Que formal que nada!
- JooJ
- 16 de set. de 2023
- 7 min de leitura
O falso texto rebuscado
Quando estava na escola, principalmente no fundamental, e precisava escrever aqueles extensos seminários e apresentações, eu costumava me sentir bastante intelectual ao redigir tantas palavras difíceis e termos técnicos. Bem, todos se sentem mais inteligentes ao dizer “por obséquio”, não é? Eu espero que sim… O problema é: eu não tinha base teórica nenhuma para fazer um texto formal. A escrita era, em suma, um grande megazord de gírias, termos informais e palavras excessivamente rebuscadas. Se identificou? Esse tipo de construção é comum. A chamamos de “falso texto rebuscado".
Qual é o problema de um falso texto rebuscado?
É comum que os textos que apresentam tal problema tenham o objetivo de “parecer”. Eles não tem, como principal intuito, transmitir ao leitor um sentimento, lição ou conhecimento, mas impressioná-lo. Por isso, exageram nas palavras difíceis, estruturas complexas, termos técnicos, jargões e outras besteiras. Como você deve imaginar, a falta do conhecimento necessário para a construção desses textos os torna difíceis de compreender. A clareza é sacrificada na tentativa de escrever de forma intelectual. Observe a construção abaixo: “A efemeridade fugaz do crepúsculo suscita uma aurora lânguida e cândida, na qual a névoa tênue acaricia o horizonte em um afago etéreo.” O que acha que significa? Imagino que você não entendeu o que está escrito. E está tudo bem, eu também não entendi! E é este o que da nossa questão: não dá pra entender. Um texto formal não precisa, necessariamente, ser complexo, mas claro e fluido! “A simplicidade é o último degrau da sabedoria.” - Khali Gibran Agora, vamos ver o que aquele trecho significa, em uma escrita formal, mas não complexo: “O breve e passageiro crepúsculo desperta uma aurora tranquila e pura, na qual a neblina suave acaricia o horizonte com delicadeza.”
Agora dá pra entender! Conseguiu observar como a linguagem afeta a forma com que o leitor vai captar a sua mensagem?
Expressões formais
Algumas expressões e termos da língua portuguesa são inutilizados no nosso dia a dia. Não falamos, não escrevemos e nem entramos em contato com eles tão facilmente e, por isso, tendemos a colocá-los de maneira errada.
Cujo e cuja:
“As árvores, cujas bloqueavam minha visão, estavam lindas hoje.”
“As árvores, cujas quais bloqueavam minha visão, estavam lindas.”
“A empresa, cujo os funcionários ganham bem, acabou de me contratar.”
Consegue me dizer qual forma está correta? Vou lhe dar dez segundos!
Plim! Todas estão erradas! Mas por quê? Primeiro, vamos entender o que é o cujo e o cuja.
“Cujo(a)” é um pronome relativo que indica posse. Ou seja, ele mostra que aquilo que vem depois do termo, pertence àquilo que vem antes. Simples, né? Vamos corrigir as frases anteriores, então?
“As árvores, cujas folhas bloqueavam minha visão, estão lindas hoje.”
Perceba que, agora, o “cujas” está estabelecendo uma relação de posse entre “árvores” e “folhas”. As folhas pertencem às árvores e, por isso, o uso desse termo está certo. “A empresa, cujos funcionários ganham bem, acabou de me contratar.” Nesse caso, precisamos lembrar que o pronome relativo tem que concordar com o gênero e o número da palavra com a qual ele está ligado. Se “funcionários” está no plural, ele tem que estar também. Além disso, “cujo a”, “cujo o” e semelhantes, não existem!
O mesmo:
Não são poucas as vezes que eu me deparo com as expressões "o mesmo" e "a mesma" escritas desta forma:
“As árvores estão lindíssimas hoje, pois as mesmas são sempre bem cuidadas.”
Ah, não! Me desculpe ser o mensageiro do desastre, mas… essa forma está errada! Essa expressão não possui o mesmo valor do pronome "elas" que, neste caso, seria o correto.
“As árvores estão lindíssimas hoje, pois elas são sempre bem cuidadas.”
Ufa… Bem melhor, afinal a expressão “o mesmo” funciona apenas como substantivo ou adjetivo.
Gerundismos:
Antes de entender o gerundismo, precisamos entender o que é um verbo conjugado no gerúndio.
Que existem aquelas ações que aconteceram (passado), que acontecem (presente) e que acontecerão (futuro), você já sabe. Mas agora eu lhe pergunto: como eu escrevo ações que estão acontecendo?
É aí que o gerúndio entra. Os verbos terminados em “ando”, “endo” e “Indo” indicam algo que começou, mas ainda não terminou.
“Tudo bem, eu entendi o que é o gerúndio, mas… e o gerundismo?”
Calma, jovem! O gerundismo é, em resumo, um vício de linguagem. Ele consiste na troca de um verbo no infinitivo por um verbo no gerúndio, quando se quer descrever uma ação futura.
“ Eu vou te ligar” → “Eu vou estar te ligando”
Indicar uma ação que acontecerá, usando um verbo que indica uma ação que está acontecendo… parece que algo está errado, não é? E está mesmo !
Repetir ou não repetir?
Se eu fosse te dar uma resposta curta, eu diria: não, mas eu não sou homem de responder curto, então vamos falar um pouco sobre isso.
A repetição de palavras é um erro muito comum nos textos iniciantes. O nome do protagonista aparecendo uma ou duas vezes por parágrafo é algo que você certamente verá caso se aventure na leitura de textos alheios.
Digitar incansavelmente uma certa palavra pelos seus textos, no entanto, não é a única forma de ser “repetitivo”, e é disso que nós estamos falando. Não sobre repetir palavras, mas sobre dizer a mesma coisa e usar as mesmas construções e estruturas durante toda a narrativa.
Pronomes relativos e a síndrome dos adjetivos:
Embora os pronomes relativos embelezem o texto, a utilização exagerada dessas estruturas pode deixá-lo pesado e repetitivo. Há diversas formas de reestruturar as frases, e quanto mais variado for o seu texto, mais leve ele será. “Eu comprei um macarrão que é gostoso que vende no mercado que só fica aberto a noite que é azul e que fica do lado da minha casa.” Que, que, que, que… não precisamos de tantos “que”, não é? Vamos tentar tirar alguns deles! “Do lado da minha casa, no mercadinho azul que só fica aberto à noite, eu comprei um macarrão delicioso.” Muito mais fácil de se ler. Muito mais fluido. Um outro problema recorrente em textos aspirantes à formalidade é a descrição absurda que se costuma fazer sobre tudo. “Os textos precisam ser grandes, não é? E detalhados também, certo? Então os farei muito detalhados!” Não!
É claro que o detalhamento é importante, principalmente se tratando da escrita de um romance. O leitor precisa saber quem são os personagens, como eles são, o que eles fazem. No entanto, o problema começa a partir do momento em que a sua descrição se torna exagerada e desnecessária. Pense comigo: Qual dessas duas passagens é mais leve de se ler? “Eu pisei no chão frio de pedras pretas, meio soltas e bastante velhas com meus lindos, pequenos, charmosos e de cor bege pés tamanho 42, trajados em sapatos azuis de pano da marca adidas, que tem como logo três linhas brancas, como a cor da camisa que estava usando neste dia.”
“Pisei no chão frio de pedras” Olhando assim, parece até um pouco de escárnio. Juro, não é. Há textos que pego para ler, e são exatamente assim. Deixe a mente do seu leitor em paz para trabalhar. Permita-o imaginar as cenas! Seja mais breve nas descrições e liste apenas aquilo que é de real importância para a história.
Penso, logo existo
Transmitir os sentimentos e as batalhas internas dos seus personagens é a coisa mais linda que há na escrita, ao menos para mim. Só que, como tudo na escrita, a gente precisa ter um pouco de autocontrole. Pensar é vago, parado. Se a sua personagem começa a pensar e nunca mais para, a narrativa vai carecer de ação — melhor ainda: de movimento —. Intercale toda essa filosofia com alguns passos, ações, faça a história andar!
Por exemplo:
“Ela se virou para o horizonte, pensativa. As lembranças inundaram sua mente como nunca, e um filme da vida passeou pela mente da garota, trazendo sentimentos de nostalgia e um arrependimento profundo. Cerrou os olhos e se perguntou: “Será que se eu tivesse saído de casa mais cedo, tudo teria sido diferente?”
E aí você engata com um flashback, e NOSSA… é muito pensamento, não dá! Perceba que nada acontece nesse meio tempo. Isso para a história, deixa o ritmo monótono.
Agora veja um outro exemplo: “A menina encarou o horizonte, pensativa. Tremeu os ombros à soluçar, após rever as dolorosas memórias de sua infância.” Menor, mais fluido, seguido de uma ação real. É isso que a gente procura
Construções passivas e ordens indiretas excessivas
O objetivo dos textos é a clareza. Nunca é bacana usar demais as construções que possam deixar o texto difíceis de ler e entender, e esse é o caso das construções passivas e indiretas. Exemplo de construção direta:
O capitão ficou inelegível! Exemplo de construção indireta: Ficou inelegível o capitão. Perceba, então, que se eu usar demais a segunda estrutura, vai ficar extremamente complicado definir o sujeito de cada frase e se encontrar na narrativa. O texto vai ficar obscuro, talvez ambíguo em diversas partes.
Não vou dizer, é claro, que esse tipo de estrutura é ruim: de jeito nenhum! Elas são necessárias para a construção de um bom texto, mas não podem dominar toda a narrativa.
Caso o façam, é provável que o seu leitor volte o parágrafo para ler, e spoiler: isso não é bom. Tu te tornas eternamente responsável por… PARE!
É sempre divertido usar — ou parafrasear — uma citação famosa ou um tipo de frase que a gente vê em todo o lugar e acha linda, divertida. Porém, como tudo na escrita: não exagere, senhora! Uma frase de efeito um pouco batida em um momento de tensão pode se tornar icônica. “Você não pode ignorar o que ainda não perdeu! O que você ainda tem!?” - Jinbe, One Piece
O problema começa quando o autor mete uma frase de efeito em todos os momentos. A cena fica caricata, genérica, parece irreal aos olhos de quem lê. “Por que esse protagonista esquisito fica falando assim? Ninguém fala assim.”
O falso texto rebuscado é um conjunto, uma grande sopa de errinhos que parecem fáceis de se resolver, mas precisam de estudo e atenção na escrita. Deixe de usar palavras estranhas e use construções simples, isso não vai deixar a sua produção menos formal ou merecedora de respeito.
Eu vou ficar por aqui, já falamos de muita coisa! Obrigado pela sua atenção, espero ter ajudado em algo. Fui!
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