  pra sair.”  (O momento de evento é antes da fala) O primeiro exemplo geralmente aparece em fala coloquial, sendo mais formal o uso do futuro do presente: “Eu ficarei  feliz se você me chamar pra sair.”   O seu deslocamento da linha temporal é mais evidenciado com a comparação com o pretérito imperfeito: “Sem a sua interferência, eu estaria  perdido.” “Sem a sua interferência, eu estava perdido.” A primeira indica uma possibilidade, outra linha temporal, enquanto a segunda diz sobre fato que ocorreu, um efeito causado pelo que foi dito. Conclusão Aqui eu finalizo este artigo! Eu espero que você tenha gostado e tenha sanado muitas dúvidas. Sei que o assunto parece complexo, mas eu posso afirmar  que é só uma questão de costume. Muito obrigado por ler! Até a próxima! Escrito por Kamo Kronner

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